Autoria: Margarida Almeida (MEBiol)
Não parecia estar predestinado a ser “cientista”. Partiu do ensino profissional e sonhou muito. Hoje, é aluno de PhD em Química no Instituto Superior Técnico, professor convidado na mesma instituição, trabalha nas áreas da Astrobiologia e Química Prébiótica e prepara-se para desenvolver parte do seu trabalho na NASA, instituição com a qual colabora desde o início do doutoramento.
Insucesso e Resiliência
Até ao 3º ciclo foi um aluno abaixo da média: “Não tinha interesse na escola.” O resultado dos testes vocacionais apontavam para enfermagem ou comunicação, algo que não lhe pareceu condizer com a sua personalidade.
“[A psicóloga] lembrou-se que existia a possibilidade de eu seguir […] um curso profissional” porque “gostava de mexer e de construir cenas.”
“Entrei no curso de mecatrónica. Adorei. […] Gostava de construir circuitos elétricos, programar microcontroladores e montar robôs.”
Aos melhores alunos da turma era dada a oportunidade de competir nos nacionais de robótica. Perante esta possibilidade, começou a aplicar-se e conseguiu competir em 4 edições. Os vencedores dos nacionais, eram convidados a competir no mundial, ROBOCUP. O Gustavo, contribuiu para o mundial de 2015, na China, e participou no de 2016, na Alemanha.
Dado o sucesso na construção de robôs, começou a pensar em construções mais complexas: “O meu foco virou-se para o céu. O meu sonho nessa altura era ir para a NASA construir foguetões. Se calhar era um bocado descabido, até porque eu acho que não é a NASA que constroi os foguetões.”
“Eu sabia que existia o curso de Engenharia Aeroespacial aqui no Técnico. […] Na minha cabeça, para chegar onde eu queria, tinha obrigatoriamente de fazer [esse curso].”
Mas, na altura de fazer os exames, não encontrou a facilidade que esperava: “O meu estágio, de aproximadamente 4 meses, acabava no final de Julho e eu, inocente, achava que bastariam umas semanas [de estudo] para fazer os exames. Afinal, eu tinha sido o melhor aluno da turma. […] O ego deturpa a nossa perceção da realidade. Tirei 3 valores a Matemática e 5 a Físico-Química. […] Fiquei devastado com o resultado.”
Passou o ano letivo de 2016/2017 a trabalhar e a estudar para os próximos exames. A escola onde fez o 3º ciclo não aceitou o seu pedido para assistir às aulas, alegando que tinha de estar inscrito. “E eu não queria estar inscrito, eu só queria assistir às aulas. Surgiu a oportunidade de assistir às aulas numa escola que ficava praticamente a 1h de minha casa. Eu apanhava o autocarro todos os dias entre as 6:45 e as 7:00 da manhã, gastava quase 12 paus por dia, muitas das vezes para assistir só a 2h de aulas. Foi um ano turbulento. […]”. No final do ano, voltou a repetir os exames, tirou 11 no de Português e 9,6 no de Físico-Química. “Chumbei a Matemática.”
Com uma média de entrada de 13,3: “Nunca conseguiria entrar em Engenharia Aeroespacial…nem em engenharia qualquer, porque não tinha Matemática. A única Licenciatura que me permitia entrar sem [esse exame] e com cadeiras parecidas às de uma engenharia era Química Industrial, na Universidade da Beira Interior.”
“Não fazia puto de ideia o que era aquilo. Eu tinha gostado de Química no profissional, mas não era nada daquilo que eu queria. Fui para a Beira Interior, mas fui com o objetivo de mudar de curso, porque descobri que existia Engenharia Aeronáutica. Não era Aeroespacial, mas estava muito mais perto do que eu queria.”
Porém, na Covilhã, partilhou casa com um rapaz que estava em Aeronáutica e que lhe terá transmitido a ideia de que em Aeronáutica, apenas os melhores poderiam vir a ter a oportunidade de trabalhar na construção de foguetões, os restantes iriam apenas «passar a vida a desenhar as cabines para pôr as malas nos aviões». Sentiu-se desmotivado, considerava ter entrado na universidade “com desvantagem em relação a todos os outros”, pelo que vir a ser “um dos melhores” era pouco realista.
