A entrevista que se segue é da autoria de Inês Mataloto e Gil Gonçalves, e foi feita no âmbito da comemoração dos 30 anos de existência do Rock in Rio. A Roberta Medina, Vice-Presidente Executiva do Rock in Rio, partilha um pouco do que tem sido a história deste festival de música.
- Este ano, o Rock in Rio celebra 30 anos de existência. Quais considera terem sido os pontos mais marcantes de todo o processo de desenvolvimento do festival até agora?
Realizar a primeira edição do evento no Brasil, “contra tudo e contra todos”, e reunir 1.380.000 pessoas em dez dias de música e em paz. Conseguir pôr o Brasil no mapa do entretenimento mundial. Ser o primeiro festival de música organizado do mundo e tornar-se uma referência internacional. Os três minutos de silêncio Por Um Mundo Melhor em 2001, que tiveram impacto em 90 milhões de pessoas ao mesmo tempo através dos meios de comunicação. A estreia do evento em Portugal, provando que o sonho da internacionalização era viável. A estreia nos Estados Unidos, levando novidade na forma de fazer e na oferta do evento, mesmo para um mercado tão forte na área do entretenimento como o americano.
- Roberto Medina criou, celebremente, o festival após uma discussão com a esposa, onde esta o espicaçou dizendo que “não tinha ainda feito nada de realmente grande no seu país”. Três décadas corridas, o que ainda vos motiva, não só a voltar ao Brasil como a expandir fronteiras e palcos?
O que nos motiva é o facto de criarmos um movimento global Por Um Mundo Melhor. É usarmos a música como plataforma para mobilizar pessoas por todo o mundo por uma mesma causa. Nós sentimos o poder das pessoas unidas a cada espectáculo, sentimos que aqueles milhares de pessoas cantam juntas. Queremos fazer com que essa força seja usada para construirmos, juntos, uma sociedade mais harmónica.
- Como surgiu a ideia do Rock in Rio e como foi todo o processo de preparação para a primeira edição?
O Rock in Rio surgiu de uma visão do Roberto. Como o próprio costuma dizer, o Rock in Rio é que o procurou, e não o Roberto que o procurou a ele. O Roberto estava descontente com o país e, depois de anos de ditadura militar, ele queria fazer algo realmente impactante capaz de unir várias tribos para mostrar uma juventude forte, com liberdade de expressão. E queria também promover o Rio de Janeiro como destino turístico a nível internacional, já que nesta altura o Brasil não era um destino apetecível.
Mas depois de desenhar a ideia, rapidamente começou a perceber as dificuldades em executar a mesma! Na época, era muito complicado levar para o Brasil qualquer banda internacional porque custava o dobro do que levá-la a qualquer outra parte do mundo; o país não estava sequer preparado para um evento desta dimensão e não existiam infra-estruturas; os bilhetes custavam pouco e para financiar um projeto desta envergadura o Roberto sabia que era preciso angariar patrocinadores, o que era impensável nesta altura. Durante quase 70 dias o Roberto não foi bem-sucedido em nenhuma das suas abordagens. Teve que bater em muitas portas e levar muitos “nãos”. Foi então que se lembrou de usar uma última cartada, chamada Frank Sinatra. O Roberto tinha trazido o artista para atuar no Brasil e eles criaram uma relação, pelo que resolveu pedir a sua ajuda para conseguir promover um encontro com os grandes players do showbiz, para conseguir apresentar o Rock in Rio a agentes e artistas e cativá-los. A estratégia funcionou e, no dia seguinte, já diversos jornais divulgavam o evento!
O passo seguinte foi pensar em como conseguir investimento e atrair o público e foi aí que chegou ao conhecimento do Roberto que a Brahma, cervejaria, na altura cliente da agência dele (Artplan), queria aproximar-se mais do público jovem. E, como publicitário, o Roberto acabou por fundir as duas coisas e conseguiu, não só investimento para montar o Rock in Rio, como respondeu com o maior dos sucessos ao briefing da Brahma, que acabou por lançar uma nova cerveja e experimentá-la perante o público de mais de um milhão de pessoas!
- De que forma a legenda atribuída em 2001 (Por Um Mundo Melhor) ainda se reflecte nos ideais do festival?
