Autoria: João Carranca (LEEC), Matilde Sardinha (LEEC), João Dinis Álvares (MEFT).
Rogério Colaço candidata-se a um segundo mandato enquanto presidente do Instituto Superior Técnico, depois de 4 anos preenchidos, atravessando uma pandemia e duas dissoluções de parlamento, uma delas sem Orçamento de Estado aprovado. O Diferencial sentou-se com o atual presidente para discutir o melhor e pior destes 4 anos à frente dos destinos do IST.
Para o atual presidente, houve 3 grandes desafios neste mandato que termina: financiar o Técnico Innovation Center, executar a reestruturação curricular, também conhecida por MEPP (Modelo de Ensino e Práticas Pedagógicas) e a gestão da pandemia em contexto académico. Para além disso, existiu também uma preocupação com aspectos estratégicos, planificação a longo prazo no que toca às necessidades da instituição e renovação de infraestrutura.
Reestruturação curricular (MEPP)
Em termos de dimensão e esforço institucional, a reestruturação curricular terá sido o projeto mais significativo dos 4 anos: “Foi muito complexo, teve um grau de risco muito grande. Tivemos de transitar 11 mil estudantes de um conjunto de planos curriculares para outro completamente diferente, com regras de implementação completamente diferentes.”
A reestruturação curricular exacerbou a necessidade de haver um acompanhamento mais próximo dos estudantes a nível de docência: “Não podendo ser feita uma multiplicação dos docentes de carreira, a maneira mais eficaz e eficiente e com melhores resultados é a implementação de um plano de contratação anual de pessoas de Apoio ao Ensino, que são maioritariamente estudantes em fases mais avançadas da sua formação.”
Neste momento, de acordo com Rogério Colaço, todos os anos são contratadas 400 pessoas como não permanentes para apoio ao ensino, algo que, na sua opinião, terá tido impacto positivo no aproveitamento dos estudantes. O orçamento para a contratação de Teaching Assistants situa-se neste momento por volta dos 1.2 milhões de euros. O plano é, no próximo ano letivo, aumentar esse valor para cerca de 2 milhões de euros. “Acho que não podemos ir muito além disto, estamos a chegar a uma assíntota. Temos cerca de 600 professores de carreira e 400 TA´s. Daqui a dois anos faremos uma reavaliação.”
Sustentabilidade do ecossistema docente e infraestrutura
Em complemento a este reforço do apoio ao ensino, foram criadas metas específicas anuais no que toca à contratação de pessoal docente, isto porque “nós temos um corpo docente que está muito envelhecido, que subitamente se jubila todo ou se aposenta todo e é substituído todo de uma vez por um corpo docente muito jovem”. A ideia é, portanto, contratar cerca de 25 docentes por ano, o que permite “ter uma distribuição etária a longo prazo mais ou menos homogénea, porque se nós imaginarmos que o Técnico precisa de 600 professores e que a vida ativa dos professores são cerca de 20, 30 anos, entre a obtenção do grau de doutorado até ao final da carreira, quer dizer que nós para termos uma distribuição uniforme etária, num modelo perfeito, temos que fazer cerca de 20 contratações por ano. Então estamos a fazer um bocadinho mais que isso.”
O plano de investimento para a renovação de infraestrutura foi também uma prioridade do mandato, tendo começado a ser executado há cerca de um ano. A lista de obras a ser executadas ou planeadas para o futuro próximo, pode ser consultada aqui.
Gestão da pandemia e impacto na comunidade
Rogério Colaço reconhece o impacto que a pandemia teve no percurso e aproveitamento académico dos alunos do IST: “Eu acho que os alunos foram muito prejudicados, não só os do IST, mas os do IST em particular, porque se trata de uma escola que funciona muito assente em formação hands-on. Há uma geração que está agora no 4º ou 5º ano que talvez tenha sido a mais prejudicada.”. Com algum otimismo, considera no entanto que este atraso é recuperável e não algo inultrapassável para os mais afetados. “Eu não sou daquelas pessoas que acreditam que uma pessoa ou aprende a tocar guitarra quando tem 20 anos ou nunca mais aprende a tocar guitarra. (…) Acho que para a vossa geração e para os estudantes que tiveram estas dificuldades durante aqueles anos COVID mais intensos, 2021, nomeadamente, nas formações básicas, agora têm que fazer um esforço para recuperar um bocadinho alguma da formação, sobretudo a componente experimental.”
