Autoria: Miguel Ferreira (MEGI)
Foi no dia de aniversário do Gonçalo que a Rita decidiu fazer-lhe uma surpresa e levá-lo ao circo. Ele estava a passar por uma fase mais dura da sua vida e, por isso, a Rita achou que o melhor era levá-lo numa saída a dois para um espetáculo que nos faz acreditar no impossível, ao mesmo tempo que nos faz rir até doer a barriga…
O espetáculo teve de tudo, desde ursos a andar de bicicleta a elefantes bailarinos. Equilibristas, cuspidores de fogo e ginastas capazes de vencer nos jogos olímpicos. E claro, não podiam faltar os palhaços, bailarinos e um pouco de magia.
No fim, Gonçalo, num momento inspirado, e após ter reparado que Rita estava a olhar para ele, molhou os lábios e disse:
– Sabes Rita, nunca percebi o porquê de chamar palhaço a alguém ser considerado um insulto. Eu cá apenas tenho um objetivo muito simples na vida, mas talvez seja o mais complexo de todos: ser o palhaço perfeito, o rei do circo.
– Como assim? – disse Rita com um sorriso nos lábios, por saber que vinha aí mais uma das teorias do Gonçalo.
– Aquele que dominar no circo domina na vida, simples. Tudo começa com uma tenda, um espaço improvisado, mas acolhedor, porque é sempre isso que temos de fazer com o nosso espaço, dar o nosso cunho pessoal e receber bem aqueles que nos querem bem, sem nunca esquecer que qualquer casa pode ser um lar, desde que estejam os nossos por perto.
“Os equilibristas dão-nos uma grande lição de vida. Existem obstáculos que surgem e que nos querem derrubar, exigindo muito de nós para que nos mantenhamos de pé. Porém, por muito difícil que pareça, vão sempre surgir outros desafios por cima desse para resolvermos ao mesmo tempo, e no fim tudo acaba por bater certo.”
– Está bem Gonçalo, mas não é bem assim, eles já falharam muitas vezes e têm inúmeras quedas durante os treinos.
– Sem dúvida! E é isso que me impressiona mais e faz com que os tome como modelo a seguir, pois apesar de todos esses fracassos, nunca desistiram até atingirem os seus sonhos. Foi com eles que aprendi que o principiante treina até fazer certo e o profissional treina até nunca fazer errado.
“Mas adiante, porque não posso deixar de falar nos domadores de animais, que muito me ensinaram sobre comunicação. Nem sempre aqueles que nos rodeiam são iguais a nós ou pensam como nós, por isso é importante adaptar a forma de nos expressarmos à pessoa com quem estamos a falar, pois só assim eles sabem as nossas intenções e nos podem ajudar. E, de seguida, não nos podemos esquecer de mostrar gratidão e retribuir, sob pena de perdermos o apoio dessa pessoa.
“Temos também os palhaços, que são um exemplo vivo de humildade e altruísmo. Eles vestem trajes que os tornam alvo de troça e deixam-se humilhar propositadamente, só para fazer rir o próximo. Acho que não fazia mal a ninguém ser um pouco palhaço nesta vida: colocarmos o nosso ego e orgulho de lado para fazer aqueles que estão a passar por um mau bocado sentir-se melhor, e claro, sempre com um sorriso nos lábios porque a vida é demasiado curta para levarmos as coisas demasiado a sério.
“E deixa-me dizer-te que os palhaços já me fizeram tirar muitos apontamentos sobre superação! Quando te arremessam uma tarte à cara, talvez te venhas a sentir traído, fracassado e com vergonha do que aconteceu; mas depois provas aquilo que te atiraram e descobres que é doce! A vida prega-nos muitas partidas que nos fazem achar que demos um grande passo atrás e não vamos conseguir recuperar. Todavia, após analisarmos o que se passou, descobrimos que temos sempre algo a aprender com os maus momentos e que só nos dão mais energia para seguir em frente com maior determinação e outra perspetiva.
“E é isto Rita, há muito que se pode aprender com uma simples ida ao circo, e faço questão de partilhar isto contigo para que possas ver as coisas por outro prisma. De resto, só te tenho a agradecer por esta agradável surpresa. Fez-me ter mais força para ultrapassar esta fase menos boa, enquanto ganhava cãibras na cara de tanto sorrir.”
– Já acabaste?! – perguntou Rita – Mas falta-te o mais importante… Não vais falar dos mágicos?
– Sabia que era provável perguntares isso, mas não o quis mencionar por uma simples razão: eles não são mágicos, são ilusionistas, que fazem uso da eloquência e da distração para levar os outros a acreditar que algo de extraordinário aconteceu, quando na realidade foram meros truques, que se tornam banais depois de explicados.
“De facto, a delusão pode levar-nos a subir muito na vida à custa da inocência e da ingenuidade, mas no fim do percurso apercebemo-nos que o sucesso não tem a mesma satisfação quando não é atingido de forma honesta, ética e responsável. Não existe preço para uma consciência limpa e tudo tem mais significado quando é partilhado em vez de usurpado.”
Enquanto Rita refletia sobre tudo o que foi dito na caminhada de regresso a casa, Gonçalo deu um pequeno compasso de espera para contemplar a bela noite de lua cheia que lhes fazia companhia. Depois, olhou fixamente para Rita, e, sem deixar que ela comentasse tudo o que ele refletiu em voz alta durante a noite, declarou o seguinte:
– Tenho de te confessar algo engraçado, é que afinal só depois destes anos todos é que pude finalmente sentir magia numa ida ao circo… Só que magia não é ver fogo sair das bocas de homens, coelhos a saírem de cartolas, nem bailarinas cortadas ao meio; MAGIA é sentir o efeito que o teu sorriso tem sobre mim…