Obstinações de uma algarvia longe do mar

Autoria: Ana Oliveira (LEFT)

Estou a fumar um cigarro debaixo do meu chapéu, a esquecer-me que ocupo espaço e penso que quero uma casa amarela com muito sol, algures onde a minha loucura atenue.

TUDO SOLTO, RISCADO, MALDITO, PARADO,
INEFÁVEL!!!

Se lessem “Os paraísos artificiais”, do Jorge de Sena, saberiam que “inefável” é a minha palavra favorita da língua em que escrevo estes devaneios. Sou inquieta, pois cometo a imprudência de estar viva e de ser obcecada com as minhas mãos. Principalmente com a esquerda. Presto-lhe mais atenção já que tem as unhas pintadas de azul e só está confortável pousada nos brincos da minha orelha também esquerda. 

Continuo apaixonada pelos sinais do meu braço não direito fora da manga da camisa. A mão desse mesmo braço vestido da camisa castanha procura no seu cigarro indícios discretos e encobertos de paz. Não os encontra e isso deixa-me inconfortável, ainda por cima tenho os pés frios. 

Na futura casa amarela existe um limoeiro. Gosto de limões porque são amarelos, laranjas porque não são verdes nem azuis. Namoro com a cor e som de tudo o que se aproxima da minha beira, ou do que me rodeia, como vos soar melhor à merda dos vossos ouvidos que não gostam de jazz. Imploro em pés gelados que me deixem encontrar paz fora do meu espaço recluso de água salgada.

Já não fumo, bebo café, ainda visto uma camisa castanha e tenho mamas. 

A casa amarela é agora um prédio lisboeta preenchido por seres apáticos perante um bom dia vindo das escadas entre o primeiro e o segundo andar.

Não conheço Lisboa, mas sei de cor todas as paragens do 716 desde a Av. Gomes Pereira até à Alameda.

Com a pressa, deixo sempre louça por lavar para as plantas da florista da rua do meu bairro, que me esqueço de regar, terem companhia. A alma bondosa que mas vende conhece-me melhor que o instituto prisional em que estudo. Para lá chegar, quando não há tempo para apreciar o teatro automóvel da segunda circular pelas janelas do autocarro, espero pelo metropolitano (há quem lhe chame metro) e tento adivinhar em que estação vão as vítimas desta terra sair. 

Não conheço Lisboa, mas sei em que carruagem entrar para ter de andar menos em São Sebastião. 

Eventualmente, troco para a linha vermelha e todos os dias pondero se não devia ficar a execrar o capitalismo no jardim do Arco do Cego. 

Já no instituto, sobrevivo à corrida da aprendizagem que não tenta sequer ser disfarçada e dou por mim envolvida num mundo de engenheiros sustentado por propinas e medo, onde quase não ocupo espaço. 

O trajeto de volta para o suposto conceito de casa (que não tive tempo de assimilar) é o mesmo, à exceção da indignação que sinto ao parar na Praça de Espanha. Ninguém entra, ninguém sai… talvez ainda estejamos chateados com os espanhóis. 

Não conheço Lisboa, mas sei que cá os domingos são muito curtos para limpar a casa, lavar a roupa e apanhar sol. 

Na minha terra, há terra, há ruas.
Na minha terra, há árvores, há flores.
Lisboa não é a minha terra. 
O sol não me queima da mesma forma. 
Recuso-me a compactuar com este paraíso artificial. 

Leave a Reply