Autoria: Francisco Ferreira (LEIC-T)
No passado dia 29 de Dezembro, o mundo do futebol foi abalado com a notícia da morte de Pelé. O rei do futebol, tendo jogado numa era em que as filmagens eram raras e tendo o seu talento pouco documentado, por vezes é negligenciado pelos fãs mais jovens deste desporto. Principalmente em Portugal, foi dito que Cristiano Ronaldo já tem um legado muito maior que o rei, que a nostalgia engana e que o português é o melhor de todos os tempos. Vamos então analisar por partes, com foco na parte final da carreira de CR7.
O trajeto
A meio de 2018, com a transferência para a Juventus, alguns já viam claramente um declínio na prestação do jogador. Mesmo sendo transferido para um clube de topo, as boas prestações de Ronaldo passaram a ser mais ocasionais, com este facto a passar despercebido pela clara dominância da Veccia Signora no campeonato italiano. Os trajetos na Liga dos Campeões passaram a ser mais curtos, terminando sempre aos pés de clubes fora das ligas Top 4 (nomeadamente Lyon, Ajax e Porto). O campeonato italiano foi perdido, pela primeira vez em 10 anos, e Cristiano decidiu abandonar o barco. Ao ver que nos Bianconeri se afigurava impossível qualquer conquista europeia, Jorge Mendes pôs-se ao trabalho e começou a estabelecer potenciais destinos, com a decisão final a ser qual o lado de Manchester em que o madeirense jogaria. Em honra das tradições e ligações antigas, Ronaldo tomou a decisão errada. Uma chamada de Alex Ferguson desviou o português de um fim de carreira descansado e Old Trafford voltou a receber o astro. Um clube em crise, com grande rotatividade de treinadores, terminou com um 6º lugar e nova frustração europeia. Após este desastre, Ronaldo foi relegado para o banco e durou apenas mais meia época antes de ser obrigado a desistir da Europa. Mudou-se a 1 de Janeiro de 2023 para o Al-Nassr, trocando a oportunidade de jogar na Europa num clube mais modesto pela ganância de um contrato multimilionário. Mas o que aconteceu para uma carreira tão grandiosa ter um final tão triste?
O que correu mal
Em termos de futebol, Ronaldo nunca desapontou. O seu maior problema foi aceitar quando era a altura de parar. Quando as suas prestações começaram a declinar e algumas críticas vieram, Ronaldo reagia com golos e melhores prestações. Quando isso deixou de ser suficiente, o ego do português vencia a batalha.
Já em 2016, quando Xavi disse numa entrevista que, apesar do talento e inteligência de Ronaldo, Messi era indiscutivelmente o melhor da história, Ronaldo respondeu “O jogador mais procurado da internet sou eu. Ele quer aparecer nas capas dos jornais e fala de mim. Que me importa que ele fale de mim, joga no Catar ou lá o que é. Ganhou tudo, mas nunca ganhou uma Bola de Ouro”.
Em 2022, quando os seus antigos colegas no United Rooney e Ferdinand criticavam as prestações e atitudes do português, Ronaldo respondia que enquanto estes estavam reformados, ele continuava a jogar no palco principal. A 14 de Novembro, foi publicada a polémica entrevista com Piers Morgan, em que o português insultava a gestão do clube, e todos os treinadores recentes. Afirmou sentir-se desrespeitado e troçado pelo treinador atual. Estas declarações levaram o Manchester United a procurar ação judicial e culminaram com o término do contrato por mútuo acordo no dia 22.
Após esta saída, a seleção portuguesa iria jogar o Mundial. Uma oportunidade para Ronaldo provar que ainda conseguia brilhar no maior palco. A chave do torneio apontava para um encontro lendário entre portugueses e argentinos na final. Porém, fracas exibições da equipa das Quinas levaram a uma eliminação frente a Marrocos. A vitória da Argentina (e consequentemente de Messi) foi um golpe muito forte na autoestima de Ronaldo e um ponto nada abonatório no debate de “Melhor de Todos os Tempos”.
A tragédia de Ronaldo sempre foi esta: a comparação com os outros. Já desde 2008, quando ganhou a sua Bola de Ouro, Ronaldo afirmava sempre, de forma veemente, que era o melhor do mundo. E não soube resignar-se quando deixou de o ser. As críticas chegaram e Ronaldo (e, para seu infortúnio, as suas irmãs) reagiram da pior forma.
