A nossa geração é a primeira a viver a sua vida inteira dentro da União Europeia como hoje a conhecemos. Será que isso acabará por nos influenciar e moldar como pessoas? Se sim, é importante saber como.
Texto: João Gonçalves
A abertura das fronteiras na União Europeia e a grande cooperação entre os seus estados-membros permitiram a introdução de um grande leque de iniciativas que hoje beneficiam largamente os jovens europeus. Ao nível escolar, programas como o Parlamento Europeu dos Jovens e o Concurso Euroscola incutem desde cedo nos estudantes o valor da discussão aberta de ideias numa comunidade democrática. Já ao nível do ensino universitário, é impossível não conhecer o programa Erasmus, que apoia a mobilidade de estudantes e professores pela Europa e pelo mundo, dando assim a milhões de europeus a oportunidade de viver e estudar ou de trabalhar num país estrangeiro, de conviver com cidadãos de outros povos e de aprender mais sobre as culturas com as quais partilham este continente e mundo.
Os benefícios em termos pessoais para os jovens que usufruem destas iniciativas são evidentes: permitem-lhes desenvolver uma boa network internacional de possíveis contactos profissionais, são uma forma de visitar um lugar novo e de desenvolver conhecimentos linguísticos e capacidades de comunicação; no mercado de trabalho, tudo isto pode vir a ser-lhes vantajoso. Além disso, a comunidade europeia em geral poderá também vir a colher os frutos destes programas dentro de alguns anos, quando forem os alunos que “cresceram” com o Erasmus a dar cartas na política dos seus países e da Europa. O cientista político alemão Stefan Wolff, por exemplo, prevê que a por ele apelidada de “geração Erasmus” traga com ela um renovado sentimento de identidade “pan-europeia”: a ideia de uma Europa unida sob uma ligação supranacional política, cultural e social. A abertura da mente dos alunos que participam no Erasmus e a compreensão que adquirem sobre outras culturas e países serão, na opinião deste cientista político, a chave para alcançar este ideal que ele espera que se espalhe não só pela Europa como pelo mundo, embora saliente que a união entre os povos é um projeto em constante construção e melhoramento que nunca chegará verdadeiramente ao fim.
No entanto, e apesar de a nossa geração ser, no geral, fortemente favorável à União Europeia (estudos do site Pew Research Center mostram que a percentagem da população que favorece a UE tende a decrescer drasticamente com a idade), a verdade é que o atual estado político da Europa não o evidencia: a ascensão do populismo e dos partidos de extrema-direita anti-Europa faz-se hoje sentir mais do que nunca, materializando-se sobretudo no destaque internacional que têm recebido vozes hoje sinónimas do euroceticismo, como sejam Nigel Farage, Marine Le Pen e Matteo Salvini.
É neste aparente paradoxo que a “geração Erasmus” pode vir a ser capaz de mostrar o seu valor enquanto geração culta e mais esclarecida sobre os problemas da Europa. Compreender os diferentes pontos de vista com que é possível abordar uma situação é a maneira mais eficiente para garantir que estamos prontos para discuti-la com rigor. Através do intercâmbio cultural permitido pelo Erasmus, pelo diálogo na Internet e pela cada vez mais disponível oportunidade de visitar outros países a preços extremamente acessíveis, os europeus do futuro estão a crescer precisamente com esse tipo de mentalidade.
Os benefícios de uma mente aberta à colaboração são inestimáveis: permitem a promoção do desporto através de eventos como os Jogos Europeus ou os Jogos Europeus Universitários; abrem a porta à celebração da união entre os povos através das artes e da expressão de identidade, como acontece com o Festival da Eurovisão, e aceleram o progresso da ciência graças a projetos como o CERN, que seriam impossíveis de levar a cabo em qualquer país europeu individualmente. Um ótimo exemplo deste último ponto é o Reino Unido, onde o financiamento para investigação é o quarto mais alto da União Europeia: a saída deste país da União vai afetar negativamente a investigação científica tanto no seu seio (pois perderá o financiamento europeu), como nos restantes países da Europa, que perderão a facilidade de contacto direto e de intercâmbio de investigadores com um dos países historicamente mais influentes na área das ciências e das tecnologias.
Mais do que tudo, a “geração Erasmus” está a viver num clima de crescente progresso social no qual o acesso à informação e a consciencialização dos problemas que afetam o mundo são cada vez mais fáceis. Isto poderá vir a ser determinante na forma como esta geração enfrentará os problemas sociais do futuro, bem como o mal inevitável das alterações climáticas, que requererá a força de uma Europa unida e decidida para o resolver e que é uma preocupação levada mais a sério pelas novas gerações: um estudo no Reino Unido, por exemplo, mostra que 95% dos jovens até aos 19 anos não considera que esteja a ser feito o suficiente para combater este problema.