“Deixei-me ficar em Química Industrial, mas passei pelo menos o primeiro ano e meio do curso numa crise existencial. Não sabia como ligar a Química ao espaço. […] Na altura, eu fazia parte de um núcleo de estudantes, o UBIQuímica, que todos os anos organizava as jornadas de Química e Bioquímica.” E uma das palestrantes do evento foi a Prof. Zita Martins, que fez uma introdução à área de Astrobiologia. “E, passado um ano e meio de crise existencial, tu vais a uma palestra, com 20 ou 40 minutos, e tu vês: «É exatamente [isto]!»”
“Não consegui falar com ela na altura, mas depois mandei-lhe um e-mail a dizer que tinha gostado muito da palestra e com mil e uma dúvidas acerca da área. Misturei os conceitos todos (Astroquímica, Astrobiologia, Astrofísica…) e ela, de forma muito cuidada, respondeu e explicou-me o que era cada coisa. Eu sabia que para entrar no Técnico precisava de ter uma média considerável. Portanto, a partir do 2º ano, esforcei-me ao máximo para atingir esse objetivo.”
O Mestrado
Terminou a Licenciatura com 16 valores e conseguiu entrar no Mestrado em Química no Técnico. “Mas infelizmente não surgiu a oportunidade de trabalhar com a professora Zita…”
“Tive outro momento […] de crise existencial. Porque eu deixei o que tinha na Covilhã, estava num grupo espetacular de síntese orgânica. […] Cheguei a Lisboa, recebi a notícia e fiquei assim um bocado… Porque [a professora] era a única referência que eu tinha na área, em Portugal.”
“Sempre que eu faço algo novo na vida as cenas correm sempre mal, no início. Vim para Lisboa aconteceu isto. Vivia ali enclausurado num quarto sem janela. […] Ainda não tinha amigo nenhum. […] Não tinha nada aqui.”
Acabou por tentar contactar dezenas de investigadores das várias Astro-, portugueses e de outras nacionalidades. As respostas foram poucas, mas, de entre elas, estava a de Jason Dworkin, chefe do Laboratório Analítico de Astrobiologia da NASA Goddard Space Flight Center. “Ele mandou-me um testamento a explicar o que é que era cada área e por onde é que eu podia ir. […] Fui falando com ele.”
“Independentemente do contacto que eu tinha com o Jason, eu continuava a precisar de arranjar alguém aqui no Técnico.” Foi-lhe indicado o professor José Armando que trabalha em Química Prébiótica. “Entrei em contacto com ele, discutimos ideias e propostas e tenho trabalhado com ele desde essa altura.”
O tema que escolheu para sua dissertação de Mestrado estava na interseção das áreas de Prebiótica e Astrobiologia: “Estávamos a propor que moléculas presentes em meteoritos e afins não tinham de ser necessariamente aquelas que foram formadas no início do sistema solar, mas um produto de diversas transformações, especialmente por efeito de colisões que os corpos tinham uns com os outros durante a formação do sistema solar. Portanto, a Vida foi criada à base de porrada, basicamente é isso.”
“É quase absoluto que os ingredientes para a Vida [as moléculas] vieram de fora da Terra. Agora, quais é que foram? Existe muita incerteza ainda. Eu não acredito que a força motriz do Universo tenha sintetizado moléculas à toa. Todas elas têm de ter um significado e é isso que tentamos explicar.”
Sentiu que a proposta que estava a explorar na dissertação de Mestrado merecia uma continuação, mas, para isso, teria de seguir para um Doutoramento e precisava de “arranjar suporte de gente que percebesse da coisa.”
À procura de uma equipa
Antes de apresentar a tese, houve um congresso internacional de Química, o EuChemS, que naquele ano aconteceu em Lisboa. E, por coincidência, um colega de Jason Dworkin, o Dr. Daniel (Danny) Glavin, iria participar no congresso.
“Eu insisti muito para participar. Eu tinha que ir lá.” Neste tipo de congressos é comum haver painéis em que os investigadores podem pagar para serem incluídos no evento e fazerem uma apresentação sobre o seu trabalho. “E pagas e não é pouco. Geralmente 400-500 €. Mas eu, como era sócio da Sociedade Portuguesa de Química e era em Lisboa, paguei 200€.”
