Autoria: Catarina Curado (LMAC) e Nuno António (LEFT)
No passado dia 19 de dezembro, o Anfiteatro Abreu Faro recebeu Carolina Figueiredo para uma palestra intitulada “A física em ação – building particle physics from the bottom up”. O evento teve como objetivo principal apresentar aos estudantes de física, e a todos os presentes, uma abordagem inovadora de como olhar para alguns fenómenos físicos, destacando princípios básicos que podem ajudar a acelerar a obtenção de “respostas corretas” e a prática de uma física mais intuitiva e tolerante a pequenos erros ao longo do processo.
Carolina Figueiredo é atualmente uma estudante de doutoramento da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. O seu nome tem conquistado grande palco ultimamente graças à recente publicação dos resultados de uma descoberta sua nos campos da física de partículas e da física quântica, divulgados no final de 2024 [1].
Natural de Lisboa, Carolina sempre se interessou pela música e pelas ciências exatas, mas é neste último campo que constrói a sua carreira. Esta começa na Escola Rainha D. Leonor, onde cursa Ciências e Tecnologias e de onde parte para a licenciatura em Engenharia Física e Tecnológica, no Instituto Superior Técnico. No seu segundo ano, a estudante acaba então por se destacar conseguindo, paralelamente, uma bolsa da Gulbenkian na área da matemática, que lhe permite melhor estudar relatividade. Concluída a licenciatura, Carolina Figueiredo ingressa no mestrado em Matemática Aplicada e Computação, ainda no Técnico, mas desiste a meio para se candidatar diretamente a um doutoramento na Universidade de Princeton. Agora orientada pelo famoso físico Nima Arkani-Hamed, Carolina faz a descoberta notável que a faz regressar ao Técnico para a apresentar aos novos alunos da área que moldou a sua vida [2].
A palestra, realizada inteiramente em inglês, começou com uma breve reflexão sobre a natureza rigorosa da física como disciplina. Carolina confessou que, enquanto estudante, chegou a um ponto em que a abordagem padrão da física, apesar de essencial, mostrou-se insuficiente no seu avanço científico, já que até mesmo pequenos erros, como um sinal negativo perdido, podiam comprometer todo o resultado. Por isso mesmo, destacou a importância de identificar o conjunto correto de equações para alcançar a resposta final pretendida e inovar nos métodos que nos permitem chegar a esta solução de uma forma mais segura, intuitiva e rápida.
Carolina dividiu a palestra em três partes: na primeira, intitulada “Physics via turn the crank (textbook way)”, foram apresentados exemplos simples da física no quotidiano; na segunda, “Physics via guessing the answer”, analisou-se a importância da análise dimensional e de alguns princípios físicos; e, por fim, na terceira, “Physics via something completely different (answer to a different question)”, a jovem física explicou a abordagem que utiliza para resolver problemas na sua área de trabalho e de especialização.
Parte I: Physics via turn the crank (textbook way)
No contexto de tópicos mais familiares e com o objetivo de encontrar o conjunto correto de variáveis (um sistema de coordenadas que torne tudo mais simples), Carolina pediu para imaginar a seguinte situação: dentro de um autocarro em repouso está um balão de hélio suspenso, porque a densidade do hélio é menor que a densidade do ar. Se o autocarro sofrer uma aceleração repentina, o que acontecerá ao balão? A resposta é um pouco contraintuitiva, mas, como disse Carolina, no final, fica claro que o balão se inclina para frente.
Agora, suponha que se quer saber qual é o ângulo em que o balão fica após essa inclinação. A jovem cientista explica que, para encontrar uma resposta a esta questão, é possível usar o princípio da equivalência. Este princípio afirma que, estando num referencial uniformemente acelerado, não se sente uma força devido a essa aceleração uniforme. Neste caso, no referencial do autocarro, sente-se uma força equivalente à aceleração oposta. Assim, o balão flutuará precisamente contra o campo gravitacional efetivo, da mesma forma que faria num campo gravitacional comum. Isso significa que, analisando apenas o ângulo em que o campo gravitacional efetivo se orienta, pode-se usar a tangente desse ângulo para determinar o valor da inclinação do balão.
Avançando alguns anos para o estudo da física de partículas, onde o interesse está em compreender as entidades mais fundamentais que compõem a matéria, as perguntas tornam-se um pouco diferentes: Uma partícula é elementar? É feita de componentes mais simples? Como interage com outras partículas? Para responder a essas questões, os cientistas colidem partículas entre si. Essas colisões podem ser descritas por meio das amplitudes de dispersão, que são uma grandeza física que mede a probabilidade associada a um processo de interação entre partículas, como colisões ou dispersões, ao nível microscópico.
Mas o que acontece quando gluões colidem? Gluões são partículas intermediárias da força nuclear forte, uma das quatro forças fundamentais, e são responsáveis por conferir estabilidade entre os quarks, de modo a que estes possam formar os neutrões e os protões. Cada gluão é caracterizado por um momento e pela sua polarização. Para descrever um gluão, deve-se calcular a sua amplitude, o que pode resultar em cálculos que ocupam dezenas e dezenas de páginas.
