Women in Engineering: a luta pela mudança de perspetivas

Autoria: João Carriço (LEQ) e Margarida Jardim (MEBiom)

Em criança, os meninos são ensinados a brincar com carros e máquinas, e as meninas a brincar com bonecas e cozinhas; passam 10 anos e muitas mulheres sentem desconexão com as áreas das ciências e matemáticas, ainda em pleno século XXI. Na necessidade de evolução das mentalidades, emerge o Women in Engineering (WiE),  um núcleo que visa mostrar que a engenharia não é uma área exclusiva aos homens – com cuja atual presidente, Francisca Ferreira, o Diferencial esteve à conversa.

De uma Organização Mundial para o Técnico 

Apesar do núcleo Women in Engineering estar isolado a nível da sua missão no Técnico, não está sozinho a nível global. Estando enquadrado num panorama maior como um dos branches do Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), o WiE possui uma rede de apoio e financiamento para além de uma alargada rede de contactos. “Todos os anos temos encontros com os vários Student Branches. Tanto que, este ano, foi no Porto – por acaso, eu não fui, mas uma das nossas vice-presidentes foi. O ano passado eu fui à Universidade do Minho. Há um WiE no Porto – até já falámos com eles para tentar fazer alguma parceria. Há também na Beira Interior, há na Nova. Ou seja, todas as universidades de Engenharia têm o potencial de ter um IEEE e de ter uma WiE, precisam é de pessoas para pegar nisso e construir.”

Um núcleo que nos põe a pensar 

Quando questionada relativamente ao WiE se identificar ou não como um núcleo feminista, Francisca Ferreira respondeu: “Consideramo-nos um núcleo feminista, sim. E a partir do momento em que acreditamos na igualdade de oportunidades para todos os géneros, espaço e ambientes seguros para todos e sendo um dos nossos objetivos a desmistificação de convenções sociais machistas, acho que isso são todos os ingredientes de que precisamos para sermos considerados um núcleo feminista.”

O núcleo não se associa, contudo, a nenhuma corrente feminista em específico. Ainda assim, apresentam e divulgam variados movimentos, para alargar os horizontes da comunidade à qual se dirigem, tomando o formato de entrevistas e artigos de opinião diversificados, cuja divulgação é posta em prática através da newsletter mensal do WiE. O combate ao preconceito e à discriminação é fundado na consciencialização, no estímulo do pensamento crítico e o trabalho desenvolvido pelo WiE não é um contraexemplo, “porque não pôr as pessoas a pensar é que leva as pessoas a ficar cada vez mais (…) misóginas, machistas, racistas”. Também neste sentido foi criado um podcast no ano anterior, que entretanto deverá ser retomado, onde um espaço para debate foi criado: “fizemos um debate que até teve bastante aderência, que foi um bocadinho polémico, que a temática foi das pessoas de transgénero nos desportos”.

Um espaço para se ser ouvido 

Em conformidade com a missão do núcleo, há uma componente de receção de queixas relativas a atos de misoginia, de sensibilização destes problemas na comunidade do Técnico e de apoio num processo de queixa. Uma das iniciativas é o Genderless, uma exposição feita no final do ano onde as queixas anónimas de “coisas horríveis que às vezes acontecem, discriminação, assédios, situações menos agradáveis” são expostas. Entre as queixas mais comuns estão presentes comentários misóginos, tanto da parte de professores, como de colegas. “Eu lembro-me perfeitamente que era uma rapariga (…) teve uma ótima nota numa cadeira qualquer e que o professor disse, «uau, que boa nota, foi mesmo nota à homem». E foi assim, estes pequenos comentários que às vezes não vêm por maldade, mas tu ficas a pensar o que vai na cabeça dele para fazer isso.”

A maior parte das queixas chegam através das redes sociais, devido à carência de “um espaço físico para conseguir fazer isso (…) Temos uma salinha do IEEEs, que é mais uma espécie de armazém, digamos assim, do que outra coisa.” Já tinha sido colocada em prática uma plataforma de queixas anónimas, que entrou entretanto em desuso, mas que Francisca planeia reavivar. Atualmente são utilizadas maioritariamente as mensagens diretas, onde conquanto não anónimas, nenhum detalhe pessoal da vítima é revelado aquando da divulgação das queixas na exposição.

