Mário Figueiredo: “A nossa objeção principal ao modelo [de ensino] atual é uma certa rigidez e o facto de ele encaixar mal no calendário”

Autoria: João Carranca (MEIC-A), Nuno António (LEFT)

Em julho de 2024, a Comissão de Avaliação de Eficiência Formativa do 1º Ciclo (CAEF-1C), nomeada pelo presidente do IST, apresentou o seu relatório final de análise aos últimos 3 anos depois da implementação do Método de Ensino e Práticas Pedagógicas (MEPP). O relatório, pouco falado na esfera pública estudantil, sugere mudanças significativas no método e cultura de ensino do IST, com ênfase particular no sistema trimestral. O Diferencial sentou-se com o professor Mário Figueiredo, presidente da CAEF-1C para discutir o documento.

Em fevereiro de 2023, o presidente do IST, Rogério Colaço, nomeou a CAEF-1C. Após alguns atrasos e uma longa fase de auscultação à comunidade académica, o relatório foi finalizado e entregue em julho de 2024. Apesar de pouco publicitado, o documento foi fundamental na elaboração da proposta de revisão dos Princípios Enquadradores para a Reestruturação dos Cursos de 1º e 2º Ciclo do Instituto Superior Técnico (PERCIST), disponibilizada pelo presidente do IST ao Diferencial, pelo presidente do IST. Nesse documento, entre outras coisas, é proposta uma maior flexibilidade no que toca à modalidade (trimestral ou semestral) das cadeiras.

Construção do Relatório da CAEF-1C

O processo de elaboração do relatório passou por uma extensa fase de auscultação, em particular aos estudantes. “A coisa que fizemos mais foi ouvir alunos”. Foi conduzida uma fase de entrevistas, em que foram contactados os delegados dos vários cursos e anos e “ficou a cargo dos delegados, escolherem se vinham eles, se mandavam alguém, se vinham eles com alguém”.

“Houve cursos que trouxeram uma pessoa, outros que trouxeram três e fazíamos reuniões. Houve reuniões em que estavam 10, 15 alunos, com a comissão, vários cursos.”

Sobre a planificação do documento, Mário Figueiredo admite que não foi muito restrita.

Foi quase uma abordagem antropológica. É tentar mergulhar nas opiniões das pessoas e ouvi-las durante muito tempo para ficar com um feeling do que é que as pessoas sentem. Depois, a partir daí, tivemos reuniões só com a comissão. Fomos conversando, o que é que nós achávamos que ia estar no relatório, quais são os aspetos a analisar. Foi sempre um trabalho muito em conjunto. Não partimos aos bocados. Não fizemos supervisão de tarefas para escrever o relatório.”

A colaboração com o Conselho Pedagógico do IST (CP), de acordo com o presidente da comissão, foi “muito direta”:  “Nós tínhamos duas pessoas [do CP] na comissão. Aliás, um dos apêndices do relatório é elaborado em conjunto [com o CP].”

Já com a Assembleia de Escola (AE), com o Conselho de Escola (CE) e com o Conselho Científico (CC), não terá havido contacto durante o processo, apenas algum contacto “esporádico” com Rogério Colaço.

Conclusões do Relatório da CAEF-1C 

O documento de 31 páginas propõe várias e profundas alterações ao sistema de ensino no IST, tanto propostas concretas como pontos mais gerais, com um capítulo inteiro dedicado à cultura de ensino no Técnico. As propostas mais sonantes são referentes ao calendário escolar, ao sistema de trimestres atual e à estrutura curricular das cadeiras.

A comissão propôs uma flexibilização do sistema trimestral para dar lugar a um modelo em que os cursos e departamentos possam ajustar a extensão das cadeiras dependendo daquilo que considerarem mais adequado. Esta posição é baseada em conclusões como a falta de robustez face a acontecimentos inesperados. São dados como exemplos a falta de um docente numa dada semana e a incompatibilidade com as épocas festivas, como o Natal e a Páscoa, e ainda com os calendários de outras faculdades, dificultando o Erasmus. É também referida a ausência de período de descanso entre quarters e o sentimento exacerbado de pressão temporal, com particular destaque para a falta de “espaço temporal e mental para o erro”. 

Do ponto de vista da comissão, este modelo de 7 semanas não tem qualquer comparativo em nenhum modelo internacional. Um excerto do relatório aponta uma diferença importante entre alguns modelos norte-americanos, por vezes falados na discussão sobre os trimestres, e o modelo que foi implementado no IST.

“(…) Nas instituições desses países [Canadá e EUA], os quarters são de 10 semanas, o que é significativamente diferente das 7 semanas dos períodos no IST. Além disso, nas universidades norte-americanas que usam um sistema de quarters, o ano letivo organiza-se em três (e não quatro, como no IST) quarters.”

Nos modelos ingleses “o calendário escolar está organizado em períodos (full terms) de 8 semanas de aulas (em vez das 10 semanas nos EUA)” mas “tal como nos EUA, há apenas três períodos (terms) e não quatro, pelo que o número total de semanas de aulas é 24, ou seja, menos quatro semanas que no IST.”

O próprio MEPP, como modelo de ensino, é alvo de reparos, com a comissão a criticar o enfoque, a seu ver, excessivo, na avaliação e a heterogeneidade dos métodos de avaliação das várias cadeiras e das implementações do novo método de ensino nos vários cursos e departamentos. 