É claro que nada nos garante que a próxima geração venha a ser mais apta à governação do que as anteriores. A paz e relativa tranquilidade política e económica que se têm vivido na Europa nas últimas décadas podem ter gerado alguma complacência por parte dos jovens, bem como uma falta de reconhecimento e de gratidão pelas oportunidades ao seu dispor. Há também a possibilidade de que o espírito de mente aberta que caracteriza esta geração seja simplesmente uma manifestação do idealismo típico da juventude e que se venha a desvanecer antes de se materializar em algo significativo. Além disso, o futuro pan-europeu pode até não ser desejado pela maioria ou ser o mais benéfico para todos os europeus: é legítimo que um país reclame o seu direito de governação e autodeterminação, não querendo abdicar da sua soberania em prol de uma Europa com maior poder central. O incentivo económico pode não valer a pena e a aceitação de determinadas medidas pode não fazer sentido no contexto específico de cada país. Afinal de contas, a Noruega e a Islândia, por exemplo, são países extremamente desenvolvidos sem pertencerem à União Europeia.
No entanto, talvez seja exatamente esta mentalidade que possa estar por detrás da ascensão da extrema-direita nalguns países europeus: a ideia de que um país que dependa apenas de si esteja mais apto a tomar decisões em tempos de crise que salvaguardem os seus interesses. Podemos estar a caminhar para um futuro onde vários países escolham não pertencer à União Europeia, ou onde esta sofra reformas que a tornem bastante diferente da forma como hoje a imaginamos. Apesar de tudo, e mesmo nesse caso, poderemos vir a sentir os benefícios da governação por parte de uma geração que não cresceu em países isolados, mas sim num mundo em que a partilha cultural e ideológica são a norma.
Seja como for, e quer estejamos a caminhar para um futuro pan-europeu tal como o que Stefan Wolff idealiza ou para uma eventual rutura completa da União Europeia, é certo que há um futuro a construir no qual haverá decisões importantes a tomar. Sendo assim, a pergunta que se impõe é: o que esperar da “geração Erasmus”?
Não podemos prever que problemas em concreto surgirão no futuro, mas podemos analisar como a nossa geração está a lidar com os problemas que afetam a Europa e o mundo no presente: ao nível do progresso social vemos uma aceitação cada vez maior por parte dos jovens da comunidade LGBTQ+, com um aumento do número de marchas e paradas pelos direitos dos membros desta comunidade, maioritariamente levadas a cabo por jovens. Em Portugal, por exemplo, a primeira parada do orgulho LGBTQ+ foi em 2000 e desde então o número de participantes tem vindo a aumentar drasticamente. Ainda em termos de ativismo humano, é impossível ignorar movimentos que lutam pela igualdade e contra a discriminação, como o #MeToo ou o seu equivalente sul-americano #NiUnaMenos, que lutam pela igualdade e contra a discriminação por sexo ou por género, bem como uma série de outras iniciativas que, embora não sendo necessariamente levadas a cabo apenas por jovens, beneficiam de exposição nas redes sociais (onde esta faixa etária é dominante). Quanto às alterações climáticas, um problema que afetará precisamente as próximas gerações muito mais do que as anteriores, a “geração Erasmus” também não cruza os braços: o vegetarianismo e veganismo, estilos de vida que requerem um consumo incomparavelmente mais baixo de recursos ao planeta para a produção de alimentos, estão a ganhar popularidade por motivos éticos e ambientais, sendo a grande maioria das pessoas que escolhem essas opções de vida jovens. No Reino Unido, por exemplo, cerca de 42% das pessoas vegan estão entre os 15 e os 34 anos de idade. Isto para não falar na quantidade notável de jovens ativistas a protestar pela inatividade dos governos em relação às alterações climáticas, de onde podemos destacar, entre inúmeros exemplos, a sueca Greta Thunberg, de 16 anos, que tomou notoriedade no final do ano passado por faltar às aulas para protestar precisamente por isso em frente ao Parlamento Sueco. Exemplos de jovens a fazer coisas semelhantes por todo o tipo de causas não faltam e as redes sociais só vêm facilitar a organização e divulgação do ativismo de uma geração lutadora e empenhada em mudar o mundo para o melhor.
Neste tempo conturbado da democracia europeia e mundial, onde numa tempestade de posições antitéticas, de discussões acesas e pessoais, de criação de fações e de ereção de muros, ideológicos e não só, a Europa e o mundo se apresentam tão vulneráveis aos problemas que ameaçam destruí-los, há que lutar por não deitar a perder tudo aquilo pelo qual tantos antes de nós lutaram por construir.
Referências e consultas:
Erasmus: http://ec.europa.eu/programmes/erasmus-plus/about_pt
Tese de Stefan Wolff: https://www.nytimes.com/2005/04/26/world/europe/quietly-sprouting-a-european-identity.html
Vídeo de Stefan Wolff: https://www.youtube.com/watch?v=YqMiKDiiX5s
Opinião dos jovens sobre a UE: http://www.pewglobal.org/2016/06/07/euroskepticism-beyond-brexit/
Veganismo: https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2016/may/27/the-rise-of-vegan-teenagers-more-people-are-into-it-because-of-instagram