Situação alimentar no IST
Um dos maiores momentos de tensão do mandato que agora termina ocorreu no contexto da situação alimentar no IST, depois da pandemia, em particular após o encerramento da cantina social para obras e, mais tarde, do bar de civil.
Sobre a decisão de fazer obras na cantina social naquela altura específica, o presidente diz que era fundamental: “Quer as instalações alimentares do Técnico quer as da associação de estudantes, que tiveram paradas dois anos, quando reabriram estavam em condições de funcionamento muito difíceis, o que nos obrigou a apressar a tomada de decisão de fazer intervenções. Pior do que não ter oferta alimentar é termos oferta alimentar sem condições”.
A concessão do espaço do bar de civil e da antiga cantina de civil ao Pingo Doce, com obras em simultâneo, também derivou da questão de infraestrutura e da crise económica no setor: “A seguir à pandemia, as empresas alimentares estavam destroçadas financeiramente, porque tinham passado 2 anos sem operar, sem faturar, tinham perdido empregados. A dificuldade que tivemos aqui no Técnico, e que se levantou também noutras instituições, foi não ter interessados na concessão. Simultaneamente eram precisas obras.” “Discutimos em várias reuniões as várias hipóteses.
O que tornou a decisão tão dura foi precisamente a questão de onde é que as pessoas iam comer, se tudo fosse para obras. Nós convergimos, e no final eu tomei a decisão, assumo essa responsabilidade. Decidi que tínhamos de fazer obras já em todos estes espaços. A solução que encontrámos, para substituir o social, foi o espaço no pavilhão de matemática. Por outro lado, tivemos um processo relativamente longo de encontrar quem pegasse nos espaços do Pavilhão de Civil. A intervenção necessária no espaço era tão grande que no final apenas uma empresa se chegou à frente: O Pingo Doce.”
Na altura, a grande polémica deveu-se ao baixo valor de renda mensal que o Pingo Doce iria pagar para usar o espaço, assim como a extensão do contrato: 10 anos. O presidente relata um pouco como foram as negociações com a empresa: “O que eles nos disseram basicamente foi que estavam dispostos a fazer as intervenções necessárias, mas que, como essas intervenções iam custar bastante dinheiro, não estavam dispostos a pagar uma renda elevada.”
A obra acabou por se atrasar e foi necessário responder à grande pressão alimentar que havia. “Arranjámos duas soluções: A tenda e as roulottes.” Sobre esta última, muito falada quando foi implementada, Rogério Colaço diz não ter uma convicção muito forte: “Não consigo dizer se correu bem ou mal.”
Projeção Nacional e Internacional
Durante muitos anos, o Técnico foi a escola de engenharia de referência em Portugal. Nos dias de hoje, já não é tão simples fazer esta afirmação, por terem surgido outras universidades com ofertas a nível da engenharia que foram alcançando posições cada vez mais elevadas nos rankings internacionais. “Há várias instituições que também são referências[…]. O que aconteceu, acho que é o percurso normal de desenvolvimento de um país que estava muito atrasado em aspetos científicos e tecnológicos, há 30 anos atrás”. Rogério Colaço considera que a concorrência que tem vindo a surgir é uma vantagem para o país, mas também para o Técnico, cujo trabalho é complementado por aquele que as outras faculdades de engenharia desenvolvem.
Na perspectiva internacional, o presidente do Técnico acredita que a formação dada aos alunos pela faculdade é bastante boa e que estes não têm dificuldades quando vão completar os seus estudos noutras faculdades da Europa. Isto acontece, não só devido a métodos de ensino ou a professores, mas também porque “os estudantes do Técnico são excelentes […]. O Técnico recruta sempre os melhores estudantes do secundário, que têm um espírito muito trabalhador, muito competitivo e que gostam de ter boas notas”. Os estudantes são excelentes, mas não só, o Técnico tem também investigadores de excelência que são “referências mundiais que trabalham há 20, 30 anos […]. É um privilégio para os estudantes ouvir um bocadinho do que estas pessoas sabem”. Mas porque é que apesar de tudo isto, não ocupamos os primeiros lugares dos rankings? O posicionamento das escolas está principalmente associado à “capacidade de captação de receitas competitivas em investigação e na capacidade de gerar conhecimento. Conhecimento com impacto e prémios”. A organização curricular ou o desempenho dos docentes constitui uma fração muito pequena da avaliação das universidades. RG considera que, se o único critério avaliado fosse a qualidade do ensino, o Técnico colocaria-se nno primeiro quartil das grandes escolas. “Porque os estudantes do Técnico são excecionais e estão preparados para tudo, quer trabalho em ambiente empresarial, consultoria ou investigação”.
