Autoria: João Dinis Álvares (MEFT)
Este não é um texto para ser levado a sério. É um pequeno devaneio com o qual quem o lê poderá ter algo com que se identifique, mas não é de todo um texto central, que deva ser lido vezes e vezes sem conta. Leia-se uma vez e parta-se dele melhor do que se entrou. Confesso que talvez seja até egoísta da minha parte escrever o que escrevo uma vez que o faço porque penso que seja o que estou a precisar.
Nem tanto porque acho que seja aquilo que outros queiram ler.
Friso que aqui não se vai aprender nada, pelo que ainda vão a tempo de me abandonar e deixar no pensamento aquilo que este texto poderia ter sido mas nunca chegou a ser.
Há alturas em que não dá.
Tento e não dá.
Volto a tentar e sinto as labaredas que me queimam o corpo por dentro, um ardor forte no meio do peito que me avisa que algo está mal. E eu costumo lutar contra isto, mas nem sempre estou pronto para a luta. Há alturas em que me reclino e deixo a luta passar, por mais que saiba muitas vezes que não o deva fazer, que me vai trazer algum malefício, que vai ter influência de alguma forma rebuscada (ou não) no meu futuro. E o pensamento que me reconforta nestes momentos é o de: se eu lutar agora, de que é que me vai valer depois? É uma pergunta a curto-prazo, é impossível saber as oportunidades inesperadas que me esperariam se eu lutasse esta luta em específico, não dá para prever o imprevisível, acaba por ser esta a piada ou pelo menos a ilusão que mantém a vida divertida. Pelo menos para mim.
Ainda assim, é uma pergunta que serve como um canto afastado das conversas que tenho no dia-a-dia. Um confidente. É a esta pergunta que confesso todos os meus desejos, todas as depressões, todos os pensamentos intrusivos que me invadem como se quisessem reclamar o meu eu para todo o sempre.
E a pergunta nunca está sozinha, não são só palavras a flutuar pelos meus olhos. Tem os seus acompanhantes, imagens que me fazem esquecer aquilo para o qual estou a olhar, sons que não existem mas que de alguma forma ouço quando recordo. Por trás de tudo, algures lá em cima seja onde cima for, está um pêndulo gigante que indica o tempo que passa e a constante luta, os avanços e os recuos – os desejos inoportunos, os devaneios noturnos, a vontade de querer e nada reter, as pessoas da minha vida que dançam sem saber, o jogo efémero que é a existência, os momentos em que tento contemplar tudo e sou destruído, as lágrimas nos olhos e tudo se torna em ruído.
Ouço as vozes que sempre ouvi, as velhas e as novas, e dentro das novas aquelas que começam a fazer parte das velhas, aquelas que estão na transição da curiosidade para a normalidade. Há um conforto na normalidade que me abomina e em certos momentos me faz querer arrancar tudo aquilo de que sou feito, que me faz querer destruir tudo o que construí até ao dia, o estar demasiado feliz, o não ter de fazer nada porque tudo está bem, a necessidade de estar atento ao que está por trás da esquina, o medo de cair no próximo passo – a ausência de precisar de me preocupar deixa-me só ainda mais preocupado – a calma é o sítio onde menos calmo estou.
Só na luta me encontro bem, mas depois canso-me e voltamos ao início.
A luta cansa mas sem ela não vivo.
Adoro deixar que os pensamentos extravasem pela escrita – no fundo é uma prostração para com as pessoas que possam alguma vez ler o que escrevi. Após tantas vezes o fazer, questiono-me sobre porque é que o faço, porque é que o recôndito canto da escrita me salva e tudo o que me vem à cabeça é que é um espelho que mostra aquilo que um espelho normal tem medo de fazer: o que realmente sou, o que está por trás do cabelo desgrenhado todas as manhãs, por trás das olheiras, por trás dos olhos vermelhos, desabituados que estão à luz.
É também o que está nestas palavras que costuma ser mais facilmente ignorado. Sentir que há algo de errado e esperar que passe é o que costumo fazer e muitas vezes estou assim durante semanas. Penso que não sou o único a passar por isto, tanto que tenho mencionado isto em várias conversas e muitos me respondem que estão a passar ou já passaram por algo parecido. Aquela sensação de que algo não está bem mas não se consegue apontar para um acontecimento e dizer: foi isto! E o desespero que é não saber o que nos faz estar deprimidos.
Eu precisava de escrever este texto, precisava de voltar a pôr a minha vida numa sequência de palavras que fizesse sentido para me convencer de que a vida ainda possui esse mesmo sentido. Deixar que os pensamentos que estavam a voar, perdidos como ovelhas sem pastor, assentassem. Deixar que, a cada passo, a cada palavra, fosse como se estivesse a construir um caminho no meio da escuridão e tudo o que posso fazer é escolher uma direção e começar a caminhar e esperar que lá no fundo encontre aquilo que eu queria.
Um sítio aonde chegar.