Autoria: Francisca Branco (LEAer)
O segundo dia do Kalorama foi marcado pelo culto a Florence + The Machine e a experiência audiovisual de Aphex Twin.
EU.CLIDES abriu o palco San Miguel com a voz que facilmente tocou quem estava por perto. Foi com o seu álbum mais recente, “Declives”, e temas mais iniciais da sua carreira, que o artista deliciou os ouvidos da plateia e se libertou para dançar ao som da eletrónica e gospel.
O pináculo da música indie portuguesa, os Capitão Fausto, aqueceram os “festivaleiros de fim de verão”, a alcunha que deram à plateia, com temas já decorados pelos fãs. Apesar do curto concerto, envolveram o público num espetáculo minimalista mas enérgico, selecionando as suas favoritas, como “Amor, a nossa vida”, “Boa memória” e o hit “Amanhã tou melhor”. Além disso, anunciaram ainda numa entrevista à MEO o lançamento de um novo álbum em 2024, e de nova música ainda este ano.
Quando Ethel Cain subiu ao palco San Miguel, o público estava preparado para a “missa” a que ia assistir. No entanto, foi para sua surpresa que sobe Florence Welch ao palco, para cantar “Thoroughfare”, um momento que marcou a apresentação do álbum “Preacher’s Daughter”. Acima de tudo, foi quando desceu à plateia e cantou junto das primeiras filas o seu tema “Crush”, que provocou o verdadeiro impacto religioso do seu espetáculo.
Belle & Sebastian chegaram e conquistaram o público com o seu charme. Entre piadas como “Esta canção é mais velha que vocês. Como é que a conhecem?”, o vocalista recebeu de braços abertos todo o público, num espetáculo caloroso e confortável. Mencionou que estava feliz por estar a atuar num festival, fazendo uma ponte para a canção “Piazza New York Catcher”, que fala sobre ter conhecido a sua esposa num festival de verão. No fim, ainda deram a oportunidade a alguns membros da plateia de subir ao palco, para dançar com eles nas últimas canções e ainda conversar com alguns, como a fã que veio do Brasil de propósito para os ouvir. O vocalista, constantemente a incentivar o público a dançar, afirmou que nunca se poderia sentir amor a mais, terminando a intervenção a cantar o refrão de “(I Can’t Get No) Satisfaction”, dos Rolling Stones.
Mas foi FKJ quem marcou o sunset do segundo dia do festival. A incorporação de solos de saxofone e piano nos seus ritmos de jazz, R&B e eletrónica culminou num ambiente onde havia espaço tanto para momentos introspectivos como de diversão. A plateia ofereceu liberdade total ao músico, respondendo com a energia certa a qualquer sonoridade escolhida – destaca-se a emotividade no clássico de piano “Ylang Ylang”, a surpresa perante o remix de “Let’s Stay Together”, originalmente de Al Green, e o entusiasmo pela favorita “Tadow”, em colaboração com Masego.
Por volta das 20h20, a angelical Florence Welch sobe ao palco principal. Desde cedo que se viu a emoção na cara de fãs que se deslocaram de todo o mundo para a ver atuar no MEO Kalorama. Florence dominava o público como se fossem uma marioneta. À medida que entoava “picks me up, puts me down”, viam-se os braços do público a seguir as suas instruções. Repetia vezes sem conta que um concerto era uma experiência única e que ninguém vinha a um festival para estar parado, pedindo ao público que dançasse com toda a sua energia – e o público, ansioso por cantar com ela as suas canções favoritas, não desiludiu. Florence atuou pela primeira vez em Lisboa depois da sua operação ao pé, que a tinha fragilizado. Felizmente, o entusiasmo do público rapidamente acalmou o nervosismo da cantora, que não parava de agradecer pelo apoio. Explicou ainda o seu ritual durante a famosa “Dog Days Are Over”, onde pediu para a plateia arrumar os telemóveis, expressar o seu amor por quem estivesse por perto, e que saltasse sem parar durante o último refrão – um momento muito bonito, que acabou por levantar uma nuvem de pó tão intensa que a artista se escondeu atrás do baixista para se proteger. Um concerto emotivo, ao som de uma voz que aquece o coração. Obrigado, Florence.
Após o concerto de Florence + The Machine, já durante o caminho para o palco San Miguel, começavam a ouvir-se os primeiros sons do DJset de Arca, que se transformaram num ápice numa apresentação de originais. A artista venezuelana entregou um espetáculo sem tabus, onde celebra a identidade de género e promove um ambiente inclusivo e seguro para os fãs que rapidamente se juntaram para ver a fusão da sua música com a sua linguagem corporal. A criação de um espetáculo que enaltece a promiscuidade e liberta o corpo reflete a metamorfose artística de Arca, que o transpõe para a sua discografia. Foi através de interações constantes com o público, incluindo o atirar de flores para as filas da frente, que Arca conquistou os corações dos festivaleiros.
Não houve tempo para descansar. O fim do concerto de Arca foi o sinal para ir rapidamente para o palco MEO, onde Aphex Twin ainda elevava o seu característico cubo gigante. Apesar de atrasado, o concerto não desiludiu quem há muito ansiava por presenciar esta experiência sonora e visual, especialmente quando começou a passar êxitos, como “Vordhosbn”, na segunda metade do espetáculo. Os lasers que dançavam no céu e as animações e padrões que passavam tanto nas telas laterais como no cubo deslocaram a plateia para uma rave imersiva no som eletrónico, que penetrava os seus corpos. O público que não estava familiarizado com a sua ética visual, rendeu-se à apresentação sequencial e epiléptica da cara do artista no corpo de celebridades portuguesas – Assunção Cristas, Vasco Palmeirim, Luís Figo, Rita Pereira, José Saramago, Fernando Mendes e até Marcelo Rebelo de Sousa foram alguns dos alvos desta caricatura.
O segundo dia do Kalorama terminou em grande com os visuais de Aphex Twin. Hoje, esperam-se os espetáculos de Arcade Fire, Foals e Pablo Vittar, entre muitos outros.