Camões foi à Índia, Antero ao espaço

Autoria: Francisco Raposo (MEFT)

Encontrei, há algum tempo, um artigo no Expresso [1] sobre uma iniciativa que levou para a Lua diversos elementos da arte e literatura mundial em formato digital, entre os quais, obras de vários autores portugueses. Quando li o título, “Centenas de livros em português foram enviados para a Lua”, admito que senti alguma cobiça. Se sempre que vou a uma livraria em Portugal, preciso de deixar uma pequena fortuna para comprar livros, é natural que sinta alguma inveja dos extraterrestres, que poderão agora ler alguns de graça.

Mas não é bem assim, muitos dos livros lançados (desta vez em foguetão) já faziam parte de diversas bibliotecas e arquivos disponíveis online gratuitamente, ao contrário, aliás, do artigo em questão do Expresso.

Entre os autores cujas obras foram enviadas para o espaço constam Antero de Quental e Alexandre Herculano, mas, aparentemente, Luís de Camões não se encontra na lista, o que é até irónico, considerando que só um lunático leria Os Lusíadas do príncipio ao fim sem ser obrigado. As armas e barões assinalados passaram além da Taprobana, mas nunca atravessaram a estratosfera. Se tivesse a hipótese, trocaria a praia lusitana pelo Mar da Tranquilidade. A renda é capaz de ser mais barata.

A compilação inclui extenso conhecimento científico e artístico, e uma coletânea de milhões de artigos do Wikipedia, o que julgo ser excelente. Alegra-me que a Ode Marítima possa ter acompanhado uma biografia detalhada do Quim Barreiros. É reconfortante saber que se valoriza o trabalho de um dos maiores nomes da cultura portuguesa, e o de Fernando Pessoa também.

O objetivo da iniciativa é preservar o conhecimento humano para todo o sempre, ou, pelo menos, até arranjarem maneira de implementar paywalls também em território lunar. Os elementos ali reservados devem sobreviver a qualquer catástrofe civilizacional que possa acontecer no nosso planeta, como um inverno nuclear, ou o meu primo José comer novamente queijo (ele dá-se mal com laticínios em geral). Só é pena que os tenham colocado tão longe. Vítimas dessas calamidades beneficiariam imenso do acesso total à história da espécie humana, no sentido de que sentiriam menos pressão de a querer preservar. 

Consigo imaginar o tipo de conversas que se procederiam entre sobreviventes de um inverno nuclear: “Oh Zé, agora que nos nasceu um terceiro olho, julgo que finalmente conseguiria ler o Guerra e Paz em tempo útil. Vê lá se todos os teus orgãos internos param de sangrar, para que possamos ir à Lua”. O problema seria então o de efetuar planos para ir à Lua, que costumam ser complicados. Mesmo havendo os recursos necessários, são necessários a mestria e o conhecimento de como os aproveitar. Conseguem adivinhar o melhor local para obter o conhecimento de como chegar à Lua, para ir buscar o conhecimento que está na Lua? Pois…

De resto, considero uma boa medida, capaz até de levar a literatura portuguesa aos patamares mais altos, no sentido literal. Fico particularmente satisfeito por haver-se incluído Eça de Queiroz, cuja obra aprecio muito. Impressiona-me, ainda assim, que o tenham conseguido levar para a Lua. Trazê-lo para o Panteão já é o que é…

Referências:

[1] Centenas de livros em português foram enviados para a Lua (e ninguém reparou) | Expresso (acedido a 29/02/2024)

Leave a Reply