A sociedade tem vindo a desenvolver-se em todas as suas vertentes. Com o desporto não é exceção, recentemente temos vindo a observar uma evolução relevante da prática de exercício físico, não só em número de praticantes e intervenientes, mas também relativamente à performance desportiva.
Autoria: Carolina Bento, MEBiom (IST)
A sociedade tem vindo a desenvolver-se em todas as suas vertentes. Em 1980, a percentagem da população que vivia em pobreza extrema encontrava-se acima de 42%, em 2015, essa percentagem tinha descido até 10%. A esperança média de vida fez o percurso oposto sendo que, em 1980, esta era de 61,2 anos e, em 2016, encontrava-se nos 71,1 anos, o que demonstra uma diminuição da taxa de mortalidade infantil, uma melhoria no acesso aos cuidados de saúde e, também, a adoção de um estilo de vida mais saudável. Como o desporto não é exceção, recentemente temos vindo a observar uma evolução relevante da prática de exercício físico, não só em número de praticantes e intervenientes, mas também relativamente à performance desportiva.
Nas competições profissionais de natação, tanto masculinas como femininas, vimos que os melhores tempos de realização de provas foram atingidos neste século, sendo que, nas provas femininas, apenas um desses recordes foi batido antes de 2009. Na modalidade de atletismo, a tendência é semelhante. Se nos referirmos às provas praticadas ao ar livre, 13 dos 19 recordes anteriormente existentes foram batidos a partir de 2000, nas competições masculinas. Nas competições femininas, observamos que 18 dos 20 recordes foram estabelecidos já neste século. Referindo agora um desporto coletivo, o primeiro campeonato do mundo masculino da FIBA (Federação Internacional de Basquetebol) foi realizado em 1950 e o resultado da final foi de 64-50, para a Argentina, num jogo contra os EUA. O resultado da final do último campeonato do mundo, realizado em 2019, na China, que colocou frente-a-frente Argentina e Espanha, foi 75-95. Uma evolução semelhante foi observada na prova feminina, que na sua primeira edição em 1953 teve como resultado da final 36-49, num jogo entre o Chile e os EUA, e na sua última edição, em 2018, onde se defrontaram a Austrália e os EUA, a final terminou com 56 pontos marcados pela seleção Australiana e 73 pela americana.
Estas diferenças e desenvolvimentos estão, muito provavelmente, relacionados com a evolução dos equipamentos desportivos e métodos de treino, que, por sua vez, estão intimamente relacionados com o avanço tecnológico e científico. Existe um crescente envolvimento da ciência no estudo do desporto. Observamos esta situação quando vemos na televisão que agora é possível adquirir sinais biológicos, como o ritmo cardíaco, eletromiogramas, níveis de oxigénio, em tempo real, ou quando vemos os estudos biomecânicos, como a análise das cargas que um dado músculo pode suportar, algo que os atletas realizam com frequência.
O desenvolvimento do equipamento desportivo é particularmente visível na evolução das pistas de atletismo. A federação internacional de associações de atletismo (IAAF), desde o início do século XX, procurou iniciar a standardização das pistas de atletismo. No entanto, só na década de 60 se começaram a fabricar superfícies de poliuretano e, consequentemente, apenas em 1968 se realizaram provas internacionais numa pista sintética. Com o avanço da tecnologia e dos estudos biomecânicos, é hoje possível utilizar métodos computacionais e experimentais para determinar os materiais mais adequados ao fabrico da pista, bem como geometria e espessura das suas camadas. Todos estes parâmetros são calculados de forma a promover um menor gasto de energia por parte do atleta e a reduzir lesões, entre outros aspetos, contribuindo para uma melhoria da performance desportiva, que, previamente, podia ser prejudicada pelas características da pista. Outro exemplo de melhorias no equipamento desportivo que provocaram progressos expressivos nos tempos praticados pelos atletas foi o desenvolvimento do fato-de-banho da Speedo, LZR Racer. Desenvolvido em 2008, o fato-de-banho diminui vibrações musculares, bem como a resistência da água. Semanas após a sua introdução no mercado, 13 recordes mundiais foram batidos. Este é um exemplo claro do efeito que o material desportivo pode ter nas diversas modalidades.
Do mesmo modo que a tecnologia permite o desenvolvimento de equipamento desportivo, a sua influência na incorporação de novos métodos de treino é considerável. No futebol, a Footbonaut já é utilizada desde 2017, nomeadamente por equipas da liga alemã. Esta máquina permite o disparo de bolas de oito direções diferentes e os jogadores têm, depois, de controlar e direcionar a bola por uma das 72 aberturas distribuídas para o efeito. É, ainda, possível controlar número de bolas e velocidade. Esta ferramenta de treino permite aumentar a velocidade dos jogadores, bem como a sua eficácia e capacidades cognitivas.
Além dos fatores já referidos, a alteração de regras pode ser determinante para que se observem alterações significativas nas modalidades. O último exemplo referido no segundo parágrafo relativamente aos pontos marcados na primeira e última edição do campeonato do mundo de basquetebol é bastante influenciado por esta questão. Uma das regras de que os atletas mais tomam partido atualmente, a introdução da linha de três pontos, em que qualquer lançamento convertido que se inicia no exterior desta linha tem o valor de três pontos, só foi criada em 1984. A eficácia dos atletas a esta distância tem vindo apenas a aumentar, contribuindo para o incremento do número de pontos marcados por jogo. Bem mais recente foi a introdução da regra dos 14/24 segundos. Antes da existência desta regra, os atletas que atacavam tinham 24 segundos para lançar ao cesto, depois da bola tocar no aro. Agora, após um lançamento em que a bola toque no aro, a equipa que ataca tem apenas 14 segundos para realizar um novo lançamento. Esta situação aumenta a velocidade do jogo, bem como o número de lançamentos tentados e, consequentemente, o número de pontos marcados. Estes são apenas dois casos em que a alteração do regulamento de uma modalidade promove uma aparente evolução da mesma.
Tendo todos estes fatores em conta, é de esperar que os tempos de realização de provas melhorem, a eficácia dos atletas aumente e o número de pontos marcados percorra o mesmo caminho. Não estamos, necessariamente, mais fortes nem mais rápidos:beneficiamos, sim, de uma prosperidade inigualável em anos passados.
Referências:
- Megens, Carl, et al. “Designing for behaviour change towards healthy living.” 5th International Congress of International Association of Societies of Design Research, IASDR 2013. 2013;
- Ritchie, H. (26 de Setembro de 2019). 12 key metrics to understand the state of the world;
- World Best Performances. (s.d.);
- World Records Men. (20 de Dezembro de 2019);
- World Records Women. (20 de Dezembro de 2019);
- FIBA. (s.d.). 1950 World Championship for Men;
- FIBA. (2019). FIBA Basketball World Cup 2019;
- FIBA. (s.d.). 1953 World Championship for Women;
- FIBA. (2018). FIBA Women’s Basketball World Cup 2018;
- McGinnis, Peter Merton. Biomechanics of sport and exercise. Human Kinetics, 2013;
- Andena, Luca, et al. “A finite element model for the prediction of Force Reduction of athletics tracks.” Procedia Engineering 72 (2014): 847-852;
- Andena, Luca, et al. “A 3D numerical model for the optimization of running tracks performance.” Procedia engineering 147 (2016): 854-859;
- Brennan, C. (2018). O Corpo e os Limites. National Geographic, 2-27.
- imagem de destaque: Braden Collum
Óptimo artigo!