Autoria: Diogo Pires (LEIC-A)
No meio do Oceano Atlântico Norte, há um país que navega os confins das suas águas gélidas, dissociado de qualquer pedaço de terra. Com cerca de 370.000 habitantes, a Islândia é um paraíso que contém das paisagens mais deslumbrantes na terra. Mas é além dos inúmeros vulcões e fiordes que a Islândia esconde um dos seus tesouros mais bem preservados: a Língua.
O Islândes é um idioma de origem Germânica, fazendo parte do braço Nórdico Ocidental, e é a língua mais próxima do Nórdico Antigo, visto que houve várias medidas para a sua proteção. Até aos dias de hoje, há um especial cuidado na importação de palavras estrangeiras, mostrando o carinho que o povo islandês tem com a sua língua. Para o resto do mundo, o Islândes soa a uma língua tirada de um conto de fadas. É de tal forma delicada e complexa que não é entendida nem pelas montanhas norueguesas ou pelas planícies suecas. No entanto, mesmo sendo um idioma pouco falado, isso não o impediu de triunfar através da música de vários artistas nativos, especialmente os Sigur Rós.
Sigur Rós é uma banda de Post-Rock formada em 1994 e constituída por 4 membros. A banda faz uso de instrumentos comuns do rock de formas menos comuns, como a guitarra elétrica com arco muito característica nos concertos ao vivo. Tudo isto é acompanhado pelo delicado falsete único do vocalista Jónsi em busca de um som mais etéreo e vívido que não falha em despertar uma amálgama de sensações nos ouvintes. A música dos Sigur Rós é em si uma viagem à própria terra do Gelo e do Fogo. Os seus sons transmitem uma estranha calma, mesmo quando em momentos intensos e dissonantes. São a personificação do lema “Slow but Loud”.
Dada a barreira linguística que se impõe com o Islandês, quase todos os ouvintes de Sigur Rós não entendem o significado das letras escritas, no entanto, não é na letra que o quarteto se destaca, mas sim em fazer a música triunfar onde a barreira linguística se ergue. A banda reconheceu que a maioria dos fãs não iria entender a mensagem transmitida através da letra islandesa nas suas músicas. Foi assim que desistiram do Islandês e abraçaram uma nova forma de comunicar no seu 3º álbum de estúdio, de nome “()”.
Também conhecido como Parentheses Album ou Untitled Album, é uma obra diferente do resto do catálogo da banda. Nenhuma das músicas tem um nome, sendo apenas identificáveis por “Untitled #1”, “Untitled #2” e assim sucessivamente. É um álbum mais misterioso que o seu antecedente, usando o silêncio como arma para momentos de vazio sufocantes, criando um ambiente mais sombrio. Porém, aquilo que faz deste álbum uma experiência realmente única é o facto de não ser cantado em Islandês, mas sim em Vonlenska (Hopelandic, em inglês), uma língua completamente inventada por Jónsi, o vocalista da banda. O idioma não provém de qualquer gramática ou sentido, tratando-se apenas de uma linguagem concebida para harmonizar com a música da banda. O que é ainda mais curioso é que, se ninguém me tivesse dito, continuaria a achar que se tratava de Islandês.
Vonlenska soa a Islandês para qualquer pessoa que não esteja familiarizada com a língua, ou seja, para nós a experiência é sonoramente semelhante àquela que já vinha a ser produzida anteriormente, mas para os 370.000 Islandeses soa a algo completamente diferente. Os sons são parecidos, mas nada do que é dito faz qualquer sentido. Posto isto, os Sigur Rós orquestraram uma experiência universal em que todos ouvem as palavras do doce falsete de Jónsi, mas ninguém as pode decifrar, tornando-se inútil nadar contra a corrente gélida do sentido e os ventos fortes da tradução de Vonlenska. Há uma certa beleza neste pensamento, a impossibilidade de compreender as letras faz-nos desistir imediatamente da busca por esse significado, obrigando-nos a meditar sobre o próprio som em vez do seu sentido.
Desde o lançamento do Parentheses Album, muitos fãs deixaram de pesquisar o significado das letras cantadas em Islandês para preservar o mesmo sentimento que trouxe Vonlenska. Há uma sensação indescritível que toma palco ao ouvir algo tão mágico como as músicas dos Sigur Rós exclusivamente pelo seu som, e foi essa experiência que o 3º álbum trouxe universalmente. Deixa de ser uma viagem à Islândia para passar a ser uma jornada sonora sobre a harmonia e não uma busca de um nexo inexistente. Vonlenska não é uma língua, é um instrumento. É a prova de que não temos de entender algo para o sentir e experienciar. A música desiste da própria letra para os ouvintes imaginarem o cenário nas suas mentes e completarem a obra com as suas próprias histórias e pensamentos.
Vonlenska é uma língua sem sentido, mas, ao mesmo tempo, é a língua que expressa aquilo que as palavras não conseguem. É um instrumento que nos transporta pelo gelo fiordes e pelo calor dos vulcões. Pelas furiosas cascatas, pelos gêiseres escaldantes, pelos calmos lagos e pelas majestosas auroras boreais de um país tirado de um conto de fadas. É a língua que se alimenta da falta de senso e estrutura, navegando nos confins da nossa mente, tal como a Islândia navega o mar do Atlântico Norte.