Existe um véu de misticismo que circunscreve a emigração. Tanto apoiamos quem pelo mundo enaltece o nosso Portugal, como cuspimos nas ambições destes navegadores e os chamamos de ignóbeis. Será por egoísmo, ou será por altruísmo? Será que se esquecem do sol, e cheiro a maresia, que por séculos pintou a imagem de Portugal, ou será que levam essa mesma imagem nos fados que cantam pelo mundo fora?
Autoria: Pedro Rodrigues, MEQ (IST)
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, assim dizia Camões, talvez sem objetivo de tão bem descrever o status quo que persiste na sociedade contemporânea. Os velhos pressupostos de nos mantermos na nossa pátria, e por ela enfrentar as adversidades da vida, deu lugar a uma incontornável globalização e diáspora de talento nacional pelo mundo. Já longe vão os dias em que a procura incessante de melhores condições de vida se vinculava com um deslocamento exacerbado de massas populacionais do centro do país para as grandes cidades no litoral. Atualmente, um fenómeno análogo acontece, mas os destinos deixaram de ser Lisboa e Porto, passando a ser, entre outros, França, Inglaterra, China ou Brasil.
Naturalmente, existem inúmeros argumentos que validam e refutam a ética deste fenómeno, havendo quem defenda, por um lado, a resiliência e patriotismo necessários para podermos elevar o nosso país, mas também quem afirme que é incontornável as pessoas usufruírem de todas as ferramentas disponíveis na busca de melhores condições. É precisamente esta ambivalência ideológica que se encontra na raiz de muitos dos comentários pautados por saudosismo dos tempos de outrora, bem como de inúmeros acordos políticos que facilitam a expatriação.
Não obstante, só quem decidiu partir para a descoberta é que pode auferir testemunhos objetivos que revelam a realidade do que é ter de deixar para trás o conforto e normalidade que sempre vigoraram nas suas vidas. São navegadores contemporâneos à procura de uma nova realidade, que escrevem fados de um gosto amargo de saudade e incerteza, mas que consistentemente elevam o estatuto do que é ser português, esforçando-se todos os dias para serem cidadãos do mundo com o brasão tatuado ao peito.
Sou extremamente próximo de um perfeito exemplo deste fenómeno. Há cerca de 4 anos, a minha irmã, Diana, bem como a sua família, rumaram a Macau e, até hoje, nunca olharam para trás. Criaram no seio desta Região Administrativa da China e antiga colónia portuguesa, uma nova identidade, a qual conjuga as raízes portuguesas que têm por nascimento, com maneirismos e idiossincrasias culturais puramente macaenses.
Ademais, existe uma temática transversal a todas as conversas que prevalece, revelando-se tão portuguesa quanto existe: a saudade. Sem tradução direta em qualquer outro idioma que não o nosso, este conceito trespassa todas as formas de expressão artística e tenta transmitir um desejo de alcançar um momento passado, mas o qual é irrevogavelmente inatingível. E, de facto, a realidade corrobora a história. Do meio das inúmeras vantagens que apresenta, Diana confirma que a saudade é uma constante incontornável da emigração. Que por mais tempo que passe, nada apaga tudo o que foi deixado para trás: a família, os amigos e os lugares que lhe são queridos.
Precisamente neste ponto, temos outro cunho de um bom português, os fortes laços familiares. É intrinsecamente latino, mas notavelmente nacional, a centralidade que a família tem no quotidiano do povo português. Embora todos tenhamos perspetivas singulares sobre o papel da família na nossa vida, é inegável que, culturalmente, existe um forte incentivo para as mesmas manterem a união, com destaque particular para a relação entre avós e netos. Tal realidade advém de séculos de construções sociais que estereotiparam a imagem da família portuguesa, na qual consta que é o dever dos avós tomarem conta dos netos, ou, pelo menos, contribuírem emocionalmente para o desenvolvimento dos mesmos. É neste seguimento que Diana apresenta uma realidade agridoce, sentindo que, apesar de poder proporcionar aos filhos oportunidades de enriquecimento pessoal que seriam impossíveis em Portugal, está a privá-los de desenvolverem a típica relação de proximidade familiar que foi preponderante no seu próprio crescimento. Evidentemente que o advento das tecnologias quebra as fronteiras que se impuseram, mas nada substitui o calor de um abraço ou a ternura de um olhar familiar.
No entanto, a emigração não desperta apenas sentimentos bucólicos. Devido à integral abstração da realidade com que sempre lidaram, os emigrantes tendem a ser mais observadores para com demonstrações de orgulho nacional e cultura portuguesa. Desde crianças que considerar-se-iam locais a envergar vestuário com a bandeira nacional, à esporádica conversa em português, tanto entre emigrantes como macaenses, ouvida nas ruas calcetadas em calçada portuguesa, a festas e eventos promovidos pela embaixada que celebram a lusofonia, são estas pequenas coisas que alimentam o orgulho de ser português. Saber que o espírito conquistador, e orgulhoso, que pautou os Descobrimentos ainda hoje acende um fogo dentro de nós que nos faz recordar a nossa casa.
Parece extremamente fácil afirmar que emigrar é esquecer a pátria que sempre nos acolheu, ou ainda espezinhar séculos de História em prol de objetivos puramente fúteis. Porém, a realidade é que nada apaga a paixão ardente por alegrias mundanas que nos são características. Ser emigrante é personificar o espírito curioso e destemido que pautou o século XV, é colocar de parte qualquer tipo de preconceito em prol da busca pelo além-mar, é ser capaz de tolerar a perpetuidade da saudade sem nunca esquecer o doce embalo da nação que nos tornou nas pessoas que hoje somos.
Excelente artigo. Muito bem escrito e estruturado. Posso comprovar que até na minha profissão, como consultor de sistemas de informação, quando temos de estar fora de Portugal em serviço por várias semanas, aquele sentimento tão português de sentir saudades e da falta da familía, vem sempre ao de cima. Comprovo que de facto é uma característica muito nossa, muito portuguesa. Continuem o bom trabalho.