Autoria: Sara Rijo (LEIC)
“Tenho depressão…” – diz para si o Vasco ao ver o famoso ‘RE’ na pauta de CDI 3 – “… e cinco outras mentiras que posso contar a mim mesmo.”
Mas será mesmo isto uma mentira? 280 milhões de pessoas mundialmente têm depressão, segundo a World Health Organization[1], cerca de 3.8%, incluindo 5% dos adultos. Cerca de 10 em cada 100 mulheres de idades entre os 18 e os 24 anos e 3 em cada 100 homens, da mesma faixa etária, têm depressão, afirma a Healthdirect Australia[2].
“Talvez tenha mesmo chumbado a Cálculo 3 por causa da depressão e não pela falta de qualidade de ensino do Técnico. “ – reflete o Vasco, momentos depois.
Bem, infelizmente não estou aqui para falar sobre a cultura de exigência e valorização do sofrimento no Técnico. Venho tentar falar da depressão de forma mais científica e, espero eu, de forma mais otimista.
Há várias teorias sobre o porquê de existir esta doença, que é atualmente o problema de saúde mais comum na União Europeia. Alguns investigadores argumentam que a depressão pode ser vista como uma resposta evolucionária a períodos de stress intenso que tem como objetivo conservar energia. Outros defendem a hipótese do desregulamento do ritmo circadiano: o ciclo biológico de 24h que dita a alternância entre períodos de consciência e sono. Este ciclo exerce também uma grande influência sobre vários processos tais como a regulação de hormonas e de alguns neurotransmissores e oscilações de humor. Por outro lado, as grandes farmacêuticas e outros cientistas apoiam a ideia do desequilíbrio de neurotransmissores no cérebro como a causa principal. Concluindo, ninguém sabe muito bem o que é a depressão.
“Será que devia só desistir de tomar antidepressivos… Não é como se eles estivessem a funcionar… As minhas notas que o digam.” – suspira o Vasco.
Sim e não. O Vasco começou a tomar fluoxetina, ou, melhor conhecida pelo seu nome de mercado, Prozac, há quatro semanas. Neste caso o Prozac é um SSRI – um inibidor de recaptação da serotonina.
“Ah.. serotonina, aquele neurotransmissor da felicidade… claro que as grandes farmacêuticas dizem que isto vai funcionar para que eu compre mais…”
O que um SSRI faz, em termos simples, é bloquear a recaptura de serotonina por certos neurónios, de forma a haver uma maior quantidade desta hormona no cérebro. Serotonina = felicidade, logo mais serotonina = mais felicidade. Certo? Infelizmente o cérebro é mais complexo que uma equação, mesmo que seja uma equação diferencial vetorial de 1ª ordem. Na realidade, ninguém sabe muito bem porque é que os SSRIs funcionam.
A primeira classe de antidepressivos, chamada inibidores de MAO (monoamina oxidase), foi criada acidentalmente. Nos anos 50, um grupo de cientistas estava a testar um novo medicamento para a tuberculose, a iproniazida, e descobriu um melhoramento de humor e sintomas depressivos por parte dos pacientes. E a partir daí foi-se desenvolvendo a teoria do desequilíbrio dos neurotransmissores.
Mas não ficou por aqui. Se não, o Vasco não estaria a tomar Prozac, um dos medicamentos mais populares para a depressão. Depois do êxito dos inibidores de MAO, as grandes farmacêuticas, entusiasmadas por finalmente poderem entregar uma proposta de ajuda e cura a 280 milhões de pessoas (ou por se aperceberem de um novo público alvo de 280 milhões de pessoas desesperadas por se sentirem normais), desenvolveram outra classe de antidepressivos, os SSRI, que o Vasco, milhões de pessoas mundialmente e até a mãe do Vasco estão a tomar.
“A minha mãe está a tomar antidepressivos há anos e está bem. Não percebo porque é que não funciona comigo… – Vasco.
