Costa Brava, Lebanon: Uma resistência permanente

Autoria: Ana Oliveira (Antropologia, ISCTE)

Como gostam de pensar no 5 de outubro? Há quem tenha aquele sentimento de alívio, pois celebra-se a Implantação da República em Portugal; há quem fique profundamente abatido, pois ainda tem esperança no regresso da monarquia portuguesa; pessoalmente, e creio que é o motivo que mais alegria traz ao povo, lembro-me do 5 de outubro por ser feriado. No entanto, este ano o calendário gregoriano tramou-nos: o 5 de outubro calhou num sábado!

Conformada com esta insanidade de não alterarmos o calendário para os feriados servirem o seu propósito, decidi tornar esta data no dia em que vi o meu primeiro filme de origem árabe no LAFF (Lisbon Arab Film Festival). Esta 1ª edição do festival, organizado pela Culturgest, decorreu de 1 a 5 de outubro e contou com a presença de 10 filmes do mundo árabe e da região MENA (Médio Oriente e Norte de África), que passaram pelos principais festivais internacionais das regiões. 

Costa Brava, Lebanon é um filme libanês, realizado por Mounia Akl (em árabe: مونيا عقل), que  retrata uma realidade distópica de uma família que, devido à crise política, social e ambiental que afeta o seu país, decidiu deixar a agitação de Beirut e refugiar-se numa casa isolada na natureza. 

Durante oito anos, os cinco membros da família Salameh imergiram neste refúgio, criando um paraíso bucólico que, embora consciente da realidade do mundo exterior, parecia quase intocável. Contudo, a desordem é implacável e a serenidade deste “ecossistema” é ameaçada quando o governo decide construir uma lixeira nas proximidades do seu lar.

A partir daqui, todas as personagens (como indivíduos e como família) encontram-se em constante conflito, pois vêm-se confrontados não apenas com as forças externas que os ameaçam, mas também com as suas próprias inseguranças e apoquentações. Ao longo do filme, a dinâmica familiar é  apresentada como complexa e autêntica, pois retrata de igual forma os momentos de confronto e amor. Porém, apesar de existir uma luta constante por uma família unida, esta pode ser dividida em 3 partes: 

  • A mãe (Soraya) e a filha mais velha (Tala) que procuram a “liberdade” e o mundo exterior (Beirute), ou seja, estão associados a este suposto lar os sentimentos de clausura e encarceramento;
  • O pai (Walid) e a filha mais nova (Rim) que tentam resistir contra a realidade que os “ataca” e  onde predomina um certo patriotismo disfarçado de vergonha, manifestado pela tentativa de preservar algo fora de controlo;
  • A avó paterna (Zeina) que luta pela preservação da família em tempos difíceis e, simultaneamente, aceita a sua mortalidade com bastante harmonia e quietude.  

Relativamente aos personagens, o que mais me cativou foi o ênfase dado à perspetivar de Rim, uma vez que esta é bastante jovem. Isto porque através desta “pequena” protagonista é concebida uma dualidade em que Rim compreende claramente o mundo que a envolve, questionando as relações entre os membros da sua família. A sua maneira de ter algum controlo sobre as circunstâncias é contar (números), ou seja, existe uma tentativa de “curar” o mundo humano (incluindo o seu conceito de casa) através de algo que pode parecer simples, mas que lhe exige imensa concentração. 

Além da profundidade com que estas personagens são retratadas, um dos pontos mais fortes do filme é a sua cinematografia. As paisagens naturais do Líbano criam um forte contraste entre o espaço físico habitado pelos personagens e as inquietações que os rodeiam. A estética do filme não funciona como um aspeto “obrigatório”, mas sim como um reflexo dos conflitos internos e externos que os protagonistas enfrentam que, por sua vez, reflete ainda a situação atual do Líbano.

Fonte: IMDB

Trata-se de um filme que se destaca pela sua sensibilidade ao questionar temas como a busca por identidade, segurança e o verdadeiro significado de lar, tendo sempre presente a luta entre o desejo de fuga e a realidade inevitável do mundo exterior. Com uma narrativa vulnerável e uma estética arrebatadora, “Costa Brava, Líbano” oferece uma reflexão profunda sobre a resiliência humana e a busca por um sentimento de pertença.

Revelaram-se um filme e festival extremamente relevantes, pois, de acordo com Azzah Alassaad, imigrante de origem libanesa (estudante, 15 anos): “(…) embora Portugal tenha muitos vestígios da cultura árabe (mourisca), esta não é discutida ativamente. Sinto que é importante destacar esta herança, ao mesmo tempo que se sensibiliza a população para os diferentes problemas enfrentados pelos países representados. Aprendi imenso e a experiência alargou a minha perspetiva do mundo. Trabalhar com os diretores do LAFF durante toda a semana foi uma oportunidade incrível e senti um enorme privilégio, por poder contribuir para a minha comunidade de uma forma significativa.”. 

Sou da opinião de que todos os 5 de outubro deveriam ser passados assim… ganhamos um filme para acrescentar às nossas preciosas listas do letterboxd e, com maior destaque, uma visão das sociedades, culturas e realidades árabes contemporâneas, longe dos estereótipos da cobertura mediática.

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