A posição da sociedade perante a perspetiva de um emprego “vitalício” tem sofrido claras mudanças ao longo do tempo. Poderá este ser um indicador da forma como as gerações estão a evoluir? Como será que podemos explicar esta transformação?
Autoria: Matilde Almeida, MEBiol (IST)
Naquele início de tarde invulgarmente luminoso para o mês de fevereiro, sentámo-nos para almoçar na esplanada do bar de civil, um momento ansiado depois de uma interminável manhã de aulas teóricas que já se prolongava desde as 8h.
Por nós passava um fluxo incessante de pessoas num ritmo frenético característico do Técnico, que não parece abrandar nem em agosto.
Perguntei à minha amiga Ana pelo workshop sobre entrevistas de emprego a que tinha acabado de assistir, ao qual admito ter fugido pela ansiedade que a inexperiência de aluna acabada de sair do primeiro ano ainda me permite sentir quando ouço falar de estágios, currículos e salários.
Não consegui, ainda assim, evitar pegar num guardanapo e pôr-me a tomar nota dos procedimentos e respostas “ideais” que ela começou a debitar.
«Deves chegar sempre 5 minutos antes. Depois disso é falta de educação e antes é fazer figura de parva.»
«Leva uma lista preparada com os teus pontos fortes e fracos.»
«Nunca respondas de forma demasiado direta. Por exemplo, se te perguntarem se estás noutros processos de candidatura, diz que tens algumas propostas em mente. É fundamental não mostrar dependência.»
«Não dês demasiadas informações pessoais.»
«No final, se te convidarem para ir almoçar, aceita. É sempre uma boa oportunidade para ficares a conhecer melhor os projetos da empresa e o cargo para o qual te estás a candidatar.»
Aquela conversa deixou-me quase tão nervosa como se tivesse passado a última hora a ouvir os conselhos vindos da própria formadora. A forma como a ação idealmente se desenrola passa a ideia de que o interesse daquele (ou daquela) a quem estou a prestar provas se foca mais na aptidão para desempenhar um papel do que na efetiva competência para uma determinada função.
Uma peça de teatro como esta deve começar a ser ensaiada cedo. Mas para quê dedicar-lhe tanta atenção, pergunto-me, se sei que em breve estarei de volta ao ponto de partida, pronta para começar a trabalhar outra encenação? Estou certa de que a personagem pouco mudará, bem como a minha (consciente) incapacidade de vir a preservá-la durante muito tempo.
Acredito, no entanto, que a dificuldade em manter a credibilidade de uma personagem não é a única força motriz da tendência para regressar constantemente ao ponto de partida de que as novas gerações parecem padecer. Se assim fosse, a nossa resposta à pergunta “Gostarias de manter o mesmo emprego durante toda a tua vida, se este não te fizesse infeliz?” não seria, tipicamente, tão diferente daquela que os nossos pais ou avós teriam dado na sua juventude.
Crescemos vítimas de um bombardeamento ininterrupto de informação vinda de inúmeras frentes. Este bombardeamento só é eficaz se a mensagem transmitida se encontrar processada de antemão, de forma a facilitar o seu consumo. Tornámo-nos, portanto, incapazes de dedicar atenção a conteúdo que requer uma análise mais profunda e demorada. Isto alimenta em nós uma ânsia de receber estímulos, ânsia essa que, consequentemente, é transposta para a vida profissional.
Passo a explicar porquê: por muito que, com o passar das gerações, a evolução do trabalho em Portugal possa ter sido proveitosa para a sociedade – quer a nível tecnológico, quer a nível do melhoramento generalizado das condições laborais –, acabamos por não conseguir beneficiar totalmente dela, dada esta dificuldade em separar o ritmo a que o mundo se transforma daquele a que deveríamos viver as nossas vidas. Nesse sentido, a ideia de um emprego (quase) vitalício encontra-se desatualizada, fruto da nossa necessidade de permanecer em movimento, que é tão inabalável quanto o medo que temos de que alguma experiência nos passe ao lado. É este desejo de estar sempre em todo o lado a toda a hora que nos diferencia das gerações que antecedem os Millennials e a Geração Z, quando a exposição à informação era menos intensiva, embora não necessariamente menos acessível.
Que fique claro que não tenho razões para considerar negativa a propensão para a mudança. O que se me afigura preocupante é a origem dessa necessidade de constante alternância. Habituámo-nos a uma insatisfação recorrente que ultrapassa em muito o mero gosto por contrariar a estagnação.
Como superar a inquietação e emancipar o passo daquele outro que nos sentimos compelidos a acompanhar? Apesar de ser claro que não existem respostas universais para este problema, penso que a solução passa por abrandar e avaliar cada dilema, de forma a relativizá-lo e perceber a sua causa.
O Sol já começava a queimar. Foi o que me impediu de dizer tudo isto à Ana, de lhe perguntar se tinha uma resposta melhor do que a minha. Levantámo-nos e caminhámos juntas até à saída da faculdade, sempre com algum esforço para não sermos arrastadas pelo fluxo incessante de pessoas que passavam naquele ritmo frenético característico do Técnico que não parece abrandar nem em agosto.
Ilustação de Joana Almeida