Autoria: Manuel Botelho (LEFT), Manuel Chaves (LEGI)
O transporte utilizado pela maior parte dos frequentadores da Área Metropolitana de Lisboa (entre eles jovens estudantes) tem arte salpicada pelas suas estações, seja no formato de magnânimas obras a fragmentos artísticos. Ainda que estas obras se imponham sobre as retinas do cidadão comum, na azáfama do dia-a-dia, poucos são os que param e reparam.
Temos, em Lisboa, um dos transportes públicos mais bem decorados da Europa, (ou quem sabe do mundo). Grandes artistas desenharam, projetaram e pensaram as paredes das estações tanto em estrutura como em decoração. Entre eles nomes que moldaram (e continuam a moldar) a nossa forma de ver o mundo, tal como, naturalmente, a arte que nos rodeia.
A pergunta impõe-se: Afinal que arte é esta que figura tão perto do método de transporte dos estudantes do IST?
Almada Negreiros
O artista de nome José Sobral de Almada Negreiros, nasceu em 1893 em S. Tomé e Príncipe. Passou algum tempo num colégio jesuíta em Campolide, onde contactou pela primeira vez com Lisboa. Em 1911, muito brevemente frequenta o Liceu de Coimbra. Trabalhou em diversos jornais e revistas até 1913, onde conheceu Fernando Pessoa, com quem posteriormente trabalhou num conjunto de diversos modernistas na revista Orfeu, e o resto é história[1].
Este nome incomparável é considerado um dos maiores artistas plásticos portugueses (senão o maior) do século passado. A sua produção artística tende a ser interpretada como sendo do mais elevado nível intelectual e cultural alguma vez visto na época, tocando em vertentes muito além da pintura, como a poesia, prosa e até bailado[1]. No decorrer atribulado do seu viver, terá contactado com os maiores e mais revolucionários nomes da intelectualidade ibérica e europeia, entre eles: Fernando Pessoa, Mário Cesariny, Herberto Helder, Santa Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso. A sua participação ativa em várias vertentes do movimento artístico Modernismo terá moldado a sua postura artística nos anos que se lhe seguiram, e assim, herdamos as suas obras – pelo menos aos olhos de quem quer ver.
O metro do Saldanha (e Almada Negreiros)
O Saldanha (na zona da linha amarela) é uma das 11 estações originais da linha de metro, inaugurada em 1959. Curiosamente a primeira decoração desta estação foi encomendada à artista Maria Keil, tanto em 1959, como na introdução do metro de quatro carruagens de 1979. No entanto, os seus azulejos foram destruídos e perdidos no decorrer das renovações dos anos seguintes. Em 1996 e 1997, mediante novas necessidades logísticas, a estação foi novamente repensada, tendo a sua decoração ficado a cargo dos artistas Jorge Vieira e Luís Filipe de Abreu[2].
Jorge Vieira opta por uma decoração em mármore rosa, apresentando as partes do corpo com as quais o Homem se relaciona com a realidade material – mãos fortes e caras adónicas apresentam-se inscritas nas paredes desta estação. Em contraste, Luís Filipe de Abreu relaxa-se nas metáforas metafísicas e fica pela representação dos quatro elementos fundamentais da natureza (água, fogo, terra e ar) e das estações do ano, associadas aos seus deuses pagãos. O resultado é um azulejo críptico e romântico que ainda recai na técnica tradicional portuguesa.
Em 2009, é requerida uma nova renovação, agora na zona da linha vermelha. Foram transpostas várias obras de Almada Negreiros para o azulejo que vive nas paredes deste mundo subterrâneo, trabalho o qual terá sido realizado por seu filho, o arquiteto José Almada Negreiros. Nas paredes desta estação emana uma certa simplicidade arquitetônica, no entanto as figuras desproporcionais de Almada subjugam aqueles que seguem as suas vidas comuns por baixo. Os seus dedos gigantes e as feições deformadas dão ares de iconografia ortodoxa e uma sapiência tão austera quanto infantil (da parte do artista). Mulheres choram pintadas no azulejo e as palavras reinam em pequenas frases, roubadas do artista por algum do seu mesmo sangue. Uma destas frases, mostrada na parede, diz: “ATÉ HOJE FUI SEMPRE FUTURO” – Só podia ser, portanto, tendo em conta a modernidade deste autor. Será que serve de imortalização deste caro artista ou serve meramente de adorno ao acaso? É como diz o outro “as coisas têm de ser belas” e se algo belo há é o traço de Almada, seja na forma que estiver[2][3][4].
Maria Keil
Maria Keil terá sido uma figura importantíssima no cenário artístico do século passado. Nasceu em Silves em 1914 e na sua adolescência ingressou no curso preparatório de Belas Artes em Lisboa. Através do seu talento e estudos, ter-se-á tornado mestre num bouquet variado de áreas plásticas desde azulejo até ilustração, entre outras. Pertence à geração modernista, tendo o seu trabalho, ainda que único, influências de época. Maria Keil faleceu em 2012[5]. Postumamente apreciamos a sua obra.
O metro do Campo Pequeno (e Maria Keil)
Nos dias que correm, a arte de Maria Keil encontra-se quase invisível ao olho alheio no metro do Campo Pequeno, estando reduzida à escadaria que dá acesso às esculturas de Francisco Simões. É de referir que os seus azulejos estão presentes noutras estações, como as de Alvalade e Roma.