Contudo, em 1986, Clark e Sandler, propuseram uma solução elegante: ao especificar as polarizações dos gluões como polarizações físicas, essas dezenas de páginas de álgebra reduzem-se a um único termo [3]. Carolina concluiu que essa simplificação se deve à escolha adequada de um conjunto de variáveis, uma decisão que é absolutamente crucial tanto na mecânica clássica como, ainda mais, na física de partículas dos dias de hoje.
Parte II: Physics via guessing the answer
Como a palestra era voltada essencialmente para estudantes de licenciatura, um dos objetivos principais da jovem cientista foi convencer o seu público de que a análise dimensional é muito poderosa.
Para ilustrar essa importância, considerou-se o sistema Terra-Sol. Se a Terra parasse num ponto específico da sua órbita, começaria a cair em direção ao Sol devido à gravidade. Quanto tempo levaria para o planeta colidir com a estrela? Pelas equações de movimento e utilizando escalas corretas, juntamente com a terceira lei de Kepler (o quadrado do período orbital de um planeta é proporcional ao cubo do raio médio da sua órbita), obtém-se finalmente que uma estimativa grosseira da resposta é de um ano.
Devido à mecânica quântica e à relatividade, a constante de Planck e a velocidade da luz são as nossas constantes fundamentais, importantes porque permitem relacionar várias grandezas distintas como o tempo, o espaço e a energia. É possível ilustrar essa importância com o seguinte exemplo: se um hipotético habitante de Marte quiser saber a nossa altura, será correto afirmar “Eu tenho cerca de dois metros”? Não, pois o habitante não saberia o que é um metro. Teríamos, sim, de dizer algo do género «Se um protão mede 10-14 metros, eu sou 1016 vezes maior.»
Mas então, por que é que tudo o que vemos é muito maior que as unidades fundamentais? E por que razão existem coisas macroscópicas no universo? Acontece que, das quatro forças fundamentais, as forças nucleares fraca e forte só têm alcance de uma distância da ordem de grandeza dos núcleos atómicos, não tendo efeitos à escala humana, apesar de serem as duas forças mais fortes. Já o eletromagnetismo e a gravidade têm um alcance relacionado com a realidade quotidiana. No caso da primeira, as cargas geradoras desta força tendem a anular os seus efeitos entre si, a constituição de corpos de dimensões quotidianas depende do cancelamento das cargas positivas pelas cargas negativas e vice-versa, pelo que partículas carregadas tendem a acumular-se de modo a garantir este equilíbrio. Por outro lado, a gravidade é uma força que é atrativa e cumulativa e depende exclusivamente da massa dos corpos. Como não existem massas negativas, “cargas gravíticas” ou uma “gravidade repulsiva”, não existe a tendência para atingir um equilíbrio em que uma demonstração da força seja contrabalançada por outra demonstração dela mesma. Esta é a razão pela qual é a principal força sentida por nós, apesar de ser a mais fraca. Chegando a este ponto, torna-se percetível que a análise dimensional, juntamente com um palpite bem fundamentado, são ferramentas poderosas. Contudo, não nos dão toda a resposta que procuramos.
No mundo clássico, sabemos que existem ondas e partículas, e estes são tratados como dois conceitos distintos. Mas, na mecânica quântica, tudo pode ser descrito como uma partícula e cada força tem sempre uma partícula associada a ela. Se essas partículas satisfizerem o princípio de exclusão de Pauli, quando temos muitas delas, não é possível empilhá-las todas no mesmo estado, o que resulta na matéria padrão, também chamada de matéria clássica. Por outro lado, se as partículas forem fotões, ao juntarmos muitas delas no mesmo nível, originamos as ondas clássicas.
Antes de avançar, é necessário compreender exatamente o que é uma partícula. Uma partícula é uma excitação de um campo quântico, caracterizada pela sua massa e pelo seu spin, rótulos que têm consequências no espaço-tempo e na mecânica quântica. Simultaneamente, no mundo quântico, uma partícula pode ser descrita por uma onda, resultante de uma perturbação energética de um campo quântico, onde se deslocará. Para entender como as partículas são feitas e como interagem umas com as outras, é necessário estudar as amplitudes de dispersão, ou seja, perguntar o que acontece quando as partículas colidem entre si.
A amplitude, como já foi referido, é uma grandeza que indica a probabilidade desta colisão ocorrer. Tudo isso acontece dentro do quadro da mecânica quântica, sendo, portanto, tudo probabilístico. Quando um físico vai a um acelerador, envia partículas e mede apenas os seus estados de entrada e saída. Como teórico, para calcular e prever o que será obtido, tenta-se preencher os espaços em branco com uma história que descreva como as partículas interagem. No entanto, a amplitude não fornece informações diretas sobre o que está a acontecer no meio do espaço-tempo. É importante lembrarmo-nos de que, na relatividade, não existe uma noção preferencial de tempo, pois esta é alterada, enquanto na mecânica quântica há uma noção preferencial de tempo.
