Num ano repleto de imprevistos e incertezas, foi na Ciência que os holofotes mais incidiram, e foi também pela atividade científica que as esperanças da humanidade se guiaram, tornando (ainda) mais ilustre a sua importância na sociedade. Mas, na Ciência, ao contrário de em muitas outras atividades, o palco não pertence apenas aos maiores países. Ora, num país em que o patriotismo é ou exageradamente elevado ou hiperbolicamente baixo, vale a pena verificar aquilo que tem sido feito em prol da Ciência em Portugal, assim como dar destaque, de forma imparcial, àquilo que alguns dos principais cientistas portugueses têm feito, tanto por Portugal, como pelo mundo fora.
Autoria: Tomás Oliveira, LMAC (IST)
Todos os países têm os seus vícios e as suas virtudes. Portugal não é exceção, seja na economia, no futebol, ou até na Ciência. Há vários indicadores que permitem analisar o estado da Ciência num determinado país. De acordo com uns, a Ciência portuguesa pode ser vista como um “copo meio vazio”, de acordo com outros, como um “copo meio cheio”. Em relação aos Nobel, por exemplo, os Estados Unidos da América ocupam a posição de maior destaque, tendo obtido um total de 388 desde a sua criação. Portugal, por seu lado, teve direito a esta distinção apenas duas vezes, uma vez em Medicina e Fisiologia, pelo trabalho de Egas Moniz, e outra em Literatura, graças a José Saramago. Já em relação ao número de cientistas mais citados, Portugal teve 12 de um total de cerca de 6000 no último ano.
Mas, visto que pessoas não são números, há sem dúvida alguns nomes que deverão ser destacados. Um dos nomes da Ciência portuguesa que tem sido uma constante nos meios de comunicação nos últimos anos é António Damásio. O neurocientista estudou Medicina na Universidade de Lisboa e é agora professor catedrático na University of South California, nos EUA. Entre as suas obras destacam-se O Erro de Descartes, Ao encontro de Espinosa e A estranha ordem das coisas.
Outro nome que, passando talvez um pouco mais despercebido, também se tem ouvido nos últimos tempos é o de Elvira Fortunato, atual vice-reitora da Universidade Nova de Lisboa, onde se licenciou em Engenharia dos Materiais. Teve uma importância instrumental na invenção do papel eletrónico, nomeadamente no transístor de papel, uma inovação que deu que falar nos últimos tempos.
Ainda mais recentemente, foi dado um grande destaque a uma outra cientista portuguesa, Clara Sousa-Silva, do Massachusetts Institute of Technology, na área da Astroquímica Quântica. O seu objetivo é simples: encontrar vestígios químicos de vida noutros planetas. Sousa-Silva estuda a fosfina, uma molécula que na Terra é produzida apenas por meios orgânicos e cuja presença em Vénus poderá ser um indicador de presença de vida.
Portugal tem, além destes, muitos nomes conhecidos no mundo da Ciência. Contudo, estes cientistas têm, claro está, de começar por algum lado. E, dito isto, também é verdade que Portugal possui as suas desvantagens em termos de instituições de ensino e de investigação. Em primeiro lugar, no que à educação em si diz respeito, a crescente expectativa de uma educação mais relacionada com a Ciência e a Tecnologia não tem permitido que as instituições de ensino superior colmatem o desequilíbrio entre oferta e procura, e, como tal, têm vindo a mostrar as lacunas existentes nas universidades. Nos últimos anos, as médias dos cursos de entrada mais difícil têm sido estranhamente elevadas, e têm continuado a subir. O Governo decidiu então aumentar significativamente o número de vagas dos cursos de excelência, isto é, cursos com média de entrada igual ou superior a 17 valores. No entanto, este aumento do número de vagas dos melhores cursos não foi suficiente, tendo possivelmente permitido, em conjunção com outros fatores, a existência das médias de entrada elevadíssimas verificadas em alguns dos cursos neste ano letivo. Além disso, este aumento no número de vagas tem ainda um outro efeito negativo: o número de alunos de certas instituições subiu tanto que, futuramente, estas poderão não conseguir garantir o mesmo nível de excelência na formação dos seus alunos. Em segundo lugar, vale também a pena referir que há ainda um elevado número de docentes a trabalhar em situações precárias. Para continuar a formar cientistas tão talentosos, será então necessário investir cada vez mais nas instituições de educação e de investigação no nosso país.
Portugal talvez não possa ser considerado uma superpotência no que ao conhecimento diz respeito. A formação de talentos académicos e a consequente criação de conhecimentos científicos exige muitos meios, sejam eles financeiros ou humanos, e não é possível sem o contínuo investimento do país nas instituições de ensino e entidades científicas. Este esforço, apesar de constantemente realizado, ainda está bem aquém do ótimo; contudo, não há motivo para não ter orgulho nos cientistas portugueses e naquilo que têm feito, tanto no passado como no presente, tanto dentro do país como fora.