Rumo ao Kwanza-Sul 

Autoria: Leonor Costa (LEFT)

Sete da manhã: Luanda, sob a luz de um sol intenso, já fervilha de movimento, como habitual. O seu ar quente e húmido cola a roupa ao corpo; a sua brisa marítima afasta os cabelos do meu rosto. Já passou o auge do verão – ainda assim, um calor de trinta e seis graus assola a cidade. 

Já conheço esta paisagem, é-me algo familiar após todos estes anos. Ainda assim, hoje parece diferente…

Como cenário, os prédios rosados da Cidade Alta, os passeios de um tijolo cinzento-acastanhado, os arranha-céus envidraçados, faustosos, eternamente em construção, o asfalto queimado e batido. O areal da Ilha, comprido e dourado, e os ocasionais apontamentos em verde das palmeiras e das acácias-rubras trazem a natureza à memória. Porém, o meu veredito já está determinado: não se comparam à imponência natural encontrada quando se sai de Luanda – já de si caótica e enérgica, vibrante e colorida, a capital de Angola, banhada pelo Atlântico. 

Rodeado de candongueiros[1] azuis e brancos e de autocarros da Macon, se queres chegar ao Kwanza-Sul, tens de te fazer à estrada – a de Benguela – com cerca de 400 km à tua espera, (quase) sempre em frente. À medida que te vais afastando, mais verdejante se tornará o teu caminho. Viajarás no silêncio do vento e pelas estradas litorais, com a ocasional sombra do arvoredo para te arrefecer a testa e o recortado vermelho de argila das paisagens para entreter os teus olhos. 

Talvez te acene um polícia interprovincial, daqueles de óculos escuros, luva branca e chapéu azul, a meio do caminho. Ele pede o teu passaporte ou B.I (não sei de onde és; sim, tu que lês), e avisa-te das “pequenas” cheias que aguardam ofegantes pela tua passagem. Tu rir-te-às e mostrarás o papel da seguradora, o colete amarelo berrante para mudar os pneus e o boletim de vacinas e uma foto do teu cão e a fatura do jantar d’ontem… até que ele te deixa passar e tu, risonho, (até encontrares as estradas inundadas e passares a 5 km/h, para que o carro não avarie a meio) segues caminho.

Talvez fiques cansado depois de algumas horas de condução. Se fores inteligente, pararás em Porto Amboim. Aproveitas e enches o depósito; esticas as pernas, de pés assentes na terra e com os olhos postos no mar, que parece interminável. De um lado, o velho carro que te leva, e, do outro, a imensidão mansa daquele azul longínquo. Começas a aperceber-te de que eu tinha razão.

Pormenor térreo de vegetação e algumas montanhas, Kwanza-Sul.

Chegas finalmente, depois de umas consideráveis horas. Absorto por tudo o que te rodeia, e na ausência da entropia de Luanda, almoças. O dendém[2] foi apanhado e esmagado para fazer o óleo de palma que está no teu prato; o café foi feito especialmente para ti. O tomate na salada é doce e o sumo de maracujá é ácido, gelado. Entre as palmeiras e as aves-do-paraíso, conheces a Dona Odete, que te dá duas rosas-de-porcelana[3], e o Senhor Benguela, que te guia até às montanhas, escarpadas pelo rio Uiri. Exploras as cachoeiras do Binga.  

Depois, regressarás. 

Agora, sempre que desceres aquela avenida mais florida na tua terra, estás fadado a ver o reflexo das acácias e das buganvílias pelo retrovisor; a ver as montanhas ao longe, que imponentes, antes tomavam o lugar dos semáforos e das faixas da autoestrada. O toldo da esplanada traz uma brisa agradável que se assemelha à sombra dos embondeiros.

 Perante o Tejo, verás agora o Longa e o Uiri; apesar de ser rio, vais sentir aquele cheiro a mar do Amboim. E ao conduzires na A1 ou no Eixo Norte-Sul hás de te recordar, entre sorrisos, da estrada de Benguela e da Gabela.

Não te prometo uma estrada suave nem uma viagem completamente tranquila. 

No entanto, posso testemunhar que existe uma beleza característica do interior deste país que vale pelas quantas oscilações do teu carro – cuja culpa até pode ser atribuída à tua falta de proeza ao volante, deixe-se aqui posto – e as horas de viagem que parecem intermináveis. 

Já tens as malas feitas? Eu já.

Notas

[1] Candongueiros: Também chamados de “azuis e brancos” ou simplesmente táxis, os candongueiros são carrinhas (e sim, são mesmo azuis e brancas!) que servem como meio de transporte no dia-a-dia de muitos luandenses.

[2] Dendém: Do kimbundo ndénde, o termo refere-se também a uma espécie de palmeira originária à África Ocidental (a Elaeis guineensis, para os curiosos), mas aqui uso-o para me referir ao seu fruto, que dá origem ao óleo de palma, um dos ingredientes proeminentes da culinária angolana. Este parágrafo foi inspirado pela melhor moamba de galinha que já comi, feita com óleo de palma caseiro.

[3] Rosas-de-porcelana: A rosa-de-porcelana a que me refiro é a flor da Etlingera elatior, um tipo de gengibre nativo ao sudeste asiático, mas que se estende por várias regiões tropicais do mundo. É pelo seu aspeto brilhante e pela sua forma, que parece esculpida à mão, que a flor ganha este nome que certamente merece. É também conhecida como bastão-do-imperador ou flor-da-redenção. 

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