Um legado danificado
Ronaldo construiu uma carreira invejável, batendo todos os recordes que havia para bater. Mas neste momento, nenhuma das equipas pelas quais jogou o receberia com o consenso de todos os adeptos, incluindo até a seleção.
Começando pelo Real Madrid, mal abandonou o clube espanhol, Ronaldo afirmou que se sentiu desrespeitado pelo presidente e que não se sentia reconhecido por tudo aquilo que fez pelo clube. Chegando mesmo a dizer que saiu do clube por causa de Florentino Pérez, Ronaldo foi escorraçado dos Merengues, sem direito a despedida formal e sem uma relação com o maior presidente da história dos madridistas.
Na Juventus, apesar de ter boas prestações e ser respeitado pelos adeptos (já desde o fantástico golo apontado enquanto estava no clube anterior), nunca teve uma relação pacífica com quem o treinava. Além disso, não esteve tempo suficiente nem trouxe nada de novo aos italianos.
No Manchester United, foi onde fez mais estragos. Considerado em 2022 um desestabilizador de balneários (estando alegadamente envolvido em distúrbios com outros jogadores e treinadores), um sempre sereno Erik Ten Hag nunca respondia à letra, tendo sempre a resposta diplomática de colocar o jogador no banco quando causava problemas. Isto causava desacordos entre os adeptos, uns pediam a demissão do treinador e outros queriam a saída do português. A saída de Ronaldo do estádio antes do final do jogo com o Tottenham, como resposta a não ter entrado antes dos 90’, levou a mais uma sentença disciplinar do treinador. A entrevista a Piers Morgan foi a última gota e relembrou a velha máxima: “Nenhum jogador é maior que o clube” e Ronaldo foi rapidamente posto na rua. Os resultados dos Red Devils melhoraram instantaneamente, o que não foi nada abonatório para a memória do português em Inglaterra.
A saída para o Al-Nassr em Janeiro fez cair 2 pontes. Por um lado, ao recusar o claro interesse do clube que o formou em troca de um contrato ridiculamente valioso, vários sportinguistas começaram a perceber que o sentimento não era mútuo: o regresso a Alvalade não era visto seriamente por CR7, era sempre algo que era dito por casualidade. Por outro lado, uma das cláusulas do contrato era ser embaixador da candidatura saudita à organização do Mundial 2030, em clara oposição à candidatura ibérica apresentada em 2020. Isto após a prestação no Mundial 2022, em que tinha sido relegado para o banco por Fernando Santos após mais uma declaração polémica.
Apesar de grandes exibições e conquistas por todas as equipas em que jogou, após sair, Cristiano era acompanhado de polémicas que causavam relações atribuladas com colegas, treinadores, presidentes e adeptos. Mas este fim não foi escolhido apenas pelo jogador. Críticas injustas dos media e reportagens quando a carreira se encontrava num ponto baixo, levaram a pequenas explosões de frustração que davam lugar a capas de jornais. O pecado foi não conseguir controlar os danos antes de ser tarde demais.
A sentença
Cristiano tinha tudo para ser lembrado e querido por todos. Porém, as suas atitudes fora do campo acabaram por o condenar a um final inglório no Médio Oriente. Polémicas repetidas e um ego desproporcional, tiraram-lhe a possibilidade de ser colocado ao lado dos grandes históricos do futebol. Acaba por ser encarado como uma lição: o trabalho árduo compensa e dá bons frutos, mas deve também ser acompanhado em igual medida de humildade. Ronaldo será sempre recordado como um fantástico finalizador e os seus recordes dificilmente o deixarão tão cedo, porém, apesar de ser um dos maiores da sua era, Ronaldo infelizmente não será lembrado como um dos melhores de sempre.
Referências
- https://www.record.pt/internacional/competicoes-de-selecoes/mundial/mundial-2022/portugal/detalhe/cristiano-ronaldo-chateado-por-ficar-no-banco (acedido a 18-12-2022)
- https://www.jn.pt/desporto/piers-morgan-nao-se-convence-com-exibicoes-de-messi-o-melhor-e-ronaldo-15483830.html (acedido a 14-02-2023)
- https://maisfutebol.iol.pt/made-in/espanha/ronaldo-responde-a-xavi-nao-importa-joga-no-catar-ou-la-o-que-e (acedido a 17-02-2022)