Autoria: António Coimbra, MEEC (IST)
Não é pessoa de se queixar muito. Aliás, quando chega a casa tem por hábito guardar os problemas bem fundo, para que os filhos não os vejam. Neste dia foi diferente: chegou a casa com um olhar desanimado, que era impossível ignorar, e perguntei se tinha acontecido alguma coisa. Nada que nunca tivesse acontecido antes. Para uma professora de 3º ciclo e secundário, chegar assim a casa, saturada e cansada, era um dia normal, igual aos outros, mas perguntei na mesma. Daí surgiu a conversa que me obrigou a escrever este texto.
É professora de Ciências Naturais e de Biologia e Geologia há mais de 30 anos, a minha mãe. Não posso ser imparcial, mas posso dizer com certeza, é uma das melhores. Tem uma genuína paixão pelo que faz e pelos alunos, leva cada aula preparada com uma seriedade que poucos professores conseguem ter, e é por essa razão que lhe custa bastante quando parece que esse esforço é em vão. Sente que os alunos estão diferentes, cada vez a pedir mais ajuda para realizar tarefas simples, como desenhar gráficos de barras, e com menos habilidade de, sozinhos, procurarem soluções para os problemas. Faz testes com o mesmo grau de dificuldade e os resultados vão sendo piores, na maioria dos casos. Os alunos também procuram menos atividades e projetos extracurriculares e os que procuram têm pouca autonomia e necessitam do apoio dos professores para os levar para a frente. Ora, são alunos, adolescentes, é perfeitamente normal precisarem de ajuda, e a escola serve para aprender.
O que quero salientar (e é essa a premissa fundamental do que quero transmitir aqui) é que aos olhos de uma professora experiente, a falta de autonomia e criatividade na comunidade escolar, quando comparada com gerações pouco mais velhas, é cada vez mais notória.
Muito honestamente, admito que esta visão da realidade possa estar a ser apenas mais um exemplo do eterno hábito que a geração mais velha tem de criticar a mais nova, ou daquele dogma “no meu tempo é que era” a que todos nós acabamos por sucumbir eventualmente. De facto, é uma hipótese… Por alguma razão se usa o termo “Generation Gap” para descrever este fenómeno. A falha na comunicação entre gerações é algo bastante recorrente na sociedade atual. Telemóveis, computadores, carros, tecnologia em geral, a nossa vida gira à volta disso tudo, e de um dia para o outro tudo muda ou “evolui”, a um ritmo nunca antes visto. Não será, então, motivo de espanto quando um estudante universitário nascido em 2000 tenha tido uma infância completamente diferente da de um adolescente nascido apenas 5 ou 6 anos depois. Tudo isto deve ser tido em consideração quando se ouvem críticas direcionadas a uma geração, vindas de alguém mais velho. Neste texto partilho a minha visão, motivada por relatos de alguém que lidou e continua a lidar com crianças e adolescentes da mesma faixa etária, há mais de 30 anos.
Mas voltando um pouco atrás, fica-nos a pergunta na cabeça: Porquê?
Porque é que isto acontece? Nos últimos anos o sistema educativo não foi alvo de uma revolução tão significativa assim, e por isso, a meu ver, não se torna um fator determinante. Houve, no entanto, uma evolução tremenda no ramo da tecnologia, a qual eu penso ser a principal causa desta mudança cada vez mais visível.
Essa revolução foi essencial para o nosso desenvolvimento enquanto sociedade e os seus benefícios são incontáveis. A internet, os telemóveis, os computadores, todas estas são ferramentas que melhoram a nossa qualidade de vida, aproximando pessoas, permitindo uma conversa mesmo quando estão em continentes diferentes. Temos atualmente acesso a uma rede de informação, em quantidades tão grandes que nem temos capacidade de imaginar, e que nos chega numa questão de segundos, à distância de um clique. O que está a acontecer agora é que as crianças a chegar à escola são aquelas que lidaram com isso durante toda a sua vida. Muita gente cresceu com internet, mas entre ter um computador partilhado pela família toda e ter um smartphone ou um tablet ao nosso dispor 24 horas por dia, existe uma diferença muito grande.
Os telemóveis e os computadores são viciantes, não são? Todos nós o sentimos, é um facto inegável, até para pessoas que cresceram sem nada que se assemelhasse à Internet. As crianças são ainda mais suscetíveis a esse vício, e crescer com um livre-passe de acesso a todo esse conteúdo tem um impacto brutal no seu desenvolvimento, do qual só agora é que nos estamos a aperceber . O acesso ilimitado à internet elimina a necessidade das crianças procurarem e criarem outras formas de entretenimento. Passar horas na internet, a consumir conteúdo não filtrado, que tanto pode ser útil e adequado como pode ser (e na maioria das vezes é) lixo em estado puro, é prejudicial tanto ao desenvolvimento das crianças, como para a sua própria felicidade. Preocupa-me que um dos passatempos favoritos dos mais novos seja ver vídeos no Youtube, e que consigam passar horas assim. O problema é que todos esses vídeos fazem parte de um tipo de entretenimento que não exige qualquer tipo de esforço, físico ou mental, da parte de quem os vê. O divertimento já está criado. A piada já existe. A informação está pronta para ser consumida, de forma fácil e contínua, durante horas e horas. Sem nunca acabar. É um ciclo vicioso… Claro que não fazem isto exclusivamente, mas é sabido por muitos que na maioria dos casos, a maior parte do tempo é passada em frente a um ecrã. Assim, é compreensível a falta de criatividade. A sua necessidade deixa de existir, simplesmente. Formam-se assim crianças com menos capacidade de pensar autonomamente, de ter iniciativa para criar e serem únicas, pois apenas foram ensinados a gostar do vídeo com mais visualizações, ou a ser como o amigo que tem o perfil com mais seguidores.
Digo e repito, pode ser apenas a minha incapacidade de compreender. Pode ser uma mudança necessária, se pensarmos que a tecnologia é uma parte cada vez mais importante nas nossas vidas, e ter crianças habituadas a viver nesse meio desde cedo pode ser vital para a nossa evolução enquanto sociedade. Mas também pode ser um rumo que estamos a tomar e que precisa de ser corrigido. Se calhar é melhor que uma criança se sinta castigada quando não pode ir ao parque, ao invés de quando não pode jogar mais no telemóvel. É preciso aprender a tirar o melhor partido destas ferramentas que estão cada vez mais presentes na vida das crianças, não deixando que se tornem num obstáculo, mas sim num estímulo ao seu desenvolvimento saudável e equilibrado.