Ensinaram-me a nunca começar uma frase com “O mundo é” uma vez que é provável que o que vem a seguir seja uma partilha paternalista de experiência de vida limitada ou uma generalização incrivelmente subjetiva.
Texto: Alina Chervinska
O mundo é um lugar extremamente complexo e a natureza humana torna-o ainda mais. É por isso que cada tentativa de uma análise racional sob a forma de recolha de dados, estudos, projeções, etc., é do melhor que se pode fazer para o compreender um pouco mais. O mundo é ainda mais complicado quando não conhecemos o lugar onde chegámos. Refiro-me à odisseia de qualquer imigrante de primeira geração. Ao contrário das ruas onde crescemos, os bairros até agora desconhecidos não nos dizem nada e os vizinhos não cumprimentam com aquele Olá sonoro com que seríamos cumprimentados se conhecessem o nosso avô, que é carpinteiro local há 40 anos. A falta de raízes pode ser desconcertante.
Fazendo um zoom-out, a nível europeu, a imigração é um assunto que tem vindo a ganhar peso, especialmente ao longo das últimas décadas. Já antes disso, desde 1880 que a saída de pessoas de países europeus rumo à América do Norte ou à Austrália, por exemplo, e a entrada de pessoas nos países europeus, traziam significativas oscilações às balanças social e económica.
Deve ter-se em conta, contudo, que as cinquenta sombras de cinzento existem não só na prateleira na forma de um livro de romance, mas também em assuntos como o impacto da migração nos países. Migra-se por lazer, para fins laborais ou por causa de condições de precariedade extrema ou de guerra civil do país de origem.
Atualmente, na UE, existem regulamentos e diretivas sobre a migração legal dentro do seu território e também para países terceiros. Paralelamente, têm sido implementadas legislações pontuais sobre a migração ilegal, o tráfico humano e a exploração laboral. Mas é desde a início da crise migratória de 2015, com entradas massivas de refugiados nos países fronteiriços da UE como a Grécia, Itália e Espanha, que a legislação em vigor foi posta à prova. Com isso, a Comissão Europeia tem estado a trabalhar num documento que estipula as linhas gerais para uma distribuição mais justa de refugiados e das quotas dirigidas a esta causa. Mas a proposta mais recente não foi aprovada por todos os estados-membro, não entrando em vigor.
A dificuldade em conjurar um documento que conte com os interesses de todos os estados-membro, ao mesmo tempo que faça justiça aos refugiados, torna óbvia a incapacidade da UE em responder de maneira palpável e articulada a este problema, sendo quase um convite para o aumento de adeptos dos partidos de extrema direita com discursos anti-imigrante, sendo esta uma realidade que se tem observado. Ou seja, uma crise como a que teve início em 2015, em vez de suscitar o espírito de cooperação, provocou a fragmentação informal da UE e uma polarização ideológica relativamente aos imigrantes dentro dos estados-membro.
Fazendo agora um zoom-in, observemos o impacto da imigração em Portugal. Na verdade, até à década de 1990, Portugal era um país maioritariamente de emigração. No entanto, a partir dessa altura, o saldo migratório passou a ser positivo, ano após ano. Agora, contando com cerca de 170 nacionalidades no território luso, as comunidades estrangeiras mais representativas são integradas por pessoas naturais dos PALOP, do Brasil, do Leste Europeu (como Ucrânia, Moldávia, Roménia e Rússia) e de alguns países da UE (como Reino Unido, Espanha, Alemanha e França).
É aqui que se revela a importância do levantamento de dados, dispersos junto de diferentes entidades nacionais, e do seu processamento que mais tarde permite examinar com mais clareza um fenómeno tão controverso como a presença de imigrantes na sociedade. Trabalho tão ingrato que muitas vezes damos graças por alguém já o ter feito por nós.
Um estudo com algum pó, mas incrivelmente útil pelo seu pormenor – “O Impacto da Imigração nas Sociedades da Europa: o caso Português” (2004) – revela que as populações estrangeiras em Portugal são maioritariamente masculinas e com concentração nas idades ativas, especialmente entre os 15 e os 34 anos. Estes dois traços expressam o facto de a imigração ser ainda predominantemente de tipo laboral. Em termos demográficos, isto diminui o envelhecimento da população portuguesa, com todas as vantagens que isso traz. Em termos económicos, e tomando em conta que em 2001 os imigrantes repartem-se em três grandes grupos de profissões (no geral pouco qualificadas e, por isso, com baixas remunerações) – trabalhadores não qualificados (37%), operários, artífices e similares (31%) e pessoal dos serviços e vendedores (12%) -, os imigrantes são contribuintes líquidos significativos, ou seja, contribuem para o Estado mais do que aquilo que o Estado gasta com eles1. Assim, há que ter em conta que, na sua generalidade, os imigrantes são participantes ativos na produção de bens e serviços que ficam em Portugal, tal como no seu consumo. Eis o que diz o Professor César das Neves no contexto de um outro trabalho[1] sobre a contribuição económica dos estrangeiros:
“O estudo diz que os imigrantes são contribuintes líquidos – fortes contribuintes líquidos – para o Orçamento. Não espanta nada por uma razão muito simples – é que o Orçamento português é uma máquina de retribuição. Uma das maneiras de ver o Orçamento português, é uma máquina de distribuição que tira aos trabalhadores, para dar aos políticos, funcionários públicos, médicos, professores, etc. Ora como os imigrantes são todos trabalhadores e não são nem funcionários públicos, nem médicos, nem professores, etc., é normal que eles estejam a pagar e não a receber.”