Uma das consequências destas deficiências, aos olhos da comissão, é a dificuldade por parte dos alunos em acomodar atividades extracurriculares. Para Mário Figueiredo, o maior problema acaba mesmo por ser a rigidez e a falta de opções.

“A nossa objeção principal ao modelo atual é uma certa rigidez e o facto de ele encaixar mal no calendário. Na minha opinião pessoal, eu gosto de mais flexibilidade. Há cadeiras que funcionam bem em 7 semanas. Há cadeiras que precisam de 14 semanas.”

No grupo de cadeiras que funcionam bem em regime intensivo, inclui as que chama “skill based, de repetição rápida”. Cadeiras de teor mais conceitual, ou cuja avaliação depende principal e integralmente da execução de um projeto, precisam de mais tempo,tal como mencionou.

Para si, o MEPP, que entrou em vigor em 2021/22, deveria ter sido testado primeiro num curso piloto e só depois alargado ao IST como um todo.

A proposta final da comissão aponta para um calendário de “14 semanas de aulas por semestre, seguidas de uma semana dedicada a testes e discussões de trabalhos” e “uma semana de preparação para exames normais ou de recurso”. A época de exames passaria a ter a duração de duas semanas e seria obrigatória a possibilidade de concluir a avaliação de qualquer cadeira nas primeiras 15 semanas. Para otimizar este calendário, a comissão propõe a criação de cadeiras de 7,5 créditos a funcionar em 15 semanas e cadeiras de 3,75 créditos a funcionar apenas nas primeiras 7, sempre com um máximo de 4 cadeiras em simultâneo. A proposta de alteração ao modelo de ensino por parte do presidente do IST não contempla, para já, alterações a nível de estrutura curricular e ECTS das cadeiras nem alterações de calendário, mas apenas a possibilidade de ter mais cadeiras em execução semestral.

Capítulo “Revoluções Culturais” do Relatório

O capítulo “Revoluções Culturais” do Relatório da CAEF-1C tende a ser interpretado como vago. Tal é expectável, dada a complexidade e abrangência dos temas tratados, dado que toca em pontos díspares quanto à “Revolução Cultural no Desenho e Criação dos Cursos e Disciplinas” e “A generalização do uso de ferramentas de inteligência artificial […]”.

O professor Mário Figueiredo começa por delimitar os contornos do que concerne a este tópico focando nas suas origens. Toda esta ênfase dada à própria cultura do Técnico parte da perspetiva de que “os alunos têm de ter espaço para errar e de que é preciso errar para aprender”, muito destacada pelo Conselho Pedagógico. Na sua ótica, este princípio não é respeitado por duas principais razões, reitera: a falta de tempo mas também uma preocupação excessiva dos estudantes para com a avaliação. 

“[…] estão sempre muito pressionados para a avaliação. E, portanto, um erro é uma perda de tempo, têm aquela sensação, não quero errar nesta cadeira, não quero errar nisto, não tenho tempo para estar a perder mais duas, não sei quantas semanas.

Nesta perspetiva, o presidente da comissão considera que a avaliação, apesar de uma ferramenta importante, não é o objetivo do ensino, muito menos é o objetivo ou o trabalho de um professor. Do seu ponto de vista, a maior finalidade do ensino é dar aos alunos uma experiência de aprendizagem eficiente e que garanta que, acima de tudo, existe de facto aprendizagem. De igual modo, deve ser este o intuito de um professor.

“Como é que vamos fazer aprender? Uma coisa fundamental para aprender é querer aprender, não é? É estar curioso. E, portanto, é uma questão de cultura, […] é tornar mais agradável o que aprender, tornar as aulas mais agradáveis.”

Mário Figueiredo considera ser cada vez mais difícil passar o interesse e o fascínio para os alunos, não por inaptidão dos professores mas sim devido ao crescimento extraordinário das suas plateias e do rácio entre o número de alunos e professores.

A comissão admite, no entanto, a existência de cadeiras que possam ser “bottlenecks” a congestionar a progressão dos alunos e admite também que, nesse aspeto, muitas vezes os docentes têm culpa. Para além de cadeiras invariavelmente difíceis, são destacados como problemas efetivos: lacunas em cadeiras anteriores que acabam por não ser rematadas e docentes que por vezes se marcam por uma postura adversativa, até mesmo pouco transparente.

Aponta também que a “postura territorial que alguns departamentos têm” dificulta e prejudica a revisão de certas unidades curriculares, causando uma certa inércia neste aspeto.

Divulgação dos Resultados do Relatório

Segundo Mário Figueiredo, o relatório foi apresentado poucas semanas depois da sua conclusão, perante uma plateia constituída por “todas as pessoas que tinham qualquer cargo a ver com o ensino no Técnico, […] todos os coordenadores de curso, todos os presidentes de departamento”. Para além desta, não houve nenhuma mobilização que visasse a divulgação da publicação do relatório, nem da criação da comissão que o fez.  

“Depois acabou, no momento em que foi entregue o relatório. Automaticamente a comissão extinguiu-se, com a entrega do relatório final, e pronto, acabou.”

Numa nota final, considera que este documento deveria estar publicado, de modo a ser mais acessível. Apesar de se tratar de algo público e do professor ter autorização expressa para o divulgar, não há nenhum agente com a responsabilidade de o fazer, de facto, uma vez que a comissão responsável pelo relatório está agora extinta.

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