Conjunto Corona no LAV – A celebração de uma década de muita gentileza

Autoria: Pedro Ruas (MEC)

Para assinalar os 10 anos de carreira, os Conjunto Corona subiram ao palco do LAV para (mais) um concerto inesquecível, que pode não voltar a repetir-se tão cedo.

Foi em 2014 que David Bruno e Edgar Correia, formalmente conhecidos como dB e Logos, respetivamente, se deram a conhecer ao mundo com o lançamento de “Lo-fi Hipster Sheat”, o primeiro longa-duração dos Conjunto Corona, uma dupla na altura desconhecida pela maioria, proveniente de Vila Nova de Gaia. Com uma produção altamente influenciada pelo estilo norte-americano chopped & screwed, onde tudo é material para samples, aliada a punchlines e histórias que variam da tradição regional ao humor, dB e Logos afirmaram-se como uma força a ter em conta, num género que, em muitas instâncias, peca pela originalidade em território nacional.

Foi então criado o personagem Corona, uma entidade que personificava muitos dos estereótipos associados à vida na cidade do Porto, que viria a acompanhar-nos até agora. Ao longo dos últimos 10 anos e após um estrondo de primeiro álbum, onde se exploram as trips de droga do Corona, momentos inesquecíveis foram marcando a história do nosso protagonista portuense: seguiu-se uma recaída (cortesia da sequela “Lo-fi Hipster Trip”), a abertura de uma casa de alterne (“Cimo de Vila Velvet Cantina”), uma passagem mais pacata pelos arredores do Porto (“Santa Rita Lifestyle”), uma noite pelas discotecas da Invicta (G de Gandim) e a exploração da bruxaria e do místico (ESTILVS MISTICVS). A cada disco novo, o ouvinte vai explorando um pouco mais acerca deste enigmático indivíduo da baixa do Porto, que oscilava entre carismático e maníaco. Por detrás da história, David e Edgar iam arranjando maneiras de se reinventarem a cada novo lançamento, criando uma nova estética à volta do projeto, sem descurar a qualidade da escrita.

Conjunto Corona. Fonte: Meifumado

Perante estas qualidades, a comunidade foi crescendo. Quer fossem os primeiros fãs, os que ouviram falar da banda na altura da pandemia (sim, houve mesmo um pico de popularidade, por mais caricato que possa parecer), ou os que os ouviram em dois dos principais festivais no ano passado (Primavera Sound Porto e NOS Alive), todos são bem-vindos. E foi esse o sentimento que esteve no ar na hora e meia de espetáculo dos Corona.

Naquele que foi um dos dois concertos de celebração dos 10 anos de Corona (o outro decorreu no Hard Club, no Porto, a 31/10), o LAV (Lisboa Ao Vivo) encheu-se de gentileza, boa disposição, amizade e, claro, hidromel. Não houve tempo para desperdícios: o grupo sabia exatamente para o que vinha e isso fez-se sentir na setlist recheada, que percorreu toda a discografia da dupla. Faixas como “Motel California” ou “Bongo Bizarro”, que remontam aos seus primeiros lançamentos de estúdio, foram tocadas, assim como as habituais “Perdido na Variante”, “Chino no Olho”, “Pacotes” ou “187 no Bloco”. Alguém que não conheça a banda podia perfeitamente ter ido a este concerto e iria sair com uma boa ideia do que foi o percurso deste coletivo.

Muitos dos concertos dos Corona seguem uma espécie de “ritual”, que quem é fã já está familiarizado: no palco ficam dB, Logos, Homem do Robe (a “mascote” do grupo) e um pequeno aparelho que controla a música que é tocada e atrás está um ecrã enorme que vai exibindo uma sequência de imagens quase tão caótica como o ambiente que é vivido durante o concerto (visuais associados ao álbum “Santa Rita Lifestyle”). A certa altura, chega a hora do hidromel, onde Homem do Robe distribui pelos copos da plateia um pouco desta bebida, e há um brinde em comunhão entre o público e os artistas. No concerto em si, nunca há tempos mortos, havendo diversas interações entre os membros do grupo e a plateia, em tom de brincadeira, que acabam quase sempre em cântico de homenagem aos intervenientes (no LAV, gritou-se pelo concelho do Seixal, pelo distrito da Guarda, pelo autarca Isaltino Morais, entre outros).

O concerto seguiu esta “receita”, mas havia algo diferente no ar. Para além de ter sido um concerto de aniversário, existindo todo o contexto de nostalgia associado aos primeiros hits do grupo, foi também um concerto de incerteza acerca do futuro. Os Corona, umas semanas antes, ainda a publicitar estes eventos, anunciaram que após os concertos iam fazer uma pausa por tempo indeterminado. Não foram dadas mais informações acerca desta decisão até à data, mas sentiu-se na postura dos elementos do grupo. Mais frequentemente do que o habitual, Logos e dB vinham para o meio do público cantar, partilhar microfones e fazer moshpits, criando-se um ambiente altamente intimista com as pessoas presentes, naquela que poderá ser a última vez que o grupo atua na capital. Este sentimento foi especialmente sentido quando o concerto fechou com “Mãe birei gandim”, onde tínhamos, simultaneamente, Logos e dB na plateia a cantar com os fãs, enquanto se viam abraços pelo meio da atuação. 

Se este for mesmo o fim da linha, Conjunto Corona sai de cena em grande. No meio da jarda, dos paivas, da religião e todos os regionalismos, a verdade é que o grupo criou uma discografia muito consistente, algo invejável para muitos coletivos de rap, não apenas a nível nacional. Como se isso não bastasse, a simpatia e o sentimento de hospitalidade, tão característicos das pessoas do norte, e que foram construídos e nutridos com os fãs, é algo que pode orgulhar os membros do grupo, que criaram conexões reais com todas as pessoas que passaram pelos seus concertos. “Corona é o que tu quiseres”, diziam numa entrevista há cerca de 4 anos[1]. Uma frase curta, que representa bem a essência do grupo: simplicidade. Bastou uns quantos clipes retirados do youtube, umas sobreposições de 4 a 5 samples, uma caneta afinada, e lá vieram alguns dos projetos mais excitantes do rap moderno nacional. Atrevo-me a dizer que, mais importante do que seguir esta narrativa que foi explicada no início acerca do personagem Corona, foi o facto do público ter acolhido de braços abertos este projeto, que criou todo um universo à sua volta. Se tudo isto for mesmo uma despedida, é de louvar que todo este legado tenha sido construído com apenas 2 músicos e 4 mãos.

Referências:

[1] – https://mag.sapo.pt/showbiz/artigos/conjunto-corona-o-nome-esta-nas-bocas-do-mundo-mas-a-historia-desta-banda-portuguesa-e-outra

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