Com o projeto “Por um Mundo Melhor” o evento assumiu o compromisso de ser mais do que música e entretenimento, passando a usar o seu mediatismo e a capacidade de mobilizar massas para sensibilizar as pessoas na construção de um mundo melhor. Isso passa por assumirmos causas sociais ou ambientais a cada edição, contribuindo ativamente com elas, e, acima de tudo, com vários exemplos que podemos dar através das nossas ações e escolhas.
Já investimos, desde 2001, juntamente com os nossos parceiros, mais de 24 milhões de euros em causas diversas; em 2006, o Rock in Rio compensou, pela primeira vez, a sua pegada carbónica, o que permitiu, em 2008, implementar um manual de boas práticas com vista à redução da pegada carbónica que, por sua vez, em 2010, evolui para um plano de sustentabilidade, integrando questões sociais e económicas. O Rock in Rio é, também, o único evento com a certificação na ISO 20121 – EVENTOS SUSTENTÁVEIS, desde 2013.
Na prática, todas estas ações resultaram em fatos concretos como: os resíduos produzidos tiveram, até ao momento, uma taxa média de reciclagem de 71%; até 2016 termos plantado cerca de 300 mil árvores; instalamos 760 painéis solares que geram rendimento permanentemente para projetos sociais através da Sic Esperança; doámos 15.632 refeições; compensámos as emissões de CO2 do evento, entre muitos outros resultados a nível nacional e internacional. Ou seja, para além das ações no recinto aliadas às preocupações de redução da pegada carbónica, reciclagem dos resíduos produzidos, entre outras, mantemos o nosso compromisso de contribuir para uma comunidade mais justa e equilibrada e apostamos na compensação dos nossos impactos e em potenciar os impactos positivos. Esta visão tem vindo a crescer e é um compromisso que faz parte do ADN da marca e do evento que é hoje internacional, tornando este compromisso também ele global, nunca esquecendo a nossa ação local a cada edição.
Agora estamos a lançar o Amazonia Live, o primeiro projeto transversal a todos os países onde o Rock in Rio está, e que se vai estender por mais de uma edição, até 2019. Com este projeto, o Rock in Rio compromete-se a plantar 1 milhão de árvores na Amazónia, o “pulmão do mundo”, mas tem como objetivo atingir os 3 milhões e, para isso, vai motivar parceiros e fãs a abraçar esta causa sob o mote “Mais do que Árvores, Vamos Plantar Esperança”. A Amazónia foi a zona escolhida porque tem impacto em todo o mundo uma vez que abriga a mais importante reserva de biodiversidade do mundo, tendo um papel fundamental na redução do impacto do aquecimento global.
- O Rock in Rio desde as suas origens que agrega multidões recordistas, tendo tido um enorme impacto nos amantes de música de todo o mundo. E a sua recepção pelos próprios músicos como foi? O que sente ao ouvir estrelas como James Taylor apontarem o festival como um momento transformador e singular?
É muito emocionante, é a prova concreta do poder transformador da música e do poder das pessoas unidas por um mesmo objetivo, força essa que atinge não só quem assiste mas quem faz. Antes do primeiro Rock in Rio só havia o Woodstock, e este tornou-se uma referência para muitos dos grandes músicos que estão em tournées hoje em dia, tendo sido o sonho de meninos que estavam a começar suas carreiras e que desejavam um dia tocar naquele palco. Ouvimos isso de artistas como os Metallica, 30 seconds to Mars e muitos outros.
- O festival foi palco de momentos tão díspares e caricatos como disparos de canhões, travessias de moto e beijos. É a imprevisibilidade o factor transversal à música ao vivo, que nunca a envelhece ou entedia?
É a vontade de fazer as pessoas felizes! Nas 12 horas de festa que se vive na Cidade do Rock, em dias de evento, a nossa principal preocupação é para com as pessoas, com o seu bem-estar e o seu conforto. E é o facto de conseguirmos, num clima de enorme festa, fazer as pessoas conviverem umas com as outras, num clima de união e felicidade, que torna este evento único. A vibração que se vive na Cidade do Rock é demasiado forte para, algum dia, entediar!
- O que distingue o Rock in Rio Lisboa dos restantes?
Com certeza o Parque da Bela Vista, que é um ambiente natural único para acolher os milhares de pessoas que vão para curtir as 12h de festa em cada dia de evento. Outra diferença é o público português, que recebe os artistas de forma intensa e vibrante, além de ter um comportamento exemplar. A atmosfera do Rock in Rio Lisboa é muito especial, o clima que se vive na Cidade do Rock é o palco perfeito para fazer desta experiência algo ainda mais feliz e inesquecível.
