“This machine kills fascists”
Autoria: Pedro Fonseca (MMAC)
A história de toda a música rock até ao momento presente é a história das grandes parcerias. Não me refiro só a duos icónicos, desde John Lennon e Paul McCartney dos Beatles, até Morrissey e Johnny Marr dos Smiths, passando pelos Pet Shop Boys e por Bono e The Edge dos U2, entre muitos, muitos outros. Estou também a falar de colaborações pontuais entre dois artistas, que trazem ao de cima o melhor de ambos; The Velvet Underground & Nico é dos melhores álbuns dos anos 60; “Songs for Drella”, o álbum de tributo a Andy Warhol de Lou Reed e John Cale é melhor do que qualquer álbum individual tanto de Lou Reed como de John Cale; bandas como The The ou This Mortal Coil praticamente não têm membros constantes, apresentando line-ups diferentes e eras musicais completamente distintas. Mas o melhor exemplo destas grandes colaborações é “Mermaid Avenue”, um projeto dos Wilco, banda de folk-rock de Chicago, uma das melhores bandas deste século, e do cantor de intervenção inglês Billy Bragg.
Nos anos 90, Wilco e Bragg juntaram-se para dar música a letras e poemas nunca gravados de Woody Guthrie, músico folk da primeira metade do século XX. Guthrie, nascido no Oklahoma, foi um das centenas de milhares de migrantes americanos que partiu para a Califórnia durante a Dust Bowl; um forte apoiante dos direitos dos trabalhadores americanos e de causas comunistas, Guthrie foi altamente suprimido durante o Macarthismo, uma campanha do governo americano nos anos 50 de repressão contra qualquer tipo de atividade considerada comunista.
Eu poderia agora dar uma descrição breve sobre os temas das letras de Woody Guthrie, que combinam romance com angústia, com a luta revolucionária, com a esperança…, mas acho que melhor seria para uma pessoa ler “As Vinha da Ira”, de John Steinbeck. Sobre o álbum, digo apenas que acho que é perfeito do início ao fim; o rock suave dos Wilco é exatamente o que os poemas de Guthrie pedem, e Billy Bragg traz uma certa crueza (grittiness) e realismo essenciais. Destaca-se, acima de tudo, a intemporalidade; as músicas parecem que podem ter sido lançadas ontem, como há setenta anos, ou a qualquer altura pelo meio. Mostra apenas que por muito que se tente reprimir ou destruir algo, se isso tiver grande valor não será esquecido; será sim defendido, ensinado, difundido; e eventualmente haverá quem o leve a níveis nunca antes imaginados.
O maior hit: ‘California Stars’. Altamente romântica, e capaz de levar qualquer membro da família Joad às lágrimas (“I’d give my life to lay my head tonight/ On a bed of California stars”).
A minha favorita: ‘One by One’. Sobre como nem tudo na vida nos corre como desejámos, sobre como tudo o que é bom é perdido, ignorado ou esquecido, sobre como a esperança desvanece; mas nunca desaparece.
O que ouvir a seguir: nesta colaboração entre os Wilco e Billy Bragg foram produzidos mais dois volumes que, embora bons, não são de tanta qualidade como este primeiro. “Mermaid Avenue III” inclui, no entanto, as minhas duas músicas favoritas de todo este projeto, ‘When the Roses Bloom Again’ e ‘Listening to the Wind That Blows’. No que diz respeito aos artistas individualmente, com os Wilco recomendo começar com o álbum de 2001 “Yankee Hotel Foxtrot”. Natalie Merchant, uma das minhas cantoras preferidas, participa em várias músicas de Mermaid Avenue; Merchant é a vocalista dos 10000 Maníacos, e deles recomendo o álbum “In My Tribe”. Tanto “Yankee Hotel Foxtrot” como “In My Tribe” e as suas respetivas bandas mereciam uma coluna destas da minha parte, mas, enfim, não há tempo para tudo. Para quem gostou de ouvir Billy Bragg recomendo o álbum “Talking with the Taxman About Poetry”, que inclui o glorioso hino à luta dos trabalhadores ‘There Is Power in a Union’.