Autoria: Pedro Ruas (LEC)
O Diferencial teve a oportunidade de assistir à estreia de Mick Jenkins em palco português, um artista que fez críticos duvidar do seu estatuto “underground”.
“Drink More Water”. O que se pensa ao ouvir esta frase? Hidratarmo-nos, em primeiro lugar. Mick Jenkins em segundo. O rapper norte-americano de 32 anos estreou-se em território nacional no dia 23 de fevereiro, esgotando não só um Musicbox como também um Clube B.Leza, no dia 24, levando a que o público que não era já convertido a Mick, passasse a sê-lo no fim dos concertos.
Apesar de ter nascido no Alabama, passou grande parte da sua infância e adolescência em Chicago, cidade que, por si só, já nos presenteou com um belo leque de artistas ao longo dos anos: desde os lendários Earth, Wind & Fire, passando por Wilco ou Smashing Pumpkins, e acabando em sucessivos artistas de hip-hop bem sucedidos, como Chance The Rapper, Chief Keef, Common, No I.D., Juice Wrld, Saba e, talvez o mais prolífico de todos (nem sempre pelo conteúdo musical, mas isso daria um outro artigo gigante), Kanye West.
Mick Jenkins é, então, apenas mais um exemplo do que a cidade de Chicago nos pode oferecer. Começou a lançar mixtapes em 2012, solidificando o estatuto de MC a nível local, na sua Chi-Town. O grande momento de viragem veio em 2014, ano em que lançou a mixtape “The Waters”; este projeto, na altura, teve o aval de fãs e de críticos, e deu a conhecer internacionalmente o nome do artista. Mick destacava-se não só pelo seu imenso talento na escrita e pela sua capacidade de orquestrar obras coesas e focadas, como também por ser um artista bastante versátil, capaz de acompanhar as tendências do género em que se insere, nunca pondo de parte a sua essência: as suas influências de gospel, neo-soul e jazz estão (e continuam a estar) pinceladas por toda a sua discografia. Esta mixtape marca o início da carreira que Jenkins viria a ter, que faz este ano uma década: desde então, são 4 álbuns e 4 EPs que constituem o trajeto do rapper até aos dias de hoje.
Mais uma vez, a Versus quis dar um miminho aos fãs de hip-hop em Portugal. Depois de, em 2023, terem conseguido trazer Isaiah Rashad, Conway the Machine, Freddie Gibbs, Larry June, Smino, Souls of Mischief, entre muitos outros, foi a vez de Mick Jenkins subir aos palcos nacionais para nos dar a conhecer um pouco do seu “jazz“.
Este foi o primeiro concerto da sua tour europeia “Thank You For Waiting”, que vê o rapper apresentar o seu mais recente disco “The Patience”, que, para muitos, reflete a maturidade do artista em comparação a trabalhos anteriores, com features de “peso” na indústria à mistura (“Smoke Break-Dance”, com a participação de J.I.D., ou “Sitting Ducks”, com Benny the Butcher são alguns dos exemplos). São explorados temas como a ganância, a autocrítica e o saber lidar com as consequências de ser uma figura pública, realçando o julgamento de carácter que vem associado a esta condição.
Batendo as 21h, começava-se a ouvir um DJ set para aquecer um público leal que quis dar as boas vindas ao artista, mesmo com a intensa chuva que se fazia sentir fora do recinto. Um set com diversas faixas de hip-hop, que serviram quase como um “wrapped” da Versus, já que muitas delas são da autoria de artistas da label que pisaram palco português; houve também espaço para sucessivas músicas de Danny Brown, numa espécie de “teaser“, sendo este a mais recente confirmação da promotora, atuando em Portugal em junho deste ano.
