O imaginário como coisa real

Autoria: Martim Zanatti

Fotografia: Madalena Galrinho

Se Deus existe e está em mim

Nada O é 

Senão o Amor. 

Este sentimento desenfreado que escolta a Vida 

Por toda a eternidade. 

Essa palavra rítmica articulada de sangue, 

Lágrimas. Omnipresente,

Omnipotente.

Omni-tudo, Omni-nada.

Como não amar as coisas, se nelas está o silêncio fatal.

                              Eterno destino de tudo

Quem das coisas fala, das pessoas pensa 

Que tanto para umas, como para outras 

O silêncio espectral existe desde imemoriais tempos. 

Observo as ruas.

Tão belas, tão insignificantes

E por isso tão belas. Tão inúteis  

Por isso tão majestosas. 

Limitadas de espaço, mas grandiosas de vida.

Uma mulher passa. 

Distante vai ondulando o cabelo com a mão fina.

Cruza uma banca que vende nada que se compre,

Bugigangas anunciadas por homens gastos de olhos grandes. 

Um menino avança na direção oposta, 

Seguindo as nuvens esparsas que se vão dissolvendo no ar.

Os prédios pardos escondem-se atrás do clamor dos homens 

E das coisas, da terra que grita, enfim, para os céus. 

Como se se abrisse e nos engolisse por completo

Findando-nos a existência, se não é isto a morte.

Um grito desprezado que se acerca e nos engole. 

De uma janela sobrepõe-se, 

Ao clamor geral, 

Algo parecido com um homem 

Fumando algo parecido com um cachimbo 

Olhando pensativo para algo parecido com a realidade. 

Ambos os olhares se encontram

O da mulher que vai passando 

E do homem que pensativo está.

E registado fica nos infinitos livros dos olhares.

Se para tal, escritos existem.  

O mundo transforma-se, 

Recompõe-se.

Eu, 

Vítima do acaso, 

Narrador e testemunha, 

Transformei-me, 

Recompus-me de igual modo.

O olhar breve termina.

Como finda tudo o que existe 

E até o que de existência carece.

Contorcem-se os rostos 

E despedem-se as palavras 

Que ousaram ser ditas mudamente.

Como não amar as coisas, se tudo tende para o silêncio.

Caminham errantes 

Os infinitos silêncios que haviam sido voz. 

Vejo-os vagueando sem destino, 

Porque aquando da morte, 

Tal palavra pouco sentido tem.

O menino pára ante uma passadeira.

Olha para a esquerda e direita

Endireita o corpo frágil, 

Com uma meninice própria da idade. 

Sorri como sorriem aqueles que nada esperam.  

Do outro lado da rua, 

Como se o acaso não fosse mais 

Que um singular destino, 

Encontra-se uma menina de olhar vivaço

Na testa um laço lasso 

Um sorriso sem embaraço 

E um brinquedo no regaço. 

Ambos se olham,

Sorriem sem constrangimento.

Pois a realidade é esta, infinita. 

A perspectiva de brincar.

No alto das montanhas da imaginação

Construí uma cidade típica.

Estas personagens são tão reais como imaginárias. 

(Quão reais elas são?)

Findou o tempo delas, como findará o meu.

(Quão real sou eu?)

E nisto está a alegria de viver.

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