Se há perigo na trajetória humana, este não tanto se encontrará na sobrevivência da nossa própria espécie, como no cumprimento da derradeira ironia da evolução orgânica: que no instante em que esta atingiu a compreensão de si mesma na mente do Homem, a vida condenou as suas mais belas criações.
— E. O. Wilson
Autoria: Guilherme Pata, MEBiom (IST)
É com a citação anterior que começa A Sexta Extinção, de Elizabeth Kolbert, preparando-nos para a narrativa que se segue. Dividido em 13 capítulos, o livro conta a história da extinção, tanto do desenvolvimento científico do conceito, como dos próprios eventos catastróficos com os quais a vida na Terra se deparou — os cinco do passado, e o do presente. Cada capítulo do livro centra-se numa espécie diferente, cada uma com o seu papel na história.
A autora abre com o sapo dourado do Panamá, que há menos de uma década era abundante nas florestas do país, mas que hoje em dia está extinto na natureza. A situação do sapo dourado é emblemática da de anfíbios por todo o planeta, nomeadamente no Novo Mundo, cujas populações se encontram em rápido declínio. A origem da extinção está numa doença infecciosa causada por um fungo, provavelmente oriundo de África, mas que se espalhou por todo o mundo devido à atividade humana.
Nos capítulos seguintes, a autora dá um passo atrás, abordando a história do desenvolvimento do conceito de extinção. Outrora vista como estática, Kolbert conta-nos como os registos fósseis demonstraram que, na verdade, a biosfera é dinâmica: no passado, havia criaturas que, hoje em dia, já não existem — entre elas os mastodontes da américa da era glacial, que protagonizam o segundo capítulo. O grande defensor desta visão é o naturalista francês Georges Cuvier, um anatomista talentoso e teatral, cuja visão da história da Vida contemplava grandes catástrofes, seguidas por eventos de criação divina. Esta visão — o Catastrofismo — mantinha que, no decorrer destes eventos, as leis que regem o mundo natural alterar-se-iam de forma tão violenta e brusca, ao ponto de causar perdas de vida incomparáveis ao que se observava com os desastres naturais dos tempos de Cuvier. No entanto, com o avanço do estudo da geologia, esta visão é suplantada pelo Uniformitarianismo de Charles Lyell. Este defende que “O Presente É A Chave Para O Passado”, ou seja, que o mundo geológico foi moldado lenta e naturalmente pelos mesmos processos que observamos hoje em dia: erosão, sedimentação, vulcanismo, etc. Nesta visão, não há lugar para catástrofes sobrenaturais.
A obra de Lyell é a grande influência no pensamento de Charles Darwin, que, aplicando estes princípios geológicos à vida, desenvolve a Teoria da Seleção Natural. De acordo com esta visão, a extinção ocorre, sim, mas lenta e gradualmente, a um ritmo até inferior à formação de novas espécies. Ironicamente, este desenvolvimento teórico acontece em paralelo com o desaparecimento geologicamente súbito do Arau-gigante, que, conta a autora no terceiro capítulo, foi caçado até à extinção pelo ser humano.
Este pensamento Gradualista mantém-se até com a identificação de grandes discrepâncias nos registos fósseis — milhares de espécies que desaparecem de uma camada geológica para a seguinte, como as amonites, que figuram no quarto capítulo. Estas discrepâncias são atribuídas a lacunas nos registos, devido à raridade do processo de fossilização. Quando finalmente se reconhece a realidade de extinções em massa entre eras geológicas, estas são, novamente, vistas como processos graduais, onde alterações ambientais favoreceram certas espécies em prol de outras e, ao longo de vastos períodos de tempo, levaram à reorganização da biosfera.
Este pensamento só se altera no século passado, revela Kolbert, com a descoberta por Luis e Walter Alvarez da camada de irídio na fronteira entre os estratos geológicos dos períodos Cretáceo e Paleogeno. É entre estes dois períodos que se observa o desaparecimento das amonites, dos pterossauros e da maioria dos dinossauros, há 66 milhões de anos. O irídio é pouco abundante na superfície terrestre, mas característico de vários asteroides do Sistema Solar. Ao ser identificada em rochas por todo o planeta, esta camada serve, então, como a primeira grande evidência para um impacto meteorítico, seguindo-se pela descoberta de uma enorme cratera no golfo do México, datada exatamente da mesma altura. Rapidamente dá-se uma revolução no consenso científico, e a realidade de uma extinção catastrófica causada por um asteróide — «O Pior Dia Na Terra» — é reconhecida.
Este relato de como o nosso conhecimento científico progrediu — desde o não-reconhecimento da possibilidade de extinção à proposição de grandes catástrofes para explicar espécies perdidas, passando por uma visão totalmente gradualista e, finalmente, a uma reconciliação entre estas duas — seria, por si, suficiente para uma boa história. Infelizmente, esta não termina aqui. A autora continua, introduzindo o conceito do Antropoceno: a era geológica marcada pelo aparecimento do ser humano.
Kolbert conta como as migrações des humanes pré-históriques estão ligadas ao desaparecimento dos mamíferos de grande porte nas Américas e na Oceania — as chamadas extinções da megafauna. No presente, somos relembrades das emissões de gases de efeito de estufa na queima de combustíveis fósseis — estes mesmos provenientes de matéria orgânica da biosfera do passado —, que estão a causar bruscas alterações na composição da atmosfera e na acidez dos oceanos, mais repentinas que aquelas responsáveis pela maior extinção em massa na história do planeta — a «Grande Morte», há cerca de 252 milhões de anos atrás. Consequentemente, as alterações climáticas resultantes são acompanhadas por grandes perdas de biodiversidade, de insetos a peixes, répteis, mamíferos, aves, e muitos outros grupos.
Com este relato, vemos a história da humanidade não só como a história do desenvolvimento da autocompreensão da própria vida, mas também — e especialmente — como a história da espécie mais destrutiva a habitar a Terra em centenas de milhões de anos. Os últimos dois capítulos do livro debruçam-se sobre espécies humanas — Homo neanderthalensis e Homo sapiens — e sobre a tragédia de como a nossa própria espécie eliminou os nossos parentes mais próximos. Como ume investigadore disse à autora, “a sua má sorte fomos nós”. O mesmo poderá ser dito sobre a maioria das espécies com quem partilhamos o planeta.
A Sexta Extinção é uma obra informativa, tanto do ponto de vista histórico como científico, mas a sua mensagem fulcral é poética — e política. As palavras de Kolbert são tão cativantes e tocantes que quem as lê vai querer ler de uma só vez — mas, depois, não será fácil progredir com a rotina normal. É difícil expressar o sentimento devastador com que fiquei ao acabar o livro — um sentimento de saudade e remorso pelo que perdemos, e de impotência e raiva pelo que vamos e estamos a perder. O impacto negativo que a nossa espécie tem na biosfera é inegável, e pode muito bem ser o facto mais triste da nossa existência.