Quem abriu as hostes do concerto foi TOBi, um artista em ascensão que entrou no hip-hop em 2023. Fará a abertura de toda a tour europeia de Jenkins, e deu bastante ânimo ao público que, apesar de estar à espera da principal figura, foi saltando e dançando ao som das suas músicas. Uma mistura entre Anderson .Paak, Baby Keem e Joey Badass (uma mistura ortodoxa ao primeiro olhar, mas que funciona extremamente bem), TOBi puxou bem pela sala, e inseriu-se com os espectadores de uma forma bastante orgânica. A variedade saudável de temas, que iam dos “traps” mais agressivos, às baladas “R&B” mais doces, causou uma excelente impressão num público que pouco ou nada estava familiarizado com a sua discografia, mas que certamente ficou curioso após a performance.
Chegando às 22h, entra em cena a principal atração. Jenkins entra em palco, e sem perder tempo, imediatamente começa a tocar o instrumental de “Michelin Star”. Com a sala em euforia, muitos iam recitando os versos juntamente com Mick, palavra a palavra, num tema agressivo que vê Mick a explicar o porquê de ser dos melhores MCs da indústria, “servindo música de alta qualidade” (tendo a distinção da, portanto, estrela Michelin). Um verdadeiro “One-Man Show” foi o que se assistiu, com apenas um membro da sua comitiva atrás, selecionando as músicas que iam sendo interpretadas pelo rapper.
A setlist foi variando entre temas do álbum, faixas de mixtapes mais antigas, e fan-favorites, sempre com pausas entre músicas para o artista se ir conectando com os seus fãs, e expondo as suas perspetivas no processo criativo de algumas das músicas. Destaca-se um momento, antes de atuar o tema “Guapanese”, onde Jenkins fala da importância de nos conectarmos com a arte que estamos a criar e a expôr, não cedendo a interesses monetários, nem às exigências das discográficas (“They only let they money talk!!”, grita o MC repetidamente nesta faixa). Na sala, ouviram-se aplausos e gritos de encorajamento ao artista, que brevemente depois retomou com o concerto.
Momentos como este foram recorrentes ao longo do set do MC, nunca soando forçado ou presunçoso, mas vindos de um lugar de gratidão por todo o sucesso que tem tido, onde aproveitou para agradecer “a benção que tem por poder partilhar estes pensamentos com os seus admiradores”. Instantes estes que demonstraram, e bem, a proximidade que Jenkins tem com o seu público.
Já mais para o fim do espetáculo, Mick Jenkins conquistou uma vez mais a sala (como se ainda tivesse algo a provar), ao deixar os fãs escolherem os temas que desejavam ouvir naquele concerto. Muito timidamente ia repetindo “vocês merecem, é a minha primeira vez cá!”. Graças a este bonito gesto, o público pôde ouvir singles que, em condições normais, não fariam parte da setlist, como “Comfortable”, “The Waters” ou “Ps and Qs”. Tudo melodias dos seus primeiros projetos, que foram resistindo ao longo da sua extensa carreira, para além do banger certificado “Jazz”, que é até hoje o single mais bem-sucedido de Mick Jenkins. Deu-se assim por terminado o primeiro espetáculo da tour, onde ainda houve espaço para, já fora do recinto, cumprimentar alguns dos fãs mais fiéis, tirar fotos, ou assinar alguns LPs que estiveram presentes na Pink Street.
Mick Jenkins não é, de todo, um artista que se destaca à primeira vista. Mesmo para os ouvintes mais ávidos de hip-hop, pode ser apenas aquele rapper que tem 2 ou 3 músicas na nossa playlist, mas nunca irá além disso. O que ficou claro no Musicbox (e provavelmente no B.Leza) foi o carisma, a humildade, a boa-disposição e a energia contagiante de um artista que sabe perfeitamente em que espaço navega na indústria; e, ainda mais claro, que a sua caneta está tão afinada como sempre nos habituou.
Esperemos que esta (breve) passagem não seja a primeira e última por Portugal. Após este espetáculo, os fãs certamente continuarão leais ao MC no seu próximo longa-duração, independentemente de quando e onde quer que saia. Até lá, continuaremos hidratados, e com um Mick Jenkins a passar nos fones sempre que houver oportunidade.
Referências:
[1] – Rimas e Batidas
[2] – RTP/Antena 3
[3] – Versus