Autoria: Catarina Curado (LMAC) e João Carriço (LEQ)
No passado dia 5 de março, a Embaixada dos Estados Unidos da América (EUA) em Portugal comunicou ao Instituto Superior Técnico (IST) a decisão de descontinuar, com efeito imediato, o protocolo que tinha com esta mesma instituição desde 2011 – o American Corner. Juntamente com a notícia, foi enviado um documento com 36 perguntas, que se centravam no funcionamento da instituição e nas suas potenciais ligações a organizações externas. Para compreender o que motivou esta decisão e o futuro destas colaborações, o Diferencial contactou os principais intervenientes do IST que se encontram ligados aos protocolos existentes entre o Técnico e universidades norte americanas.
Dada a complexidade do tema e a diversidade dos tópicos envolvidos, esta reportagem está dividida nas seguintes secções: uma ponte sobre o Atlântico: a ligação das universidades portuguesas aos EUA; os American Corners e por onde estão espalhados; o recente cancelamento dos American Corners; o futuro dos protocolos e dos projetos científicos entre universidades portuguesas e universidades norte americanas; e o impacto na comunidade académica.
Uma ponte sobre o Atlântico: a ligação das universidades portuguesas aos EUA
A América do Norte é um destino frequente para estudantes portugueses, por consequência do elevado prestígio das instituições de ensino superior e investigação aí estabelecidas. A Universidade de Lisboa está vinculada com 3 instituições de renome nos EUA: Carnegie-Mellon University, University of Texas at Austin e Massachusetts Institute of Technology (MIT). Estas 3 instituições também possuem programas doutorais e de mestrado em cooperação com o Instituto Superior de Economia e Gestão e com o Instituto Superior de Agronomia, mas as suas parcerias são maioritariamente com o IST.
O MIT possui ainda uma colaboração internacional com empresas, universidades, laboratórios e outras entidades portuguesas – o MIT Portugal. Este programa apresenta-se sob a forma de oportunidades de investigação obedecendo a 5 temas pré-definidos para até 2030: Ciências Climáticas e Alterações Climáticas; Sistemas Terrestres: do Oceano ao Espaço; Transformação Digital em Manufatura; Cidades Sustentáveis. Este programa oferece ainda outra iniciativa – idea sprints – séries de atividades, que compreendem desde escolas de verão e workshops a competições, procurando desafiar as mentes curiosas a interagir com ideias e investigação topo de gama.
Os American Corners e por onde estão espalhados
Os American Corners, promovidos pelo Departamento de Estado dos EUA, surgem como espaços de intercâmbio cultural, que encorajam a diplomacia e a disponibilização de informação técnico-científica, tomando geralmente a forma de salas de estudo. Estes espaços estão espalhados um pouco por todo o país, nas Universidades do Porto, de Aveiro, dos Açores, NOVA e de Lisboa, estando presentes nesta última na Faculdade de Letras e no IST.
O American Corner do IST, situado no Pavilhão de Química (adjacente à biblioteca da Torre Sul), foi inaugurado em junho de 2011, pelo então embaixador dos EUA em Portugal, Allan J. Katz, e pelo Presidente do IST à data, António Manuel da Cruz Serra, estando desde aí a cargo de Hermínio Diogo, professor no Departamento de Engenharia Química do IST. O American Corner promoveu, durante 14 anos, diversas iniciativas, de entre as quais palestras com oradores norte-americanos – cujos temas se alinham com a missão do IST – chegando até a receber o astronauta John “Danny” Olivas. Neste espaço existe ainda uma sala de estudo em grupo, com possibilidade de reserva, e computadores que possibilitam o acesso à plataforma eLibraryUSA – um conjunto de bases de dados que disponibilizam revistas e artigos científicos, teses, enciclopédias e entre outros recursos.
Esta parceria também deu à luz o iStartLab (outrora denominado Técnico Innovation Laboratory) – um espaço com as finalidades de modelação e impressão 3D – inaugurado em 2015, pelo então presidente do IST, Arlindo Oliveira, pelo embaixador dos EUA em Portugal à data, Robert A. Sherman, e pelo Dr. Craig Mello, vencedor do Prémio Nobel da Medicina em 2006. Este espaço localiza-se no piso -2 do Pavilhão de Matemática e, contrariamente ao American Corner, possui acesso condicionado.
A este programa era atribuído um orçamento de caráter anual de 20 mil euros e dependia da aprovação por parte da embaixada de projetos previamente submetidos, processo supervisionado por Pedro Amaral, Vice-Presidente do IST.
