Uma questão de Química

Autoria: Ângela Rodrigues (LEFT) 

“Nós temos um ritual muito romântico” – dizem-me, com um ar apaixonado, e eu começo a pensar no que se poderá seguir -“Antes de irmos dormir, mandamos mensagem um ao outro a dizer «dorme bem, beijinho»”. Ah, isto é o que consideramos ultra romântico e super fofo? Foi desta que bateu com a cabeça, alguma coisa neste cérebro não está a funcionar bem… Escusado será dizer que, como palhaça que sou, decidi começar a fazer o mesmo, por achar ridículo.  

Numa tentativa de compreender o cérebro dos que me rodeiam, decidi aprofundar os meus conhecimentos científicos sobre o amor. Há ciência no amor e este deixa a sua marca no cérebro. 

De um ponto de vista biológico, o amor romântico é considerado uma estratégia de aquisição de emoções necessárias para a sobrevivência da espécie, traduzindo-se numa alteração de comportamentos, de modo a aumentar a probabilidade de atingir este fim [1]. Cientificamente, o amor não passa de um conjunto de alterações a nível neurológico, mediadas por neuropeptídeos e neurotransmissores. Se estes nomes podem parecer uma dor de cabeça, passo a fazer uma espécie de “Neuroendocrinologia for Dummies” (talvez, neuroendocrinologia não seja o nome mais animador).

Se, de algum modo, consegui captar a tua atenção e ainda estás a ler isto, prossigamos. 

As nossas emoções são processadas pelo sistema límbico, que é, nem mais nem menos, a parte do cérebro associada às respostas emocionais e comportamentais, em especial, as relacionadas com as questões de sobrevivência, como alimentação, reprodução e reação a estímulos externos [2,3]. 

Não é preciso mais do que uma simples “faísca” de atração para despertar a VTA (área tegmental ventral), a zona do sistema límbico responsável pela ativação de um “sistema de recompensas”, que começa a produzir dopamina, conhecida como o neurotransmissor do bem-estar [4].  

Quando nos apaixonamos, os neurotransmissores relacionados com este circuito de recompensa produzem uma série de reações como aumento do ritmo cardíaco, palmas das mãos suadas, bochechas coradas, sentimentos de ansiedade e de paixão [5] (pensava que sofria de ansiedade social, afinal tenho apenas um severo caso de me apaixonar por todas as pessoas com quem me cruzo, mas sem a parte da paixão). 

De facto, não é muito diferente de uma crise de ansiedade, já que os níveis de cortisol aumentam numa tentativa de preparar o corpo para a situação de stress e, à medida que isto acontece, os níveis de serotonina baixam, o que induz aqueles pensamentos intrusivos e obsessões de princípio de relação [5] (Sim, é exatamente isso que estão a pensar, aquelas coisas de não pensarmos em mais ninguém, ao ponto dos nossos amigos já não conseguirem ouvir o nome do nosso mais recente objeto de admiração).

Deixando as obsessões de lado e voltando ao bem-estar, a dopamina percorre a via mesolímbica até ao núcleo accumbens, uma espécie de torre de controlo dos estímulos recebidos, preparando o cérebro para receber a “recompensa” agradável, o que se traduz num aumento de sensações de euforia e desejo [1,4,5]. Ficamos viciados no ato de amar, portanto, estar apaixonado não é muito mais do que estar sob o efeito de álcool ou drogas (não me citem aqui, por favor, sou só alguém que tinha demasiado tempo livre e se dedicou a pesquisar sobre isto).

Talvez apreciemos mais o ato de amar do que o amar em si.

É aqui que começam as más notícias, o amor faz-nos perder o julgamento (mas não desesperem, continuamos a julgar os outros, só o objeto da nossa admiração é que fica livre dele). 

O cérebro, já com pouca capacidade de discernimento devido ao efeito da droga amor, decide desativar a amígdala, que é responsável pela percepção do medo e da tristeza, pelo que passamos a sentir-nos protegidos na presença daquela pessoa. O hipotálamo produz, entre outros neuropeptídeos, a oxitocina, também conhecida como a hormona do amor. E, se o julgamento já estava fraco, acabou de ficar pior. Durante, por exemplo, um abraço ou um beijo, a oxitocina entra na corrente sanguínea e desativa a capacidade de julgar, o que promove a confiança entre as pessoas [2] (Por isso, se querem manter o vosso discernimento intacto, não se metam nestas coisas).

A capacidade de pensar logicamente, de julgar e de analisar o objeto da nossa afeição é suspensa (Pois, pois, não vimos as red flags, mas elas estavam lá desde o início, não é?).

E esta falta de capacidade de pensar tem consequências para todos os que estejam, de algum modo, na proximidade do casal. Não serei a única que se depara com histórias (stories) em que uma das partes do casal coloca uma fotografia (normalmente, em frente a um espelho, não me peçam para explicar porquê) com uma legenda do género “0.1, um mês contigo <3”. Isto deixa-me profundamente transtornada. A demonstração afetuosa? Não. O facto de dividirem o ano com uma escala decimal e não duodecimal. Os vossos anos só têm 10 meses? O ano termina em outubro, não há novembro ou dezembro? Ah, mas podem estar só a arredondar 0.08(3) para 0.1 por uma razão estética. Não, isso não faz sentido, 1/12 não é esteticamente apreciável? Claramente, vítimas de pensamentos pouco críticos…

É isto, o amor torna-nos burros inconscientes. Mas nem tudo é mau!

Estudos efetuados com arganazes-do-campo demonstraram que, sempre que estes roedores estavam perante os seus parceiros, após ultrapassarem obstáculos, os sensores ligados à região do cérebro responsável por motivar os humanos na busca de algo que dê prazer detetavam aumento da libertação de dopamina; quando estavam perante outro roedor que não o seu parceiro, não havia libertação de dopamina [6]. Ou seja, o amor pode ser uma fonte de motivação.

Outros estudos efetuados com roedores sugerem que podem vir a ser utilizados métodos para terapia de autismo com base na “restauração” de oxitocina. Além disso, quando estamos na presença de pessoas com quem temos uma relação, a produção de oxitocina diminui a produção de cortisol, o que se traduz numa diminuição do stress e da ansiedade [7]. 

Referências
[1] The neuroendocrinology of love [Acedido pela última vez a 15/2/2024]
[2] Cérebro: Onde mora o amor [Acedido pela última vez a 15/2/2024]
[3] The limbic system [Acedido pela última vez a 15/2/2024]
[4] Are you in love or just high on chemicals in your brain? Answer: Yes [Acedido pela última vez a 15/2/2024]
[5] Love and the brain [Acedido pela última vez a 15/2/2024]
[6] Como o amor deixa mesmo uma marca no cérebro e como a dopamina é essencial para manter o sentimento vivo [Acedido pela última vez a 15/2/2024]
[7] Ocitocina: O poder da hormona do amor [Acedido pela última vez a 15/2/2024]

Leave a Reply