- Qual a edição de que mais gostou? Porquê?
2012 foi uma edição que me comoveu muito porque o país estava num clima muito deprimido por causa da crise e o que se viveu dentro da Cidade do Rock foi exatamente o contrário. O Parque da Bela Vista tornou-se uma bolha de alegria que serviu para recarregar as energias e renovar a esperança de quem passou por ali e dos milhares de pessoas que acompanharam o evento pela televisão. Isso faz com que o nosso trabalho tenha um valor ainda mais especial.
- Qual o concerto a que mais gostou de assistir?
Ao longo de tantas edições é difícil escolher um só concerto. Afinal, já passaram pela Cidade do Rock cerca de 1.500 artistas. Mas houve um concerto que me marcou recentemente: o dos Queen com Adam Lambert, na edição de 2015 no Rio de Janeiro. Quando eles puseram um público imenso a cantar “Love of My Life”, em 1985, eu era muito nova e não assisti a esse momento mas ouço falar dele há 30 anos! Em 2015, eles voltaram e foi muito emocionante ver as pessoas a levarem as suas famílias para relembrar aquele momento. E agora eu também já tenho o “meu” Love of my Life! (risos)
- Qual a música que mais a comoveu?
Primeiros erros do Capital Inicial e Circo de Feras do Xutos & Pontapés.
- O que podemos esperar do Rock in Rio no futuro?
Enquanto marca, ser cada vez mais global e mobilizadora de pessoas em prol de um mundo melhor. Enquanto evento, continuar a liderar o nosso segmento no que cabe à entrega de qualidade, à inovação, à qualidade das infra-estruturas, das atrações e do line up world class que entregamos sempre ao público.
- O festival sempre se caracterizou por trazer os maiores nomes, os criadores de hits e tendências. Porque não apostar também em grupos menos conhecidos, divulgando-os de forma única?
Um dos aspetos diferenciadores do Rock in Rio desde sua primeira edição foi sempre misturar estilos musicais e talentos de renome com outros menos conhecidos. Pelo perfil do público do evento, a presença de grandes nomes tem que ser sempre maior. O Palco Vodafone, por exemplo, tem precisamente o objetivo de trazer para o evento artistas de um segmento mais restrito, o da música alternativa. Uma das grandes oportunidades neste caso é justamente dar a conhecer estes talentos – alguns já com grande notoriedade no seu segmento – para um público mais massivo.
Fizemos isso quando fomos um dos primeiros festivais a dedicar um palco à música electrónica, em 2001, quando ela ainda atingia apenas um segmento de nicho. O mesmo aconteceu no caso do Palco Raízes com a World Music em duas edições do evento, o Hot Stage que foi dedicado aos novos talentos em 2008, o Sunset que continua a promover encontros únicos de artistas de renome com novos talentos.
No Palco Vodafone, este ano, vamos voltar a receber grandes nomes internacionais como os irreverentes e eletrizantes Black Lips, o trio canadiano Metz, os brasileiros do rock psicadélico Boogarins, as espanholas Hinds e até uma das maiores revelações dos últimos tempos, os Real Estate. E a nível nacional, marcarão presença nomes como Keep Razors Sharp, Sensible Soccers, Capitão Fausto e até o conhecido por uma capacidade de produção surpreendente, B Fachada. Para além destes nomes, a opening slot deste palco ficará a cargo da Vodafone Wild Card – novos talentos na música portuguesa.
- Pela altura desta edição de 2016, os alunos do Técnico ainda estarão submersos em trabalho. Convença-os a largar os estudos pela música.
Faz uma pausa nos estudos e vem recarregar as energias no Rock in Rio-Lisboa! Festa, festa e festa, é isso que vamos oferecer a todos os que passarem pela Cidade do Rock nos cinco dias de evento. Desde o Palco Mundo ao Palco Vodafone, passando pela Eletrónica, com a novidade das pool parties, e pela Rock Street e Street Dance, o maior evento de música e entretenimento do mundo vai ter atuações únicas de artistas de topo, com hits que vão fazer toda a gente cantar e dançar da primeira à última música. E estamos prontos para vos receber numa Cidade do Rock ainda mais bonita, com muitas atividades e muita música boa!
Entrevista: Inês Mataloto & Gil Gonçalves