Greve de fome pela liberdade

Luaty Beirão é um rapper luso-angolano, conhecido em Angola por participar em manifestações contra o governo. O cantor, de 34 anos, e mais 14 ativistas juntavam-se todos os sábados para discutir o conteúdo de dois livros que explicam como combater uma ditadura. Uma destas obras era Da Ditadura à Democracia, uma Estrutura Conceptual Para a Libertação de Gene Sharp. O segundo livro é uma adaptação do primeiro, mas tendo em conta a realidade angolana. Foi escrito por Domingos Cruz, que também faz parte dos 15 ativistas.

A 20 de Junho de 2015 foi feita uma operação policial pelas autoridades angolanas, para prender 13 destes ativistas. Dias depois, outros dois foram também presos. Não foram julgados, nem formalmente acusados de nada. Apenas os informaram de que estavam a ser travados de preparar um golpe de estado. Luaty Beirão e os restantes presos políticos dizem não compreender esta acusação, pois apenas discutiam formas pacíficas de acabar com o regime que eles consideram ser uma ditadura.

A 16 de Setembro, o grupo foi formalmente acusado de preparar uma rebelião e um atentado contra José Eduardo dos Santos, presidente de Angola. Dia 20 do mesmo mês acabou o prazo legal de 3 meses de prisão preventiva e nenhum deles foi libertado. No dia seguinte, Luaty começou uma greve de fome para expor ao mundo a situação.

Por já ser um artista conhecido, o caso espalhou-se por todo o mundo. No dia 9 de Outubro, mais dois dos ativistas iniciaram também uma greve de fome, Albano Bingobingo e Nelson Dibango. Estes dois, por não terem tido o mesmo mediatismo de Luaty, não foram tratados da mesma forma. Enquanto nesse mesmo dia, Luaty foi transferido para uma clínica para ser acompanhado medicamente, Albano e Nelson não tiveram qualquer ajuda médica, sendo que Albano foi até “(…) torturado por guardas prisionais”, segundo a agência de notícias makaangola.

O regime angolano tentou silenciar o caso. O canal televisivo estatal de Angola, o TPA, referiu-se à greve de fome de Luaty como “comportamento diferente em relação aos alimentos”. Algumas vigílias de apoio ao rapper foram reprimidas. Contudo, a atitude do ativista teve grande apoio noutros países, especialmente em Portugal. Em Lisboa, foram organizadas vigílias para apoiar os presos políticos.

A Human Rights Watch, organização que reporta violações de direitos humanos, por todo o mundo, afirma que o povo angolano tem sofrido várias destas violações pelo governo angolano. Angola é oficialmente uma democracia, mas aparece em 124º lugar no ranking de liberdade de imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras. O país celebrou este ano 40 anos de independência, com 36 anos de José Eduardo dos Santos como presidente, sendo o seu partido, o MPLA, fortemente acusado de corrupção pelos partidos da oposição. A sua filha foi a primeira bilionária africana e o segundo filho está a frente do Fundo Soberano de Angola, que tem o valor de 5 mil milhões de dólares.

A 19 de Outubro foi, finalmente, marcado o julgamento. No dia seguinte, Nelson Dibango suspendeu a sua greve de fome, e Albano Bingobingo fez o mesmo dia 21, queixando-se dos vários maus tratos que sofreu. Porém, Luaty Beirão continuou a sua luta, afirmando que só pararia quando lhes fosse permitido aguardar o julgamento em liberdade, apesar de já se encontrar num estado de saúde muito débil.

Após vários apelos da sua filha, mulher, dos restantes ativistas e de pessoas por todo o mundo, o rapper, formado em engenharia eletrotécnica, decidiu acabar a sua greve de fome ao 36º dia, a 26 de Outubro. Perdeu 23 kg e luta agora por recuperar a saúde. Uma semana depois voltou para junto dos companheiros, na prisão, e em conjunto aguardaram o julgamento que se iniciou a 16 de Novembro. Vários dos ativistas apresentaram-se em tribunal descalços, como forma de protesto pela sua detenção. O acesso à sala de audiências foi negado aos jornalistas, estando estes apenas autorizados a acompanhar as alegações finais e a leitura do acórdão, que não têm ainda datas marcadas.


Texto: José Pedro Lopes