Autoria: Diogo Faustino (MEAer), Filipe Valquaresma (LEAer), Patrícia Marques (LEFT)
Às 17 horas do passado dia 20 de abril, o Anfiteatro Abreu Faro do Instituto Superior Técnico recebeu uma sessão de reflexão sobre o Regime Fundacional e a Universidade Pública, inserida num momento de intenso debate interno no Técnico. Surge como um desafio às iniciativas organizadas pela Assembleia de Escola, que têm sido acusadas de algum viés favorável ao regime fundacional. Organizado pela Lista P de docentes e investigadores do IST e pelo Movimento U da Universidade de Lisboa, este momento de debate contou com a moderação de Rui Ferreira (IST, Universidade de Lisboa) e com o seguinte painel:
- António Sampaio da Nóvoa (professor, IE, Universidade de Lisboa)
- Joaquim Ribeiro (funcionário, IST, Universidade de Lisboa)
- José Neves (professor, FCSH, Universidade Nova de Lisboa)
- Pedro Fialho (aluno, IST, Universidade de Lisboa)
- Vitor Maló Machado (professor, IST, Universidade de Lisboa)
Pedro Fialho começou por realçar as reivindicações dos estudantes que saíram à rua no passado dia 23 de março, exigindo o fim da propina1. Mostrou uma grande preocupação pelo afastamento quase completo dos estudantes tanto do processo de decisão sobre o regime jurídico como pela sua alienação num contexto de fundação pública de direito privado. Apontou que, fazendo jus à voz dos estudantes, a mera potencialidade da existência de um Conselho de Curadores é merecedor de reflexão profunda e crítica.
José Neves, partindo da experiência da Universidade Nova, onde leciona e que já leva 7 anos no seu novo enquadramento jurídico2, relembra os resultados das últimas eleições3 para os órgãos de escola como aviso às diferentes fações internas do Técnico: uma candidatura favorável ao regime fundacional não ganha eleições. Afirmou ainda que, no processo de transição, não existiu nenhuma facilitação por parte do Estado: “Passámos a ter um número fiscal único, ao contrário de um por cada Unidade Orgânica. Pode parecer um pormenor mas teve profundos impactos na elaboração de candidaturas a financiamento, muitas das quais só aceitavam uma proposta por número fiscal.” Aponta também falhas à agilização da gestão patrimonial e à operacionalização de certas vendas4, deixando críticas à grande concentração de poder na reitoria: “Funciona como uma espécie de Unidade Orgânica, se o fosse seria o 4º maior orçamento dentro da Universidade”.
Para ilustrar a precariedade associada ao novo regime de contrato individual de trabalho, o professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas afirma ainda que nenhum dos seus colegas docentes optou por sair dos quadros da função pública, mesmo sendo esta possibilidade de transferência prevista pela lei. Chama de seguida ao relatório que sustentou a continuação da Universidade no regime fundacional “uma fraude científica”, uma vez que, defende, os resultados positivos da implementação deste novo regime são apresentados como sendo diretamente decorrentes da mesma, quando na verdade são largamente independentes ou estão apenas remotamente relacionados.
Sampaio da Nóvoa começa por afirmar que o regime jurídico das instituições de ensino superior (RJIES) introduziu um longo debate sobre a figura jurídica das Universidades, pondo em causa a necessidade deste excecionalismo: “Uma universidade é uma universidade. As autarquias não têm figura jurídica própria, estão consagradas na Constituição como autarquias”. Considera-se então “cansado” dos intermináveis debates que esta lógica levanta, afirmando que a única coisa que o regime jurídico consegue ser é um “enorme complicador da vida universitária”, tirando também força às discussões realmente importantes para a Academia. Garante que não são as inovações jurídicas que trarão as mudanças necessárias às Universidades portuguesas. “O grande problema neste momento é a falta de autonomia das instituições de ensino superior (IES). Só as Universidades que se transformam é que podem ser transformadoras”. A seu ver, a uniformização consequente do RJIES impede uma muito necessária diversificação no tecido universitário português.
De seguida, interveio Vítor Maló Machado, membro do Conselho de Escola. Começou por mencionar a aprovação, em dezembro, do Plano Estratégico 2020-2030 (com 8 votos favoráveis e 6 contra). Este plano abre a possibilidade de uma transição para o regime fundacional, enquadramento jurídico que, realça, o Técnico já rejeitou em 20075. Mostrou, sobretudo, uma apreensão sobre a precarização das carreiras, que encara como consequência óbvia dessa transição. Comentou ainda que “o pouco que o RJIES garante quanto a representatividade é aqui destruído” e reforçou ainda que, numa fase em que acontecem avaliações ao mesmo, é precipitado considerar uma alteração ao regime jurídico atual.
Joaquim Ribeiro, do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas, inicia a sua intervenção realçando que tudo é político e ideológico: a discussão sobre regimes jurídicos não é exceção à regra e deixa um aviso sobre aqueles que afirmam o contrário. Defende que a transição do ISCTE para regime fundacional se tratou de uma “empresarização”. “Os novos contratados estiveram 12 anos a receber 200€ a menos do que receberiam em contrato em funções públicas e trabalham 40 horas sem direito a ADSE”. Relembra também a perda de mobilidade entre instituições públicas, uma vez que os novos contratados são somente trabalhadores do ISCTE. Levanta, acima de tudo, preocupações relativamente à existência de diferentes regimes laborais para a mesma função e à falta de proteção no contrato individual de trabalho, nomeadamente, em termos de progressão de carreira.
Segundo este funcionário, isto prova que a transição para fundação pública não beneficia os trabalhadores. “Não houve melhores condições de carreira nem melhores horários”. Existe ainda uma vaga de assédio laboral para a comunicação exclusiva em Inglês na Nova SBE, o que já levou, segundo Joaquim Ribeiro, a pelo menos uma baixa compulsiva.