Claro que existem imigrantes qualificados, aptos a exercer a profissão de médico ou a ocupar um cargo administrativo, mas estes são, de facto, uma minoria, sendo o seu número diminuído ainda mais pelas dificuldades de obtenção de equivalência para o grau académico granjeado no país de origem. Para além disso, não está totalmente certo dizer que os imigrantes não recebem nada, pois podem ser beneficiários, em pé de igualdade com os portugueses, de serviços como a Segurança Social, o Abono de Família e a Ação Social, por exemplo. Mas os dados são cabais e deitam por terra algumas opiniões não fundamentadas de que os imigrantes são um fardo para o estado português.
Como seria de calcular, a distribuição das comunidades estrangeiras é heterogénea: as áreas preferidas são a Grande Lisboa, a Península de Setúbal e o Algarve, pois nestas áreas urbanas as oportunidades de emprego são mais variadas e em maior número. Mas a necessidade tende a escolher pelas pessoas e “os imigrantes têm vindo a ocupar profissões onde existe um deficit de oferta por parte dos trabalhadores nacionais. Tal estratégia explica, também, o facto de ser na região do Alentejo que é mais elevada a percentagem de imigrantes a exercer profissões no âmbito da atividade agrícola (Ferreira, 2004), onde quase não existe mão-de-obra nacional”[2].
Confrontando a bibliografia mencionada com relatórios[3] do SEF dos anos mais recentes, retifico apenas que, desde os anos 90, o crescimento contínuo da imigração foi interrompido pela época entre os anos 2009 e 2015, em parte devido à crise económica e ao aumento do desemprego no país. Desde 2016, que a entrada de estrangeiros tem vindo a aumentar e, curiosamente, nos últimos anos a quantidade de imigrantes oriundos do Oeste europeu, com vista numa doce reforma neste país ensolarado, tem aumentado, o que pode ter a ver com um regime fiscal mais favorável para residentes não habituais, segundo o SEF. Mas gostaria de manter o foco na população imigrante mais jovem e ainda trabalhadora.
É justo, agora, apontar que mais valias tem este país a dar aos imigrantes que, segundo as evidências, tanto bem lhe fazem. Se deixo de fora o tempo, as ilhas, os doces de Natal e Saramago, não é por não serem fatores importantes, mas porque o espaço é pouco.
Desde que em 1996 foi criado o Alto Comissariado da Migração e das Minorias Étnicas (ACIME), estas passaram a ter uma voz mais forte do lado do Estado que representa os seus interesses. Entidades como o Centro Nacional de Apoio ao Imigrante fornecem informação e orientação vitais e estruturas como o Gabinete de Apoio ao Reconhecimento de Habilitações e Competências visam ajudar aos imigrantes a não perder, por meras formalidades, as qualificações que trazem consigo. Para além disso, é garantido acesso a cuidados médicos através do SNS, sem discriminação face à nacionalidade e as condições de acesso à Segurança Social são muito semelhantes às dos portugueses, desde que se esteja legalizado e se seja um contribuinte para o sistema. Existem ainda programas de justiça social como o Programa Especial de Realojamento que é dirigido a indivíduos e famílias – quer nacionais, quer estrangeiros – residentes em habitações com condições muito precárias.
Embora este dar e receber seja um flagrante contrato social com o qual as aulas de filosofia do 11º ano nos ensinaram a ficar um pouco revoltados, a verdade é que estruturas como as acima mencionadas dão alguma segurança e que cada qual não está totalmente por conta própria quando chega a um novo país em busca de estabelecer uma vida melhor. Por isso, isto é sem dúvida algo que Portugal faz bem (ou pelo menos está num bom caminho) e que lhe concede o título de “segundo melhor país a acolher e integrar imigrantes” (MIPEX, 2015).
Claro que a integração dos imigrantes não se traduz apenas nas entidades criadas para este fim pelo governo: a lei formal nem sempre é cumprida no dia-a-dia e laivos de hostilidade por vezes aparecem, quer do lado dos locais, quer do lado dos imigrantes, da mesma forma que atos vindos da compreensão e do reconhecimento da igualdade da condição humana no próximo despontam às vezes como uma flor espontânea. Como muitas outras discussões, esta também pode acabar com um complacente “tudo depende das pessoas”: do contratador, que deve decidir se remunera justamente ou não a empregada doméstica, da professora, que tenta ajustar o conteúdo da aula porque tem 8 alunos estrangeiros na turma, entre outros.
A maior ameaça que esta perspetiva otimista encara atualmente, relativamente à integração de imigrantes em Portugal, é a popularização, nos países europeus, dos partidos com discursos marcadamente anti-imigração e que na verdade muitas vezes baseiam-se em premissas falaciosas e acusações sem fundamento. Talvez a UE ainda tenha algo a aprender com o pequeno retângulo no extremo Oeste do continente.
[1] Corrêa D’Almeida, André; Silva, Pedro Duarte. “Impacto da Imigração em Portugal nas Contas do Estado” (2003)
[2] Corrêa D’Almeida, André; Norte, Cláudia; Mortágua, Maria João; Valente Rosa, Maria João; Silva, Pedro Duarte; Santos, Vanda. “O Impacto da Imigração nas Sociedades da Europa” (2004)
[3] Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (2017)