“Acabei por ir e fiz uma apresentação sobre os resultados que tinha.” Encontrou-se com o Danny depois da apresentação, falou um pouco mais sobre a sua proposta de dissertação e “ele disse que não era estúpida de todo.” Danny deu a entender que no seu laboratório estavam com falta de químicos e que iria falar com Jason. Mais tarde, o Gustavo recebe uma proposta de colaboração.
“As moléculas que iríamos utilizar na nossa investigação eram as moléculas que eles iriam eventualmente investigar no futuro. E portanto, juntou-se o útil ao agradável. […] Nesse dia, eu fiquei maluco!”
Na altura da apresentação da tese, procurou investigadores de renome na Europa para convidar para arguentes. O arguente é quem coloca questões a quem está a defender uma dissertação académica.
“Consegui uma lista de pessoas que poderiam ser opções viáveis. […] Cheguei ao Laurent Remusat, [investigador nas áreas de Mineralogia e Geoquímica, especializado em interações orgânico-minerais em Meteoritos], ele demorou quase duas ou três semanas a responder.” Mas aceitou.
Candidatou-se a uma bolsa de Doutoramento da FCT, em 2022, não ganhou: “Ainda não tinha acabado o meu Mestrado e também não tinha experiência a fazer candidaturas. […] Não sabia contar a história. Quando fazes uma candidatura a uma bolsa, tens de saber contar uma história.”
“Em Novembro de 2022, apresento a minha tese de Mestrado. Preparei-me muito bem, porque, na minha cabeça, se o Laurent gostasse do tema, poderia estender as colaborações que eu tinha. Se ele não curtir, estou desgraçado. Epá, e curtiu. Curtiu, bué. Ele disse que só não me dava 20 porque não se dá 20 em França. E assim nos juntámos. Tinha a equipa, faltava o financiamento.”
O Doutoramento
“Nesse ano que não ganhei [a bolsa], estive a trabalhar em vários lados. Candidatei-me a uma bolsa de investigação no laboratório do professor João Tomé e do professor Pedro Paulo, onde trabalhei na síntese de porfirinas. Em paralelo, continuava a desenvolver o que viria a ser o meu trabalho de Doutoramento.”
“Até Junho estive um bocado a penar, porque a bolsa [de investigação] só começou para aí. Cheguei a dar apoio ao estudo numa escola em Carcavelos. […] Depois lá consigo a bolsa.”
“Antes de me candidatar, eu tive uma reunião com o professor Pedro Paulo. E eu disse-lhe: «Olha, eu nunca vou estar 100% dedicado a isto, nem vou dar continuidade a isto.» […] Era muito mais rentável para eles arranjarem alguém que desse continuidade, mas, mesmo assim, aceitaram. Estou-lhes eternamente grato.”
“Faço a [nova] candidatura à FCT com a equipa. Uma candidatura muito melhor. Fiz a proposta ao Jason e ao Laurent para fazerem parte da equipa como co-orientadores, e ao professor José Armando como orientador principal. E rezei a todos os Santos para ganhar a bolsa.”
“E consegui. Fiquei em 18º. […] Sabia que o tema da minha candidatura estava a par com pessoal que trabalha na área do cancro, na área de química dos materiais.[…] Tens milhões de cancros para tratar, tens milhões de materiais, milhões de fármacos. Depois tens a minha: «Ah, vamos buscar amostras ao espaço e analisá-las, para desmistificar a origem da vida.» Obviamente que isso em termos de financiamento é sempre [mais difícil]. Mas como tinha pessoal de fora importante… Eu só pensava: Se o pessoal de fora acredita no meu trabalho, eu espero que [aqui] também acreditem.”
“De momento, estou a tirar o Doutoramento em Química. Considero-me um “Astroquímico”, mas trabalho nas áreas da Astrobiologia e Química Prébiótica. […] O meu trabalho centra-se na análise de amostras extraterrestres com o intuito de perceber a origem das moléculas lá presentes.”
“Eu acredito em motivação. […] Acho que isso é o mais importante. Se fosse professor era isso que procurava.”