Parte 3: Physics via something completely different (answer to a different question)
Carolina começa a última parte da palestra, a perguntar se existe algum procedimento que tenha a característica de fazer tanto a relatividade quanto a mecânica quântica manifestarem-se ao mesmo tempo. Se houver algum, então devemos esperar que seja manifestamente diferente da maneira como se vê a física. Ao longo da última década, os físicos têm tentado procurar maneiras alternativas de empacotar a informação de maneira que possamos obter a resposta, não apenas de forma mais rápida, mas também de maneira a manifestar a simplicidade oculta que deverá aparecer no fim dos cálculos.
Em 2013, o físico Arkani-Hamed e o seu aluno, na altura, Jaroslav Trnka descobriram que podemos descrever amplitudes numa teoria de modelo de cinco dimensões do mundo real, que tem uma característica que é chamada de supersimetria (muita gente espera que a supersimetria seja verdadeira, mas até agora não parece ser o caso). Mesmo assim, esta teoria tem a característica de que as amplitudes são um pouco mais simples porque há muita simetria que restringe o que as amplitudes podem ser. Foi também descoberto que há uma noção generalizada de um poliedro (um pouco curvado e não tem faces planas), chamado de amplituedro. Esse poliedro foi, em 2017, pela primeira vez associado a amplitudes de dispersão no contexto de uma teoria muito simples de um escalar, onde não há partículas com spin maior que zero. Abordando algumas das aplicações práticas conhecidas até agora, no contexto da cosmologia, descobriu-se que também há certas geometrias que ajudam a descrever os tipos de funções de correlação que medimos no céu noturno. Em 2022, essa descrição foi, na verdade, estendida para o contexto das amplitudes em teoria das cordas (chamadas de amplitudes de cordas), não se sabendo atualmente se é ou não verdadeira [3].
Perguntas e respostas
É nesta perspetiva que é iniciada a breve sessão de perguntas e respostas que sucede a palestra. A plateia pede então a Carolina para se explicar sobre a possível veracidade e aplicabilidade da teoria das cordas, que atualmente é vista como uma das ideias mais polémicas de física, por vezes alvo de descrença, e daquilo que a sua descoberta lhe acrescenta. A doutoranda prontamente responde que todas as teorias da física têm as suas falhas e que não há uma teoria perfeita, e que esta é uma entre outras. De seguida, afirma que, apesar da volatilidade, talvez mesmo inconstância, que caracteriza a forma como a teoria das cordas lida com fenómenos extremos, ela é totalmente válida quando se procura abordar sistemas e estados de baixa energia: “In a low energy level, string theory is correct, it only describes particles”. Conclui dizendo, então, que esta teoria não deve ser descartada de todo, antes é necessário percebê-la melhor.
Independentemente da brevidade desta última sessão, esta expande-se para fora do ramo científico. Interessados no seu percurso notável, os alunos de Engenharia Física e Tecnológica perguntaram sobre os efeitos que um ano dedicado ao exclusivo estudo da matemática pura tem num percurso de um estudante de física. Naturalmente, a resposta varia de aluno para aluno, consoante as suas próprias ambições e planos, mas tendo isto dito, Carolina assegura que, no seu caso, um ano a estudar matemática permitiu-lhe olhar para a física de modo mais objetivo, lógico e incisivo, o que lhe permite reconhecer falhas e incongruências num modelo com uma maior destreza.
Já a última intervenção dos alunos interroga Carolina sobre a habilidade ou o requisito que é mais valorizado num físico investigador, ao que a locutora responde que não se trata de uma única habilidade, mas sim de um balanço entre curiosidade e persistência. Segundo Carolina, esta é a combinação necessária para que uma pessoa tente entender o que a rodeia da forma mais intuitiva possível. Obviamente, tal não acontece instantaneamente quando se depara com algo novo. Há que rever repetidamente, se necessário, o que há de novo, mas também o que há de velho e de pré-adquirido, guardado ou esquecido, para que se possa pintar uma imagem coerente e aprazível do que é a física e do que é o nosso próprio entendimento sobre ela, que relembra: nunca será completo.
Apesar da complexidade dos temas abordados, Carolina conseguiu cativar a atenção e o interesse de todos os presentes, combinando o seu sentido de humor com uma abordagem descontraída na explicação dos diversos tópicos. Tópicos estes, que podem ser acessados, em maior profundidade nos seus artigos até agora publicados, disponíveis de forma gratuita em: https://inspirehep.net/authors/2738054.
Referências
[1] Physicists Reveal a Quantum Geometry That Exists Outside of Space and Time
[3] On the polarization of gluons in the proton
Informação adicional