“Tanta gente passa a vida a esconder a sua história, a sentir vergonha ou receio quando a sua verdade não está à altura de um qualquer ideal estabelecido. Cresci com um pai com uma deficiência, numa casa demasiado pequena sem muito dinheiro, num bairro votado ao fracasso, mas também cresci rodeada de amor e música, numa cidade diferente e num país onde a educação nos pode levar longe. Não tinha nada, ou tinha tudo. Depende de como quisermos contar a história.”-Michelle Obama, na sua autobiografia intitulada Becoming.
Autoria: Tânia Stattmiller, MEQ (IST)
Michelle Obama é, hoje em dia, uma das mulheres mais influentes da nossa geração. Sendo a primeira afro-americana a desempenhar o papel de primeira dama dos Estados Unidos da América, tornou-se um símbolo de liberdade, igualdade, esperança e, sobretudo, de feminismo. Becoming é mais que uma biografia, é um livro essencial para qualquer pessoa, mas, em especial, para qualquer mulher.
Neste mês que assinala o dia internacional da mulher, é imprescindível falar de mulheres que inspiram outras mulheres. Nesta biografia, deparamo-nos com o testemunho cru e realista contado na primeira pessoa, de uma mulher que construiu o seu próprio caminho, sem nunca deixar ofuscar os seus sonhos e ambições pela presença de um homem, uma sociedade que lhe impunha regras e normas e a sua origem humilde e simples de um bairro pobre dos arredores de Chicago. Numa leitura simples e leve, ficamos a conhecer Michelle Obama, não como uma das mulheres mais famosas da América, mas como uma mulher igual a todas nós, que luta diariamente por se manter fiel a si mesma numa sociedade que muitas vezes dita as regras da nossa vida.
Ao longo dos anos, reconhecer o nosso valor enquanto mulheres, na sociedade em que vivemos, tem sido uma luta constante e diária. Quantas vezes nos deparamos com o sentimento de que não somos boas o suficiente? De que, por qualquer motivo, estamos a cumprir aquilo que a sociedade dita para nós enquanto mulheres em vez do que realmente ambicionamos?
Michelle cresceu num pequeno apartamento no South Side, em Chicago. Sendo descendente de afro-americanos, estava consciente da separação racial que existia, não só no seu bairro, como também no próprio país onde vivia. Enquanto mulher negra, ao longo do seu percurso escolar, cresceu com a ideia de que tinha que ser melhor que todos os outros para ter metade do êxito. Poucas são as mulheres que não passaram por situações de preconceito, racismo ou abuso de poder e não tiveram de lutar para fazer prevalecer as suas qualidades e feitos. Apesar de tudo, Michelle cresce e estuda, ambicionando sempre mais. Entra em Princeton, contra o conselho do orientador escolar, que lhe disse, despreocupadamente, que não a achava suficientemente boa para entrar numa faculdade de tal prestígio. Desafia todos os preconceitos, estudando, mais tarde, na faculdade de Direito de Harvard, começando, depois, a trabalhar numa das mais prestigiadas firmas de advogados dos Estados Unidos da América.
“Juntos, no nosso pequeno apartamento no South Side, em Chicago, ajudaram-me a reconhecer o valor da nossa história, da minha história, da história do nosso país num sentido mais lato. Mesmo quando não é bonita ou perfeita. Mesmo quando é mais real do que gostaríamos que fosse. A nossa história é o que temos, o que teremos sempre. É algo que devemos assumir como nosso.” Independentemente daquilo que somos, de onde vimos ou do que fazemos, todos conseguimos criar oportunidades para o nosso futuro. Hoje, mais do que nunca, devemos comprometer-nos para que haja uma mudança social. Valorizar cada indivíduo, não o rotulando como mulher ou como homem, mas sim reconhecendo as suas qualidades enquanto ser humano.
“Queria ter uma vida profissional e uma vida familiar, mas com a promessa de que uma nunca iria abafar a outra. Poderia ter tudo? Viria a ter tudo?” Anos depois de outras mulheres terem dado início à luta feminista e à defesa dos direitos das mulheres, continuamos a deparar-nos com estas e outras questões. Gostaria que tivéssemos pelo menos evoluído até ao ponto em que já não temos de explicar as nossas escolhas profissionais e pessoais, com a ideia de que uma se sobrepõe à outra e de que as duas não poderão ocorrer em simultâneo. Ser mãe ou ser mulher não define as nossas capacidades profissionais. Em Becoming, Michelle mostra-nos a vida com Barack Obama e como se afirmou enquanto mulher e profissional, não abdicando dos seus sonhos em prol dos sonhos e ambições políticas do marido.
“Estava de acordo com o meu desejo de que crescessem fortes, com pontos de referência e sem tolerância para com qualquer forma de patriarcado à moda antiga: não queria que elas pensassem que a vida começava quando o homem da casa chegava. Nós não esperávamos pelo pai. Cabia-lhe a ele chegar a horas e estar connosco.” Enquanto na nossa sociedade vincular a ideia de que ser mãe e mulher é um impedimento para se alcançar objetivos profissionais, o patriarcado continuará presente.
Este não é necessariamente um livro sobre política, sendo que a mesma não é abordada de uma forma exaustiva. No entanto, Michelle encoraja-nos a usar a nossa própria voz enquanto cidadãos e enquanto mulheres, para expressar a nossa vontade e opinião. Ficar em casa no dia das eleições não é uma opção. “Para mim, votar era um hábito, um ritual saudável que devia ser cumprido com consciência em todas as oportunidades.”
“Aprendi que por vezes a confiança tem de vir de dentro. Já repeti as mesmas palavras para mim mesma muitas vezes, em muitas subidas. Sou suficientemente boa? Sim, sou.” É normal ficarmos nervosos em situações novas, o que nos define é a forma como escolhemos lidar com esses desafios. Como primeira dama, Michelle usou a sua voz para criar um conjunto de iniciativas de forma a promover e ajudar crianças e jovens em todo o mundo. Criou a iniciativa Let’s move, para combater a obesidade infantil e promover uma alimentação saudável ou a Let Girls Learn, na qual encorajava e ajudava adolescentes por todo o mundo a ter acesso à educação. Uma das coisas que mais me surpreendeu ao ler Becoming foi a forma como Michelle renunciou a uma carreira de sucesso como advogada, com todos os benefícios inerentes a esse cargo, para perseguir uma carreira ligada ao voluntariado que ajuda jovens a alcançar as suas aspirações profissionais.“Resignamo-nos com o mundo tal como ele é, ou trabalhamos pelo mundo como ele devia ser?”. Para mim, uma das aprendizagens mais relevantes deste livro é a reflexão que nos proporciona. Michelle termina a obra explicando-nos que tudo é um processo e que a transformação é nunca desistir da ideia de que há mais crescimento por implementar. Um livro que nos ensina a repensar as nossas escolhas e nos dá coragem para seguir os nossos sonhos, mesmo que, por vezes, pareçam impossíveis…