Autoria: Francisco Dias (LEC)
No passado dia 4 de janeiro, foi transmitido na RTP2 o documentário “A Primavera de Pequim”, uma representação da liberdade cultural que desde sempre tem sido restringida pelos consecutivos governos conservadores e opressores na China. Estes regimes, auxiliares da estagnação artística em oposição à evolução já dinamizada no Ocidente, encontram resistência na forma de um movimento político-social. O documentário proporciona um olhar íntimo, quebrando a barreira entre o público e os revolucionários, ao apresentar testemunhos dos homens e mulheres que lideraram esta frente democratizadora das artes.
No período entre 1966 e 1976, a Revolução Cultural na República Popular da China procurava reestruturar o comportamento cultural do país. Liderada por Mao Tsé-Tung, essa abordagem visava a eliminação de qualquer forma de arte que ultrapassasse a fronteira da representação de um país com valores tradicionais bem definidos, desenvolvido e socialmente igualitário.
Recorre-se à perseguição política, restringe-se a pluralidade musical chinesa a 10 óperas nacionalistas, a literatura passa a ser exclusivamente um veículo da propaganda chinesa e, em vão, queimam-se séculos de História. Esquecem-se que Arte é erva daninha, pelo que podem tentar extingui-la, mas sempre nascerá um rebento onde menos se espera, que se propagará até cobrir os pés dos opressores. São, portanto, estes artistas as pedras da calçada que se moldaram de forma a que o liberalismo artístico pudesse florescer nas ruas de Pequim.
O governo subsequente, liderado por Deng Xiaoping, é apresentado como um período de avanços na obtenção das liberdades artísticas, possibilitando o contacto com o Ocidente. Tal flexibilidade foi responsável por desencadear a revolta artística, que culminou no desenvolvimento do Muro da Democracia, onde foram afixados os desagrados da esfera intelectual e divulgada aquela que seria a nova frente artística chinesa, com recurso a diversos media, tais como poesia, pintura, gravura e fotografia, transformando uma simples parede branca num confessionário cultural.
Esta intervenção foi crucial para conduzir a revolta dos artistas para o povo.
A vanguarda cultural, enfrentando a recusa das autoridades em apoiar as novas escolas artísticas, organizou, de forma independente, a sua exposição, que foi rapidamente silenciada pelas forças policiais. A singularidade desta revolução, quando comparada com movimentos da mesma índole, reside no apoio imediato do povo, pois recorrentemente este é o principal opressor por se vincular fortemente a definições sólidas a respeito das artes, ao que a introdução de novos modelos culturais requer um espírito crítico que habitualmente se traduz na angústia pelo não compreendido. Porém, no caso da China dos anos 60 e 70, a solidariedade do povo marcha com os artistas contra um governo prepotente e regressista.
“O mundo oferece oportunidades ilimitadas a quem as quer explorar. Vemos o mundo nos nossos olhos e envolvemo-nos nele com pincéis e facas de esculpir, dedicamos as nossas obras à terra e às pessoas”.
A revolta, marcada por uma filosofia pacifista, almejava apenas verbalizar as angústias dos jovens nas ruas de Pequim. Após algumas horas de protesto diante do edifício municipal, a exposição foi autorizada, abrindo uma porta para a democratização na China.
Paralelamente, a prometida liberalização das artes pelo governo de Xiaoping revelou-se, gradualmente, um novo pilar da opressão. O que parecia ser o início de um período livre, transformou-se numa nova ditadura, mas esta camuflagem política não surpreende os artistas, que a relatam com a serenidade de quem sabe que a liberdade chinesa é instável e sinusoidal.
A narrativa clara e dialogada do documentário transmite detalhadamente a resiliência da Arte diante da opressão, assim como a complexidade da busca pela liberdade numa sociedade em constante mudança. Os desafios na China moderna continuam em cima da mesa aguardando resoluções concretas e, um pequeno feito na conquista dos direitos artísticos, não pode servir de travão na obtenção da sua íntegra.
Referências:
[1] RTP – A Primavera de Pequim
[2] DW.com – Beijing Spring – The Democracy Wall Movement in China