Autoria: Margarida Lourenço (LEIC-A)
A música surge no nosso quotidiano como uma língua universal, com o poder de unir pessoas e transcender fronteiras culturais. O Festival Internacional de Guitarra do Fundão aparece, assim, como mais um dos catalisadores desta paixão pela música. Conta com uma programação eclética e transversal a todos os géneros, exigindo apenas uma condição: todos os grupos e atuações devem conter pelo menos uma guitarra.
Organizado pela Câmara Municipal do Fundão e pela Associação Concordis (empresa responsável pelo desenvolvimento de atividades no âmbito das artes do espetáculo) e com o apoio da Academia de Música e Dança do Fundão, o Festival Internacional de Guitarra realizou-se pela primeira vez em setembro de 2021, tendo os espetáculos sido divididos por cinco diferentes terras pertencentes ao concelho. O professor e compositor da região, Pedro Rufino, foi um membro crucial para o nascer deste evento. Foi o responsável por criar um programa musical distinto, mostrando-se convicto de que seria a primeira de muitas edições.
Hoje pode afirmar-se que não se enganou. O evento tem vindo a crescer em escala e importância, contando já com três edições, tendo a mais recente sido realizada durante os dias 7 a 10 de Setembro do ano 2023, na cidade do Fundão, distrito de Castelo Branco. Para além de trazer reconhecimento a uma pequena localidade no interior, este evento celebra e homenageia a arte, promovendo a diversidade de estilos e a visibilidade de jovens artistas.
No decorrer das edições, a música portuguesa foi uma constante. No coração de todos os lusitanos existe um lugar especial para o nosso fado e a nossa saudade, os quais ganharam vida na atuação de José Manuel Neto. Este compositor e intérprete é unanimemente considerado um dos maiores guitarristas da história do fado. Dotado de uma técnica evoluída, com uma sensibilidade e criatividade únicas, está na linha dos fora de série que têm escrito a história da guitarra portuguesa.
A este grande nome juntam-se os jovens fundanenses no início da carreira, revelando a sua versatilidade e engenho. Destes destaca-se a atuação de Marco Massano a solo, que apresentou um concerto sóbrio e alusivo às suas raízes. Tendo o vale entre serras como plano de fundo, o músico propôs à audiência uma viagem intimista e delicada à sua visão artística e ao seu crescimento pessoal, interpretando temas de Dyens, Rodrigo, Barrios e Vassiliev, obras emblemáticas da música ocidental e da guitarra clássica.
Já nas atuações coletivas, o guitarrista fundanense João Figueira, em parceria com a bailarina de sapateado Thais de Melo, traz a este festival a obra “Voltas por um fio” – uma atuação singular e um tanto teatral que sublinha a ambivalência entre o que está quase perdido e o que segue o seu rumo, entre a fragilidade e a força de estar em busca do que ainda não se sabe. Surgem nesta peça diferentes formas de relação entre a complexidade e as emoções que advêm de uma cisma conjunta sobre o trabalho artístico e o modo como este se espelha na vida quotidiana.
Para encerrar o leque de artistas locais, apresenta-se a dupla MP Guitar Duo, constituída pelos guitarristas Manuel Toucinho e Pedro Rufino. Reconhecido tanto a nível regional como europeu, este duo, criado durante a pandemia, atingiu popularidade no ramo a um ritmo acelerado, sendo a delicadeza e o refinamento das suas interpretações, bem como o seu sucesso enquanto solistas, os principais causadores deste fenómeno. Destaca-se a pluralidade do seu reportório composto por obras de Bach, Enrique Granados, Johann K. Mertz, Stanley Myers e Astor Piazzola, transportando os ouvintes a uma viagem desde o estilo barroco ao contemporâneo.
Tal como em qualquer festival, a diversidade é um item de grande procura. Em nenhuma das passadas edições faltaram grandes nomes internacionais conhecidos no ofício. Entre estes artistas, Pedro Navarro brilhou com uma performance na qual rompeu os parâmetros convencionais da lírica guitarrística, trazendo temas onde o flamenco, o jazz e a música latina e clássica se entrecruzam, complementado com dança.
Num estilo mais erudito, o Duo Equinox estreou-se neste festival com o seu principal projeto “Ciao Italia!”. Nomes como Niccolò Paganini e Giacomo Puccini preenchem o seu reportório, sendo este reforçado com um medley de canções Napolitanas.
O duo Sergio Fabian Lavia e Dilene Ferraz brindaram o público com o casamento entre o ritmo argentino com a poesia brasileira. Os artistas tornam-se símbolos de duas culturas onde coexistem oposição e contraste com complementaridade e cumplicidade. O programa incluiu temas originais, música popular (Tango, Bossa Nova, Chacarera, Ciranda, Milonga) e música dos compositores clássicos Villa Lobos e Astor Piazzolla.
Por sua vez, o quarteto Se.Go.Vi.O. distingue-se pela sua vasta experiência internacional, como solistas, músicos de câmara e orquestras, e pelo seu empenho no ensino. O repertório escolhido põe em relevo as possibilidades expressivas de cada instrumento, nomeadamente a guitarra clássica, a flauta, o clarinete e o acordeão. “O impacto tímbrico que resulta do encontro das cordas dedilhadas com o instrumento de fole e os instrumentos de sopro é o terreno ideal para dar vida aos sons mordazes da dança”, diz Máximo Diego Pujol no CD recentemente produzido pelo quarteto, e tal refletiu-se na performance do grupo.
Pouca informação foi revelada acerca dos artistas e das datas da próxima edição até ao momento, contudo é inegável que o concelho aguarda ansiosamente a mesma, bem como as novas experiências musicais memoráveis que serão providenciadas.