Autoria: Pedro Ruas (LEC)
Nos dias 22, 23 e 24 de Março decorreu, no Pavilhão Carlos Lopes, a terceira edição do festival SónarLisboa. Um festival dedicado totalmente à música eletrónica, contou este ano com presenças de peso nacional, como BRANKO e (mais recentemente) iolanda, e ainda de produtores luso-descendentes como Vanyfox e VHOOR, que animaram os palcos do Parque Eduardo VII. A estes, juntaram-se outros nomes de prestígio internacional, como Shygirl.
A fasquia estava alta para a edição deste ano do SónarLisboa: Após a edição de 2023, que contou com a presença de nomes como Chet Faker e Peggy Gou, assim como Arca, Thundercat e Iamddb, no ano anterior, a verdade é que o cartaz da edição de 2024 não tinha propriamente nomes tão “barulhentos” como em anos passados. No entanto, focando-se mais na sua génese eletrónica, o SónarLisboa 2024 não ficou, de todo, aquém das espetativas de quem frequentou o festival.
Os dois primeiros dias foram marcados por performances de artistas internacionalmente conhecidos no ramo da música eletrónica, deixando o último dia para sets quase exclusivamente oriundos da cultura PALOP. Entre outros, passaram pelos palcos TOMMY CASH, que veio apresentar o seu novo single “CA$H READY”, aproveitando também a oportunidade para dar uma volta inteira à sua já extensa discografia; Mona Yim, uma DJ alemã emergente, que apresentou um leque de músicas interessantes, que variavam entre, principalmente, “tech house” e “hyperpop”, demonstrando assim a razão pela qual é considerada uma das produtoras mais promissoras da eletrónica a nível europeu; e Wata Igarashi, um veterano japonês que apresentou uma mistura incrédula de sons, bastante reminiscente da produção psicadélica do house dos anos 70, e que facilmente ganharia lugar na banda sonora de um videojogo de carros que fosse lançado em meados dos anos 2000.
O Diferencial teve oportunidade de acompanhar o terceiro e último dia do Sónar, onde a multiculturalidade luso-descendente se juntou de uma forma orgânica, criando um bonito fim de festa, afirmando o talento local, e, acima de tudo, confirmando que o futuro da música eletrónica portuguesa está certamente em boas mãos. O primeiro artista que se estreou no palco principal trata-se de Celeste Mariposa, um DJ que integra as suas influências angolanas e cabo-verdianas de forma marcante na sua identidade. Foi um set de sensivelmente 2 horas, com diversas faixas a serem rodadas, desde funaná até ao kuduro, passando também por inúmeros temas de semba. Uma variedade de géneros bastante saudável, que cativou um público que ainda se fazia chegar ao festival, mas que rapidamente se viu atraído para o palco SónarClub.
De seguida, desta vez no palco SónarVillage, foi o momento de iolanda subir aos palcos pela primeira vez como vencedora do Festival da Canção. A artista, que irá representar Portugal na Eurovisão, apresentou diversas músicas, muitas delas do seu álbum de estreia de 2023, “Cura”, com espaço ainda para uma performance mais lowkey do então famoso “Grito”, que se irá dar a conhecer na Suécia em Maio deste ano. Apesar de não tão energética como muitos dos artistas que se apresentavam no cartaz, foi um set bastante interessante, principalmente para quem não se tinha ainda familiarizado com iolanda. A produção dos temas, com misturas entre pop, flamenco, andaluza e até fado, sublinharam o talento da artista emergente, que, provavelmente, não se vai ficar apenas pela participação na Eurovisão.
De volta ao SónarClub, pelas 17 horas, era tempo da atração principal entrar em ação. O lendário produtor dos Buraka Som Sistema, BRANKO, encheu o palco principal do festival, com um set que, apesar de apenas 1h, deu tempo suficiente para apresentar o seu novo álbum “Soma”, o quarto da sua carreira a solo. Para quem segue BRANKO, “Soma” não é propriamente nada de novo: o produtor mantém-se fiel à estética e ao som do kuduro, aventurando-se ocasionalmente pelo campo do kizomba. Apesar da fórmula ser a mesma, os fãs continuam a mostrar-se entusiastas, não por lealdade aos tempos dos Buraka, mas sim pelo som refinado (com mash-ups incríveis pelo meio) que o produtor da Amadora apresenta de forma consistente. Para além do disco novo, houve espaço também para rodar faixas dos seus álbuns anteriores, nomeadamente do “OBG”, no set que fechou a tarde no palco principal.
A noite foi-se instalando no Parque Eduardo VII ao som de um baile funk, cortesia de VHOOR. O produtor brasileiro, oriundo de Belo Horizonte, criou um verdadeiro clima carioca, ao apresentar um set diversificado, que misturava temas conhecidos da sua autoria, temas ainda por lançar, e colaborações com artistas famosos que foi adquirindo ao longo da sua carreira, tanto no seio brasileiro (MC Bin Laden), como internacionalmente (Anitta). Como se isto ainda não fosse suficiente, VHOOR arranjou espaço para tocar alguns remixes de músicas já conhecidas, como a mais recente “America Has A Problem” de Beyoncé. Inspirado em Miami Bass, o DJ brasileiro incorpora perfeitamente estes elementos naquilo que é o chamado “funk melody”, resultando numa combinação que põe qualquer um a mexer, num final de tarde perfeito.
Ainda no palco SónarVillage, o próximo artista a ser chamado foi Vanyfox, um DJ angolano, que pôs à vista de todos a sua aptidão para cozinhar batidas fora deste mundo. Enquanto que BRANKO ou ZenGxrl apresentam um som muito mais virado para o kuduro “tradicional”, Vanyfox vai um passo à frente e mostra uma produção mais “crua”. Esta produção distingue-se pela integração dos elementos do género africano com características de “house”, incorporando assim uma variedade de harmonias e vocais que conferem às suas faixas uma complexidade maior do que as típicas “batidas”. Para além da produção complexa, Vanyfox puxou bastante pelo seu público, tornando este set um dos mais orgânicos que o último dia do Sónar teve para oferecer.
Encerrando a noite, no palco principal, a tão ansiada Shygirl fez-se aparecer, para apresentar o seu novo álbum “Club Shygirl” (tecnicamente um EP, que foi transformado em álbum ao serem adicionadas algumas músicas). Uma verdadeira “mulher dos sete ofícios”, a cantora, produtora, rapper e DJ britânica animou os últimos instantes do festival, com as suas famosas fusões de “dance music” com hip-hop experimental, “grime” e “hyperpop”. Contudo, para muitos, foi uma performance que soube a pouco. Shygirl, apesar de nos presentear com um festival de “eurodance” e “hardcore” que pôs certamente o público que restava do festival a dançar, apresentou-se bastante ausente do microfone, deixando um clima confuso em muitos momentos da performance sobre se estaria mesmo a cantar, ou se se tratava apenas do playback das faixas originais de estúdio. Um set que não arruina, no entanto, o último dia do festival, que se dava por terminado.
Assim se concluiu mais uma edição do SónarLisboa: uma edição que, apesar de não ter chamado tanto à atenção pela ausência de nomes robustos no seu cartaz, foi bastante proveitosa para dar a conhecer à capital alguns dos artistas mais promissores que o género da eletrónica tem para oferecer. Mantendo a mesma filosofia de impulsionar o talento, não apenas internacional, mas sobretudo o luso-descendente, o SónarLisboa irá retomar no próximo ano, na mesma localidade, mas ainda sem datas anunciadas.
Referências:
[1] – Sónar Lisboa