Inaugurada em 1959, a estação do Campo Pequeno (que pertence também ao grupo das estações originais do metro lisboeta), foi projetada pelo arquiteto Falcão e Cunha. Esta emblemática ferramenta da população lisboeta foi originalmente decorada pela artista Maria Keil, decoração que consistia em paredes adornadas de azulejo com contrastes de linhas horizontais azuis e brancas.
As modernizações deste meio de transporte, aliadas às mudanças topográficas da cidade, deram lugar à necessidade de renovação da estação. Em 1979, ocorreram obras nas quais a decoração foi novamente diferida para a artista, agora mais experiente e dona da sua arte. Os azulejos que hoje vemos na escadaria, cobriam, em 1979, quase toda a estação. Hoje apenas restam, na descida até às carruagens, esses fragmentos do trabalho prévio, já que grande parte da obra foi perdida na seguinte estruturação.
Em 1994, ocorre uma nova restauração da estação, que é encomendada ao artista e escultor da escola artística de Mafra, Francisco Simões, que nos deixou com painéis e esculturas que representam mais concretamente a história e cultura da zona do Campo Pequeno. As representações da tauromaquia nos painéis de mármore colorido refletem, naturalmente, a história desta prática na zona, evidenciada por monumentos como a praça de touros.
As esculturas, inclinam-se mais para a representação do povo português das zonas rurais exteriores a Lisboa, uma vez que o Campo Pequeno servia como entrada dos comerciantes na capital, que vinham da periferia para venderem os seus produtos no mercado[6][7].
Estátuas e escultura em mármore por Francisco Simões – Metro do Campo Pequeno – Fotos por Vincenzo Bilotti
Maria Vieira da Silva
Maria Vieira da Silva é reconhecida internacionalmente por críticos como uma das artistas mais importantes do movimento abstrato português, com obras nos maiores museus e exposições (Art Institute of Chicago, The Tate, Metro de Lisboa, entre outros importantes venues artísticos). Saída de Lisboa com apenas 20 anos para estudar escultura em Paris, Vieira da Silva conseguia destacar-se no meio de toda a sua confusão abstrata[9]. É importante mencionar que esta portuguesa teve a sua obra Ballet visível na exposição 31 Women, de Peggy Guggenheim[8].
A Cidade Universitária de Vieira da Silva
Embora o Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, lhe tenha recusado asilo em Portugal durante a Segunda Guerra, a grande artista portuguesa conspurcou a estação localizada perto da obra do mesmo para os bons estudantes portugueses.
A peça central da estação, o painel de azulejos intitulado Le Métro, é uma transposição de uma obra da artista de 1940, de título Abrigo Anti-aéreo. Esta obra foi pintada durante o exílio da sua criadora no Brasil (durante a Guerra) e retrata um conjunto de pessoas à procura de proteção dos bombardeamentos no metro de Paris. No centro do painel, estão presentes a autora e o marido, frente-a-frente, e, no resto da obra, estão também representados diferentes personagens, uma com características renascentistas, outra com características greco-clássicas e ainda uma que se supõe ser Mário de Sá Carneiro[10].
O resto da estação está decorada com elementos extravasados da obra, perto destes é possível observar ainda duas frases caracterizadoras da autora, do seu enorme espírito livre e vontade de fazer bem. Para mais, frases de diferentes poetas e filósofos encontram-se também nas paredes da estação, estas deixamos que sejam leitores a procurá-las e a apreciar todos os seus diferentes significados[2][10].
Pensamentos Finais
O metro de Lisboa está de tal forma repleto de arte que o seu conglomerado é custoso de entender, tanto a nível histórico como a nível de qualidade artística. Neste artigo foram apenas mencionados os artistas cujos trabalhos nas estações se apresentavam com uma proximidade maior relativa ao IST, tal como foi colocado como critério a importância artística das obras (de uma perspetiva puramente pessoal), tendo sido dado mais relevo no caso de obras que demonstram uma interrogação ou comentam algo essencial (tanto na arte em si como na própria história da estação). Outra questão interessante está no facto destas obras permanecerem praticamente desconhecidas, ainda que o mundo no qual vivem seja pulsante e vivo, o que se apresenta como contraditório, mas não difícil de entender.
O mundo anda demasiado depressa para algo que está tão parado. Perto de um meio de transporte tão regular, torna-se impossível, exceto nas horas mortas, encontrar um momento para olhar e admirar toda a arte que este sítio nos proporciona. Num mundo cheio de propósitos e no qual o que interessa é o destino, poucos apreciam a viagem. Assim, apelamos a todos os leitores que, da próxima vez que forem de metro, tirem a cara do paralelepípedo, ponham o entretenimento de lado, porque por uma viagem (e as seguintes para os interessados) este está a cargo dos transportes públicos.
Referências:
[1] Almada Negreiros, o homem que quis comer todas as artes – Público
[2] A arte nas estações – Metropolitano de Lisboa
[3] Os 55 anos do Metro de Lisboa – Rádio e Televisão de Portugal
[4] Metropolitano de Lisboa – Wikipédia
[6] Estação de Metro do Campo Pequeno – Lisboa de Antigamente
[7] Azulejos na Estação de Metro do Campo Pequeno – Informações e Serviços, Câmara Municipal de Lisboa
[8] Maria Helena Vieira da Silva – Gatherer
[9] Maria Helena Vieira da Silva – Art Institute of Chicago
[10] Art Tour – A viagem continua – Metro Lisboa
Todas as fotos pertencem a: Vincenzo António d’Orey Bilotti
Email: Vincenzobilotti1@gmail.com
Redes sociais: @bilotti.jr – instagram
Muito interessante parabéns!