“Nós tentamos sempre transparecer que podem vir ter connosco e nós tentamos ajudar.” Nas passadas duas edições da sua newsletter e, daqui para a frente, nas primeiras páginas estará presente o protocolo de como fazer uma queixa, o que é preciso e com todo o apoio necessário.

Um Núcleo de mulheres para mulheres… e os homens? 

O núcleo é organizado em 4 equipas: o Board, composto pela chair, duas vice-chairs e uma secretária; a  de Eventos; a de Newsletter e Podcast, e a de Design e Comunicação. Cada equipa tem um coordenador e os seus colaboradores. Analisando com mais rigor, dois factos saltam à vista: a predominância do curso de Engenharia Biomédica e a ausência de homens. “Neste ano, não [temos homens], mas no ano passado tínhamos três, e um deles era coordenador da equipa de Eventos. Mas este ano tivemos um decréscimo muito grande de membros, porque os membros que tínhamos o ano passado eram ou do último ano ou foram para Erasmus. (…) o ano passado foi a exceção, o ano anterior e há três anos, acho que não havia nenhum homem.” A razão dada para esta situação não é clara, apesar da menção acerca de um decréscimo de homens feministas na nossa geração, “É assim, logo o nome (do núcleo) já deve «fazer a sua coisa», acho que não deve mudar, mas logo o nome eu percebo que seja assim um «uou, não quero ir para aqui» ou «isto não é para mim» ou algo assim. Mas eu gostava que houvesse mais homens (…) percebo que seja um bocadinho difícil para os rapazes estarem-se a relacionar com algo que nos toca na pele diretamente (..) percebo isso e louvo muito os homens que realmente conseguem empatizar com esta causa.”

Que percentagem ocupam as mulheres na área STEM?

No mundo da engenharia verifica-se uma dominação por parte do género masculino: embora em 2021 se tenha verificado que 51% de cientistas e engenheiros eram mulheres, as mulheres ocupam, nas empresas portuguesas, menos de um terço dos cargos de liderança. No Técnico, esta realidade não é nada menos distante: enquanto que em cursos como Biomédica e Biológica as mulheres representam uma maioria, o oposto verifica-se em cursos mais numerosos, tais como Mecânica, Informática e Eletrotécnica. Por muito que o combate contra esta disparidade tenha revelado resultados animadores, existe ainda em algumas áreas uma estigmatização resistente. 

Quando discutidos estudos que revelam existir uma disparidade maior entre homens autointitulado feministas e mulheres feministas na nossa geração (gen z) Francisca Ferreira aponta como principal causa do decréscimo de homens feministas o acesso à informação pelas redes sociais, onde emergem fake news e discursos de ódio. Com este panorama, justifica o aumento de mulheres feministas com a necessidade de “oposição” a todo o ódio e estigma direcionados às mulheres.

Atividades ao longo do ano 

Algumas das atividades do núcleo passam, assim, por proporcionar um contacto com diversas correntes de pensamento e perspetivas, com vista a fornecer bases para que cada um conceba a sua opinião. Entre estas atividades destacam-se as Jornadas da Mulher na Engenharia, evento este onde se realizam, ao longo de um dia inteiro, debates, palestras e round-tables.

Um veículo potente para provocar a evolução das mentalidades é o contacto com estas ideias desde tenras idades. Francisca Ferreira tenciona, assim, contactar com crianças e jovens de escolas básicas e secundárias, na esperança de conseguir cultivar a ideia de que a engenharia é uma área também para mulheres. “Porque [as meninas] têm logo decidido, no 9º ano, para que área querem ir. E se vão poucas para ciências, já é um problema.”
Outro dos objetivos do WiE é “como todos os núcleos, tentar também passar skills que o curso não conseguiria”, em cujo seguimento foram já realizados diversos workshops que facultam à comunidade não só competências essenciais à sobrevivência no mercado de trabalho, como um apoio à criação de um curriculum-vitae, mas também competências úteis a nível pessoal, como formas de gerir a ansiedade e aulas de auto-defesa.

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