Atualmente o Técnico não compete diretamente com as melhores escolas de engenharia da Europa. Este panorama poderia mudar, mas seria necessário “financiamento noutra dimensão”. Portugal tem valores de investimento por investigador, dos mais baixos da Europa. “O esforço já não é endógeno, tem que vir de fora […] e isso é uma decisão política do país”.
RJIES e posicionamento sobre o Regime Fundacional
Sendo clara a falta de financiamento do Ensino Superior, coloca-se a questão: qual o regime que o professor Rogério Colaço defende que seria melhor para a sustentabilidade financeira do Técnico. Será que o Regime Fundacional ainda está em cima da mesa?
Para responder a esta questão, o presidente começa por descrever o quadro legal em vigor para o Ensino Superior. Este está assente em três leis que o estruturam: a lei que enquadra o financiamento, “lei nº37 de 2003 que tem 20 anos”, o ECD e o ECIC (estatutos da carreira docente e carreira de investigação científica), também com cerca de 12 e 24 anos respetivamente e o RJIES, Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior. “Os três pilares legais que enquadram o funcionamento das Instituições de Ensino Superior, que neste momento não são adequados, deviam ser revistos”. Enquanto não forem divulgadas por parte do Governo alterações legais, não é possível avaliar se uma alteração do regime jurídico do Técnico teria um impacto positivo ou não. “Enquanto presidente do Técnico, não farei nenhuma proposta de alteração ao quadro funcional do Técnico. Se o que vem da revisão do RJIES, do ECD, do ECIC e, eventualmente, da Lei de Bases de Financiamento do Ensino Superior, melhorar o quadro em que estamos […] é aproveitar as vantagens. Se piorar, teremos de pensar”. E se o panorama não melhorar? “Sou um grande defensor do aumento da autonomia da universidade.” De acordo com Rogério Colaço, dentro das instituições públicas, as universidades têm feito uma gestão exemplar, com orçamentos pequenos: “não há buracos financeiros, não há falências ou salários em atraso. Sem ser a universidade, é difícil encontrarmos exemplos de instituições (públicas) que são geridas com rigor e com orçamentos pequenos que não causam problemas ao país”. Rogério Colaço crê que um maior grau de autonomia na gestão universitária é determinante para o crescimento e sucesso internacional de uma universidade. Para o presidente do Técnico, o Regime Fundacional não é uma solução que faça sentido ser discutida neste momento, tanto por ser um assunto muito polarizador da comunidade, como pelo facto de ainda não haver enquadramento jurídico para avaliar a opção.
Principais erros do mandato
Quando questionado sobre quais os erros cometidos durante este mandato, o professor Rogério Colaço realça um que considera ter assumido “uma dimensão muito grande”. Trata-se do comunicado COVID19 nº 26, sobre a fraude académica. Este e-mail é enviado à comunidade do Técnico durante a segunda vaga da pandemia, muito intensa, onde passámos “quatro semanas com 300 mortos por dia”.
Este comunicado foi feito com o intuito de prevenir que mais casos de fraude académica surgissem, mas teve um efeito sobre a comunidade bastante diferente. Houve um “erro comunicacional”, pois o e-mail foi interpretado como uma “generalização da culpa a todos os estudantes do Técnico”. A mensagem que se queria passar era que quem estivesse a “usar formas menos transparentes de fazer as suas avaliações, tirando partido do confinamento súbito que nós tínhamos de fazer, […] estava a prejudicar o Técnico, a sua formação e os seus colegas.” A pior consequência deste comunicado, na ótica do professor, foi a polarização da escola, “num momento em que estávamos todos confinados, não podíamos esclarecer, não podíamos ter sessões de debate”. Esta polarização tem uma consequência imediata, mas também a longo prazo, porque passados alguns meses, entra em vigor a reestruturação do modelo de ensino “com uma comunidade muito polarizada”.
Quando questionado sobre como quer que esta presidência seja lembrada, Rogério Colaço tem a seguinte visão: “Gostaria que fosse lembrada como uma presidência que tornou, naquilo que conseguiu, o Técnico um bocadinho melhor, em termos de condições oferecidas aos seus alunos, professores e às suas condições de trabalho, de estudo, de aprendizagem, de ensino e de investigação.”