Autoria: João Gonçalves (LEEC) e Teresa Nogueira (LEEC)
No dia 21 de março, a Camerata de Estudantes do Instituto Superior Técnico (CE-IST) realizou o seu primeiro concerto fora dos domínios do Instituto Superior Técnico (IST), na igreja de Nossa Senhora da Porta do Céu. Num espetáculo que marcou as celebrações da Páscoa, os músicos interpretaram uma seleção de “Oito Peças para Violino e Violoncelo” de Glière, e ainda clássicos como “O Messias” de Händel e o vigoroso “Concerto para Dois Violinos em Lá menor” de Vivaldi.
A CE-IST é um grupo de música de câmara formado por estudantes universitários. Este grupo reúne-se semanalmente no Técnico para ensaiar e apresentar uma variedade de peças de música erudita. A singularidade do seu conjunto instrumental, caracterizada por uma combinação invulgar de instrumentos de sopro e algumas cordas, orientou o grupo para a exploração de peças barrocas. O concerto em questão marca a sua segunda apresentação ao público, destacando-se como a primeira vez que se apresenta fora das instalações do IST. Segue-se uma análise detalhada do concerto, bem como das músicas que o integraram.
Após uma saudação cheia de entusiasmo e nervosismo, na qual o maestro expressou votos de feliz Páscoa ao vasto público reunido na igreja de Nossa Senhora da Porta do Céu, deu-se início ao concerto com “Oito Peças para Violino e Violoncelo” de Glière (1875-1956), das quais foram interpretadas cinco. O Prelúdio, de caráter misterioso e introspectivo, apresentou o violino a definir o ritmo da peça, enquanto o violoncelo tocava uma melodia assombrosa, posteriormente ecoada pelo violino. Contrapondo-se a esta atmosfera, a Gavotte emergiu como a antítese, evocando um som irónico e distintivamente retirado das eras Barroca ou Clássica, em notável contraste com a Musette intercalada, que se destacou por possuir uma tonalidade mais popular e acessível. Seguiu-se a Berceuse, uma canção de embalar tenra e melosa, onde o violino tocou uma melodia doce, sobre um ostinato complexo executado pelo violoncelo. O Intermezzo, uma valsa curta, reminiscente de um cabaré decadente, antecedeu o Scherzo, vibrante e cheio de sincopações, que concluiu o conjunto com uma energia contagiante que não deixou o público indiferente. [1]
Seguiu-se “O Messias” de Händel, uma obra imortalizada na história da música clássica pela sua rica textura musical e o profundo simbolismo espiritual. Composta numa onda de inspiração durante o verão de 1741, esta obra é uma reflexão musical sobre a vida, o martírio, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, servindo como um reflexo do evangelho em forma de arte [2]. Estruturada em três partes e em 51 movimentos, explora a antecipação e o nascimento do Messias, a redenção dos pecados através da sua morte e ressurreição, e a promessa da vida eterna. Esta viagem é articulada através de árias, recitativos e coros, acompanhados por uma rica orquestração. As árias, solos vocais expressivos, são intercaladas com recitativos, uma forma de canto narrativo que avança a história, enquanto os coros fornecem momentos de exaltação coletiva. Historicamente, a obra estreou-se em Dublin, no período da Páscoa, em 13 de abril de 1742, por convite do então Lord Lieutenant da Irlanda, marcando um evento histórico na música e na sociedade da época [2].
Da vasta coleção de peças que compõem o oratório, foram escolhidas três para a ocasião: a sinfonia Overture, o recitativo Comfort ye my people e a ária Every valley shall be exalted, sendo que estas duas últimas contaram com o acompanhamento do tenor do grupo. Esta combinação ressoou com o público, que expressou a sua satisfação através de um aplauso animado e prolongado.
A última peça do concerto foi o célebre “Concerto para Dois Violinos em Lá menor” de Vivaldi (1678-1741). Vivaldi refinou a estrutura que viria a definir o concerto clássico em três andamentos, seguindo o esquema convencional rápido-lento-rápido. [3] De facto, este concerto é composto por três andamentos distintos: um Allegro (ligeiro e alegre, 120-156 bpm), seguido de um Larghetto e Spirituoso (lento e amplo, 44–66 bpm), culminando novamente num Allegro. Incorpora também a forma de ritornello, um prelúdio musical que se repete ao longo do andamento, intercalado com episódios contrastantes protagonizados pelos solistas. Esta interação entre os ritornelli interpretados pelo tutti e as partes solistas, abriu caminho para uma exibição mais virtuosística dos instrumentistas solo.
O primeiro andamento apresentou um caráter fervoroso que estabeleceu as expectativas para os movimentos subsequentes, cativando a audiência. Posteriormente, após um momento insólito em que as partituras do primeiro violino sofreram uma queda chata, iniciou-se o segundo andamento, o Larghetto e Spirituoso. Este distingue-se do anterior pelo seu caráter taciturno e tonalidade distinta, evocando sentimentos de profundidade e melancolia. No entanto, as suas progressões de acordes e harmonias tornaram-no especialmente apelativo, oferecendo um interlúdio auditivo e visual em contraste com a efusividade do primeiro e último andamento. Por fim, o último andamento, caracterizado pelo seu ritmo energético e solos intricados, ofereceu uma conclusão triunfante ao concerto.
O caloroso acolhimento por parte do público, reunido na igreja de Nossa Senhora da Porta do Céu, reverberou o sucesso da atuação. Para todos os que desejarem reviver este momento, a gravação oficial do concerto encontra-se disponível no repositório da CE-IST. A próxima aventura da CE-IST conta com um momento musical na cerimónia de atribuição do título de Doutor Honoris Causa a Jonathan Seth Dordick, no próximo dia 12 de abril, às 14h30, no Campus Alameda do IST.
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Referências:
[1] – Obscure Music Monday: Glière’s 8 Pieces for Violin and Cello. [Online, último acesso a 07/04/2024].
[2] – D. Burrows, Handel: Messiah. Cambridge Music Handbooks. Cambridge University Press, 1991.
[3] – “Antonio Vivaldi,” Encyclopædia Britannica. [Online, último acesso a 07/04/2024].