Autoria: Pedro Ruas (MEC)
O rapper deu o seu segundo concerto em Portugal, no passado dia 20 de Setembro, no Lisboa ao Vivo (LAV), onde se pôde assistir a uma lição de lírica do MC, que já conta com quase 15 anos de carreira.
Thebe Kgositsile, mais conhecido por Earl Sweatshirt, é um nome que não deve ser estranho a quem navega no espaço do hip-hop. Desde batidas mais agressivas e tradicionais “boom-bap“, a samples luxuosas meticulosamente curadas por produtores, como The Alchemist ou Conductor Williams, ou ainda “pedaços” sonoros abstratos que se ligam uns aos outros, Earl é uma força brutal dentro do género em que navega, capaz de se reinventar a cada novo longa-duração, mas nunca perdendo aquilo que os fãs sempre procuraram: honestidade. E essa honestidade visitou o território nacional uma vez mais, depois de, em 2022, ter passado pelos palcos do Primavera Sound Porto. Perante um LAV esgotado, este concerto integrou a digressão europeia do artista, que não tinha propriamente um tema ou um projeto a ser apresentado. Presumia-se, no entanto, que “Voir Dire”, o seu último álbum, em colaboração com The Alchemist, tivesse uma maior exposição. Foi isso que aconteceu e muito (mas muito) mais.
O rapper encheu o palco do LAV com uma setlist que percorreu todos os seus projetos de estúdio, com destaque não apenas para “Voir Dire”, mas também para o aclamado “Some Rap Songs”. Pelo meio, ainda houve tempo para relembrar os tempos de “Doris”, tocar algumas músicas do seu último álbum a solo “Sick!”, estrear algumas músicas que estão ainda por ser lançadas, e, obviamente, tocar a intemporal “EAST”.
Earl Sweatshirt não será, certamente, o tipo de artista que move multidões com a sua música, ou que cative o público que possa lá estar sem saber bem o que esperar, ao contrário de alguns dos seus contemporâneos com sucesso fora dos Odd Future, como é o caso de Tyler, The Creator ou Frank Ocean. Mas o que Earl dá aos espectadores é uma performance bastante competente e elucidativa das suas capacidades enquanto MC, sendo ele o único corpo a dizer presente em cima do palco. Era uma dinâmica bastante simples: atrás, um dos produtores de eleição de Earl, Black Noi$e, fazia de DJ, dando ordem à extensa setlist; à frente, o protagonista, a recitar todos e quaisquer versos que eram postos à sua disposição, não lhe fugindo uma única palavra, ao longo de pouco mais de uma hora.
A parte positiva de se ser tão direto e cru quanto Earl é nas suas letras, é a afinidade que se ganha perante o público. O rapper é conhecido por abordar frequentemente temas relacionados com saúde mental, ansiedade e depressão, todos estes presentes na sua vida. “Some Rap Songs” é, aliás, centrado exclusivamente na experiência do MC ao lidar com estas temáticas, dando ao ouvinte uma perspetiva bastante vívida e real (e talvez até a roçar o desconfortável) do que se passava na mente de Earl. Apesar destas temáticas “pesadas”, os fãs que se reuniram no LAV não tiveram qualquer problema em acompanhar o rapper, declamando palavra a palavra algumas das faixas mais complexas do MC, enquanto levantavam os seus vinis e CD’s. Esta foi, provavelmente, a maior prova de amor que Earl poderia ter quando subiu ao palco: um mar de gente a estabelecer uma conexão direta não apenas com ele, mas com o seu trabalho, que, para muitos, pode ser visto como terapêutico.
Acima de tudo, Earl Sweatshirt mostrou-se contente com aquilo que fazia no palco. Entre faixas, interagia com o público, sempre num tom mais humorístico. Em certas instâncias, era possível ouvir músicas que nem sequer eram da autoria do artista, onde ele apenas dançava e pedia energia ao público. Momentos como estes deram mais vida a um concerto que, para alguém que não estivesse familiarizado com o catálogo de Earl, poderia tornar-se algo monótono.
Na primeira passagem por Portugal, no Primavera Sound Porto de 2022, não houve tempo suficiente para se experienciar Earl Sweatshirt no seu esplendor, devido a todas as condicionantes a que um artista “de segunda” está sujeito, quando atua neste tipo de eventos. O concerto do passado dia 20, por sua vez, deu a Earl o tempo, espaço e protagonismo que tanto se ansiava que pudesse ser atingido em território nacional. É como o próprio diz em “Azucar”: “I only get better with time“.