O recente cancelamento dos American Corners
A 5 de março do presente ano, a Embaixada dos EUA em Portugal enviou um comunicado às instituições que integram o projeto American Corner, informando-as do seu cancelamento imediato e do corte do seu financiamento. Embora não tenha sido indicada nenhuma razão para o cancelamento do projeto, segundo informação facultada por Pedro Amaral, o comunicado fez-se acompanhar de um questionário composto de 36 questões, consideradas “bastante desadequadas” pelo presidente do IST, Prof. Rogério Colaço.
As questões colocadas ao IST incluem: se está associado a organizações terroristas, a cartéis de droga e à Organização das Nações Unidas; se procura limitar ou encorajar a migração e a imigração ilegal; se coloca em prática as políticas e as ideologias dos EUA e se procura reforçar a sua soberania; se o American Corner não se trata apenas de um projeto de justiça climática, entre outras perguntas.
O IST optou por não responder ao questionário que lhe foi enviado, encaminhando, alternativamente, um comunicado ao Departamento de Estado dos EUA com vista a esclarecer a referida entidade. No referido documento, para além de alegar que o IST geriu minuciosamente o orçamento atribuído ao American Corner e cumpriu meticulosamente os objetivos do referido programa, reforça o papel do IST enquanto instituição pública de ensino superior, que se encontra em conformidade com as leis de qualquer estado democrático da União Europeia.
O futuro dos protocolos e dos projetos científicos entre universidades portuguesas e universidades norte americanas
Quanto à reativação do American Corner, Hermínio Diogo diz estar aberto a retomar o acordo anteriormente estabelecido, dependendo das condições definidas pela administração norte-americana sob a presidência atual de Donald Trump. No entanto, ainda não há garantias concretas.
Apesar da abrupta suspensão do protocolo American Corner, os restantes protocolos e acordos formais existentes entre o IST e as universidades norte-americanas mantêm-se ativos. De acordo com a professora Zita Martins, Vice-Presidente para Assuntos Internacionais do IST, os atuais protocolos abrangem tanto colaborações gerais como a mobilidade de docentes, investigadores e alunos. Existem então sete instituições nestas condições: Johns Hopkins University, com um protocolo geral de colaboração; Thomas Jefferson University, com um protocolo geral de colaboração e com um protocolo de mobilidade de alunos; Carnegie Mellon University, com um protocolo Dual Doctoral Programme; Michigan State University, com um protocolo geral de colaboração; Western Michigan University, com um protocolo de Duplo Grau; Lawrence Technological University, com um protocolo geral de colaboração; e UChicago Argonne, com um protocolo de mobilidade de docentes e de investigadores.
É de destacar que nenhum destes protocolos envolve qualquer financiamento direto, sendo somente “enquadramentos para que a mobilidade esteja devidamente formalizada entre as partes”, facilitando assim a colaboração internacional.
Quanto ao futuro dos projetos científicos e de investigação entre os Estados Unidos e o Técnico, a professora Fátima Montemor, responsável por esta questão, mostra-se confiante: “Espera-se um futuro onde a ciência e o conhecimento se possam desenvolver de forma isenta e enquadrada pelos melhores padrões de colaboração internacional.” Fátima Montemor acrescenta ainda que espera que os projetos científicos que se encontram em vigor possam vir a ser finalizados, de modo a “evidenciar os altos padrões pelos quais se regem as atividades científicas que envolvem investigadores do IST”.
O impacto na comunidade académica
Mais do que um problema imediato, este episódio recente veio perturbar a confiança nas relações institucionais entre os dois países. O cancelamento do American Corner teve um efeito imediato nas estruturas formais de cooperação entre o IST e as universidades norte-americanas, tendo abalado as pontes que o Técnico construiu com estas mesmas universidades ao longo de vários anos.
Contudo, os impactos diretos na comunidade académica, e mais propriamente científica, ainda são muito difíceis de quantificar. Mesmo assim, a professora Fátima Montemor relembra que “todas as colaborações científicas conduzem a impactos positivos, mesmo aquelas que podem, por motivos não antecipados, ser interrompidas prematuramente”.
Apesar de nenhum dos restantes protocolos em vigor ter sido descontinuado, este acontecimento levanta incertezas e preocupações quanto à continuidade destes projetos, devido à possível perda de financiamento. “A possibilidade de alguns projetos financiados pelos EUA perderem financiamento poderá conduzir a uma não concretização das atividades.” Esta perda de financiamento afeta tanto o desenvolvimento de dissertações como a aquisição de equipamentos. Caso se confirme, será, portanto, “necessário encontrar planos de contingência, financiamentos alternativos e novas colaborações” com urgência.