Bem, tal como não se sabe porque é que os antidepressivos funcionam, também não se sabe porque é que não funcionam em certas pessoas, por isto mesmo é que a teoria do desequilíbrio de neurotransmissores é uma hipótese. Acredita-se que a depressão possa ter causas genéticas e hereditárias, tendo as pessoas com antecedentes desta doença na família 2 a 4 vezes maior probabilidade de a desenvolver ao longo da vida. No entanto, as ligações cerebrais e química de cada pessoa são diferentes e isto não é uma sentença certa. Sabe-se ainda que existem certos genes que se podem mostrar aliados à resistência à depressão, outros que a favorecem, mas ninguém descobriu ainda as suas causas biológicas ou evolucionárias exatas.
“Ou seja a culpa é da minha mãe… chumbei a CDI 3 por causa dela”
Calma Vasco, a senhora Constança não tem culpa que tenhas depressão, nem que o Prozac funcione com ela e não contigo. Tal como disse, ninguém sabe exatamente porque é que os antidepressivos não funcionam nalgumas pessoas. Por isso, normalmente, os psiquiatras lembram-se que existem SNRIs neste caso, como segunda linha de tratamento.
Os SNRIs são ainda outra classe de antidepressivos. Estes, em vez de apenas aumentarem a quantidade de serotonina disponível no cérebro, aumentam também a noradrenalina .
A noradrenalina é um neurotransmissor que está associado com o mecanismo de ‘Fight or Flight’ do corpo, assim como a concentração, motivação e tempo de reação. E faz sentido, certo? O Vasco está triste, logo vamos dar-lhe mais felicidade, ou serotonina. O Vasco não tem motivação para sair da cama para ir estudar o teorema de Stokes, então vamos aumentar-lhe a noradrenalina.
Talvez seja isto o que a psiquiatra do Vasco irá pensar na próxima consulta.
E é quase o que acontece na realidade. Usualmente os pacientes que não respondem aos SSRIS respondem melhor aos SNRIs. E mais uma vez, ninguém sabe muito bem porquê. Pensa-se que existem diversos fatores, desde genética, tipo e gravidade da depressão, e até a pré-existência de outras condições tais como a ansiedade, transtornos de pânico e outros.
Talvez a psiquiatra do Vasco lhe recomende um antidepressivo atípico, que atua em receptores e neurotransmissores diferentes dos das classes mais comuns. Ou pode mesmo indicar um antidepressivo tricíclico (TCAs) que atua não só ao nível da serotonina e noradrenalina mas mas também ao nível de outros neurotransmissores.
Na realidade, o Vasco ainda tem algum caminho a percorrer pela frente. Acertar no tipo de medicação e dose é um processo de tentativa e erro, mas se o Vasco receber apoio, seguir o tratamento e tentar manter hábitos de vida saudáveis, é provável que consiga superar esta doença antes de acabar o curso e evitar recaídas no futuro.
Portugal ocupa o quinto lugar entre os países com o maior número de diagnósticos dessa doença.[3] Cerca de 1 em cada 6 pessoas terão depressão nalgum ponto na sua vida, e 1 em cada 4 destes terão o seu primeiro episódio antes dos 20 anos. Mas é também facto que a taxa de remissão desta doença é estimada entre 35-60%[4][5], de modo a que o Vasco se deveria sentir otimista. Afinal, a probabilidade de recuperar da depressão é maior do que a de chumbar a Cálculo 3[6].
Referências e notas:
[1] World Health Organization – Depressive disorder (depression) [Acedido pela última vez a 20/11/2023]
[2] Health Direct – Depression in young people [Acedido pela última vez a 19/11/2023]
[3] SNS24 – Depressão [Acedido pela última vez a 19/11/2023]
[4] The prospective long-term course of adult depression in general practice and the community. A systematic literature review [Acedido pela última vez a 19/11/2023]
[5] Reconsidering the prognosis of major depressive disorder across diagnostic boundaries: full recovery is the exception rather than the rule [Acedido pela última vez a 19/11/2023]
[6] Em relação à percentagem de alunos chumbados no ano letivo de 2022/2023 no curso de LEIC-A (21.1%).