A barbearia

Autoria: Martim Zanatti

Fotografia: Madalena Galrinho

Encanta-me essa tua filosofia primaveril,

Esses desencontros ao sol.

Esses acentues dos rituais que são nossos. 

Eu, prazeroso pelo café e cigarro matutinos.

Tu, pitoresca na falda da cama.  

Ninfa dos Deuses. 

Este é o amor a que me agarro.

Este café que me aquece, 

E a perfeição que não existe,

Mas que existe e se espreguiça,

Sorrindo para a janela, 

Onde o fumo se vai escapulindo,

E se nos esvai o tempo. 

E os pássaros que chilreiam

Canções fúnebres. 

Este é o amor a que me agarro.

Essas vagas palavras 

Ditas e desditas nos desencontros do mundo.

E que se apegam às paredes

Que as ouvem e as devoram,

E que nos abraçam e nos protegem.

E esse Cristo,

Que já veio ou há de vir.

Trazendo um novo amor.

Esse amor que senti ser meu,

Ao ver-te nua,

Buscando as roupas nos cantos da casa.

Rindo da situação irrisória,

Pois era o vizinho que te olhava 

E a mulher que o repreendia. 

Este é o amor a que me agarro. 

Essa barbearia de sempre,

Que se encontra defronte,

Recebendo os mesmíssimos

Senhores, Doutores, 

Pacatos homens de grande fé,

Gentilíssimos homens de fé nenhuma,

Homens de má índole, 

Fanáticos de bola,

Empregados de Mesa. 

Onde se eleva a conversa palpável,

A realidade indubitável de estarmos existindo.

De sermos seres circundantes da mesma esfera linguística,

E das mesmas naturezas humanas,

Que nos encaminham a um modo de vida similar. 

É neste momento que desço, 

Cumprimento o senhor da barbearia, 

E oiço, com um certo regozijo sensitivo,

Que a conversa paira sobre o porcalhão, 

Que havia olhado para aquela que me é.

A conversa pára abruptamente,

Os vários Senhores, Doutores,

Homens de tanta e tão pouca coisa,

Ficam estáticos, constrangidos.

Como se a realidade tivesse modos de se evitar.

Sendo ela tão própria de si própria,

E nós tão cheios do real. 

Tu desces, dás-me um beijo,

E os nossos caminhos bifurcam-se.

Até que se complete o dia, 

E nos encontremos defronte da barbearia. 

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