Iniciando o período de questões, Miguel Félix, aluno do IST, diz que a Fundação é, neste momento, um “bicho-papão” no Técnico. Este tabu esteve presente, defende, na última iniciativa da Assembleia de Escola6, onde só se defendeu que nada mudaria nesta transição sem apresentar quaisquer reais vantagens.
Sobre a problemática levantada, José Neves fala dos estatutos da Universidade Nova, que defende serem menos democráticos que até o próprio RJIES: “para formar uma lista ao Conselho Científico são necessários 7 catedráticos para a encabeçar: só existem 27 na Universidade”. A questão da colegialidade e da transparência é, a seu ver, importante para diminuir a possibilidade de abusos de poder.
Pedro Fialho afirma ainda que “tão importante como rever o RJIES é garantir que muitos dos «mínimos» nele previstos sejam praticados”, exemplificando com a longa lista de IES que não cumprem a representação mínima de 15% de estudantes no seu Conselho Geral.
Outro estudante, Eduardo Bastiana, relembra que este período de debate surge após a aprovação do Plano Estratégico. Uma das pontas soltas levantadas nessa discussão, afirma, foi a possível separação da Universidade de Lisboa.
Sampaio da Nóvoa mostra rapidamente o seu repúdio a esta possibilidade. “O nº 5 do artigo 129 do RJIES (que prevê que uma escola se possa transformar em fundação pública, separando-se da sua Universidade) é um atentado à autonomia de qualquer escola”. Afirma que surge à “25ª hora”, não constando nas versões iniciais do diploma, e que segue uma lógica contrária à do próprio conceito de Universidade. Permitir que uma escola se separe da Universidade a que pertence é equivalente a dizer que esta última é apenas uma “coleção de faculdades”. “Não é aceitável em nenhuma parte do mundo, é uma ilusão para quem o seguir e uma destruição para a restante universidade. Por que razão foi imposto à Universidade de Lisboa que o seu Senado e o seu Conselho fossem fundidos? Por que razão foi retirada essa autonomia às instituições? É normal que cada Universidade tenha a sua forma diferente de organização interna”.
Por parte da audiência, é questionado se, não estando determinadas carreiras previstas nos quadros da função pública, estas seriam criadas (e valorizadas) neste novo regime jurídico. Joaquim Ribeiro referiu que o regime fundacional consagra que exista um paralelismo entre as carreiras de direito privado e as da função pública, pelo que prevê que tal não fosse legalmente possível.
Às preocupações do público, Lídia Silva, da equipa dos Serviços Académicos e membro da Assembleia de Escola, acrescenta uma crítica à transição para um regime jurídico que favoreça a mercantilização do ensino, alertando quanto às desvantagens para os alunos quando se abre espaço ao aumento de taxas de inscrições e pagamento de propinas numa só parcela. Fazendo o paralelo com o Plano Estratégico 2020-30, opõe-se àquilo que descreve como “preconização da monetização dos alumni, alunos, funcionários e docentes”. Mostra também preocupações com a “hipocrisia” de forçar os novos contratados a condições de trabalho diferentes das que são garantidas aos trabalhadores que já se encontram na instituição: “ou mudamos todos para o novo regime, ou ninguém muda”.
Em sequência desta intervenção, Pedro Fialho corrobora a necessidade de estar atento e de combater os atropelos ao acesso dos estudantes ao Ensino Superior, afirmando que estes podem ocorrer mesmo fora do regime fundacional, exemplificando com a tentativa do IST de efetivar um “significativo aumento das propinas”, perante os acenos negativos do presidente do Conselho de Escola do IST, Luís Oliveira e Silva, que se encontrava na plateia.
Sampaio da Nóvoa é cético quanto à “salvação” das universidades por via da fundação. Já José Neves apresenta o exemplo da Nova SBE, onde as propinas constituem uma percentagem muito substancial do total das receitas. Defende que, apesar disto, deve ser tido em conta o contexto e particularidades da escola que transite para regime fundacional e acrescenta que o seu funcionamento depende da procura estrangeira, rentabilidade e áreas científicas da mesma pelo que nada garante o financiamento extra e a manutenção dos “serviços degradados”.
A sessão chegava ao fim, duas horas e meia depois, constatando-se um quase consenso no tema debatido pelos oradores e pela audiência presente. Nas entrelinhas do evento levantaram-se dúvidas sobre a existência de uma maioria silenciosa mas favorável. O moderador Rui Ferreira finalizou com uma reflexão sobre a necessidade de abrir mais espaços de discussão acerca das IES e do regime do IST que incluam mesmo as opiniões mais dissonantes, com argumentos mais antitéticos.
Referências
[1] – Dia de luta – Até quando o muro vai aumentar?
[2] – Governo aprova passagem da Universidade Nova a fundação
[3] – https://www.unl.pt/sites/default/files/resultados_profsinvest.pdf
[4] – Universidade Nova espera vender edifício da FCSH por 40 milhões de euros
Respeito as (auto)biografias destes 3 educadores, Engenheiros Eletrotécnicos:
https://www.youtube.com/watch?v=Ox49EB1tNW4&t=9s
Depois de no dia 18 maio de 2023 ter assistido no Centro de Congressos do IST, a uma discussão intergeracional, sobre a relevância dos SunSets e do refeitório do ISCTE, sinto-me bastante confortável com esta nomenclatura:
https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Ensino_terci%C3%A1rio&redirect=no
A partir do próximo “Dia da Criança”, saberemos o que fazer com este Relatório impresso em Lisboa?
https://deq.tecnico.ulisboa.pt/TV/PedagogiaCientifica1916-17.pdf