Autoria: João Dinis Álvares (MEFT) e Margarida Pereira (LEFT)
Com o regresso dos festivais de cinema após a pandemia, a equipa do Diferencial não ficou indiferente ao entusiasmo de voltar a consumir os novos talentos da 7ª arte, em salas de cinema emblemáticas. Para além do Leffest no Tivoli, do Indielisboa no São Jorge, surge o Festival Triste Para Sempre, na sua mais recente casa, o Fórum Lisboa. Decidimos afogar as mágoas neste último.
Entre os dias 8 e 11 de dezembro, decorreu a 4ª Edição do Festival “Triste Para Sempre”, um festival de cinema independente, cujo cartaz tem como tema “Tudo, exceto finais felizes”. O festival contou com 3 competições, curtas nacionais, internacionais e, pela primeira vez, longas metragens, presididas por um júri veterano nos festivais de cinema português. Para além disso, dá voz à audiência através do prémio Lágrima do Público.
Aliado às chuvas fortes em Lisboa, o ambiente do festival é criado pela oferta de lenços, antecipando as emoções que a seleção de filmes promete incitar, e pelo aviso na porta do auditório que lê ‘Sala do Choro’. A premissa do festival é a de um lugar de partilha de emoções que nos deixam de faces humedecidas, com amigos ou até estranhos, com o mecanismo de voto a incitar este diálogo.
Os filmes são escolhidos pela sua ligação ao tema, mas com a evolução do festival a interpretação deste também cresce. Esta edição contou com várias formas de tristeza, não se deixando prender pelo que associamos à priori com o cinema triste. A primeira sessão ilustra bem a evolução do festival, composta por dois filmes que dão palco a comunidades que regularmente sofrem violência e opressão em Portugal. Terminando a sessão com uma conversa com a ILGA e o SOS Racismo, além da lágrima, ficamos também com sentimentos mais complexos, como culpa e revolta.
Outro tema principal no festival é a melancolia de uma vida passada, seja a do retrato da crescente população idosa isolada em portugal ou uma passagem pela vida dos nossos antepassados, que apenas presenciamos através de gravações antigas. Para além disso, este ano, o festival conta também com uma colaboração com a Cinemateca, inserida no projeto FILMar, que pretende trazer aos ecrãs filmagens analógicas antigas que se encontram nos cofres, guardadas.
O festival galardoou o filme “Ice Merchants” de João Gonzalez, recente integrante da shortlist para os Oscar, com o prémio Lágrima Nacional. “Madrugada”, de Leonor Noivo, e “Azul”, de Ágata de Pinho, receberam menções honrosas nesta categoria. Para Lágrima Internacional, o vencedor foi Michiel Blanchart com o filme “You’re Dead Helen”, juntamente com uma menção honrosa para “World Cup”, de Maryam Khodabakhsh. A Lágrima do Público foi para “O Que Resta” de Daniel Soares. Por último, “Alcindo” de Miguel Dores foi premiado com a Melhor Longa Metragem, com menção honrosa para Marta Sousa Ribeiro, pelo filme “Simon Chama”.
Para perceber melhor a essência do festival, entrevistámos a co-diretora do festival: Carolina Serranito. “Este projeto iniciou-se em 2018, há 4 anos, mesmo antes da pandemia ter começado.”, relembra Carolina. Na 1ª edição, o espaço de mostra de filmes foi um espaço cultural de amigos em Benfica, com material de projeção emprestado. Carolina salientou que ter de preparar uma sala de projeção de filmes, com qualidade, é algo que tomava muito tempo e que os deixava com “o coração nas mãos”, pela possibilidade de um dos elementos necessários para a execução do festival poder falhar a qualquer momento. Por esse motivo, este ano, a expansão do Festival para o Fórum Lisboa representa uma nova etapa, que permite focar noutros aspetos importantes do festival. Este espaço é também fruto da primeira colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa (CML). O festival tem ganho constantemente mais visibilidade e este patrocínio da CML comprova-o.
Carolina e António Simão, também co-diretor do Festival, conheceram-se enquanto faziam voluntariado no FESTIn, Festival de Cinema Itinerante Português, e a partir daí foram se reencontrando nos mais variados festivais, até que um dia surgiu a ideia: e se criassem o seu próprio? “Nunca concordávamos nos filmes de que gostávamos, o que eu gostava ele odiava, o que ele gostava eu odiava.” Carolina, rindo-se, adiciona que esta discórdia ocorreu “sempre num espírito de grande amizade.”
Faltava também um tema para o festival, algo que justificasse o seu lugar, e o tema surgiu no meio de uma tentativa de ter algo engraçado, mas que fosse possível levar a sério caso quisessem expandir. Finalmente, Carolina e António concordaram num tema: um festival só com finais tristes.
Sobre a evolução do festival, a organização deste tem aumentado cada vez mais, uma vez que, à medida que o festival cresce, cresce também o compromisso para com o público. Todo o esforço colocado no marketing, design, divulgação, organização é feito por uma equipa de cinco pessoas, que têm as suas próprias vidas e as suas profissões, sendo o “Triste Para Sempre” feito no tempo livre e da boa vontade desta equipa. Para além da organização, durante o festival, contam também com voluntários, tentando proporcionar um espaço semelhante àquele no qual Carolina e António se conheceram.
Sobre a escolha de filmes, este festival tem uma peculiaridade – “um filme até pode ser triste, quando visto em casa, sozinhos, mas ver o mesmo filme num ecrã gigante com mais público é outra experiência completamente diferente”. E o próprio seguimento dos filmes tem de ser “uniformemente” forte, ou seja, há o problema de ser difícil pôr dois filmes seguidos igualmente tristes e daí surgir um cuidado especial pela escolha do cartaz do festival.
Quanto à colaboração com a Cinemateca, António diz que o contacto foi simples: enviaram um desafio à Cinemateca a perguntar se, dos filmes que tinham recuperado até à data, havia algum que se enquadrasse no tema e assim foi: “A Invenção do Amor”, de António Campos, um filme que nunca chegou a ser estreado, porque foi feito durante a ditadura, em 1965. O tema é um poema do mesmo nome, de Daniel Filipe, sobre duas pessoas que inventaram o amor, numa conversa de café.
À pergunta de, como é que gostariam que o festival fosse lembrado, Carolina respondeu que era bom que o festival tivesse um lugar especial nas pessoas que o visitam como um local para poderem estar tristes, como um sítio que realça emoções, que podem ou não ser más, mas que acima de tudo são emoções partilhadas por muita gente. Caso contrário, se as emoções não fossem algo tão comum, os próprios filmes, a cultura, não existiriam. “Se algum dia o festival se extinguir, seja por que motivo for, gostava que as pessoas se lembrassem dele e pensassem: era tão giro e davam-nos lenços à entrada e chorávamos e depois falávamos. Que era um sítio confortável dirigido à tristeza.”
“Acho que o queremos é que as pessoas venham na procura da tristeza e saiam mais em paz consigo mesmas.”, concluiu Carolina.