Devíamos preocupar-nos mais em habituar as pessoas ao primeiro ano do Ensino Superior

Em 2019, Diogo Marques ingressou em Engenharia Aeroespacial no Instituto Superior Técnico (IST). O baixo aproveitamento, aliado às dificuldades de adaptação, fizeram com que abandonasse os estudos no final do primeiro semestre. Voltou para mais perto de casa e fez a licenciatura em Engenharia Mecânica na Universidade de Coimbra. Agora, está de regresso ao Técnico para fazer o Mestrado em Engenharia Aeroespacial e conta-nos o que falhou.

Autoria: Diogo Faustino (MEAer), Francisca Branco (LEAer)

Nascido em Tábua, Coimbra, Diogo mudou-se sozinho para Lisboa com 18 anos, experiência comum a cerca de 30% dos estudantes do IST. Conta-nos que esse foi o primeiro grande choque: “o dia do estudante deslocado tem menos horas. Cuidar da casa, cozinhar, cuidar de mim, não era só a faculdade com que tinha de lidar”.

O ritmo acelerado das primeiras aulas também não facilitou: “não estava habituado a não perceber a matéria numa aula.” Sublinhou o impacto que entrar numa faculdade com alunos que terminam o secundário com médias mais altas teve na imagem que tinha de si próprio. Acaba por afetar a dificuldade de estudar aqui. O ponto de comparação muda completamente, porque ninguém quer ser o pior dos melhores”.

A conjugação destes atritos resultou numa realidade que diferia das expectativas criadas. Ao mostrar-se desapontado com os resultados, Diogo começou a balançar os motivos para continuar os estudos. “Estudar numa cidade como Lisboa é um esforço enorme para os pais, especialmente para quem vem do interior”, menciona. Salienta aspetos como as diferenças no custo de vida, reforçando o elevado preço das rendas na capital como principais pesos. “É uma pressão extra. Se tens dificuldades na faculdade, sentes que estás a ser um desperdício e a gastar dinheiro sem razão nenhuma.”

No final do primeiro semestre, já não participou nos exames, e, quando chegou o segundo semestre, já não se inscreveu nas cadeiras. Afirma não ter sido contactado por qualquer serviço do Técnico para perceber se teria desistido e qual a razão. “Pelo menos teria sentido que repararam na minha ausência, que não sou só um número. Talvez tivesse mudado de ideias.”

No ano seguinte ingressou em Coimbra, onde encontrou uma avaliação maioritariamente à base de exames longos. “Aqui no Técnico, até estou a sentir o oposto. Para passar a uma cadeira, fiz testes de meia hora em que não se consegue perguntar quase nada”. Acredita, no entanto, que o novo Modelo de Ensino e Práticas Pedagógicas (MEPP) é um bom método, ao permitir que o aluno esteja mais focado em menos cadeiras em simultâneo: “obriga-te a estar mais em cima do que estás a dar nas aulas.”

Porém, reforça que deve ser melhorado, realçando o trabalho excessivo que encontra agora com métodos de avaliação mais trabalhosos, derivados da concentração de programas curriculares num tempo muito mais curto: “aconteceu neste período ter três cadeiras e as avaliações serem por projetos. Dão muito mais trabalho que estudar, porque tens que organizar muito bem o teu tempo com outras pessoas, o que é difícil.” Defende que o ritmo do novo modelo de ensino adiciona alguma exigência: “aqui, quando perdes uma semana, perdes metade da matéria que vem para a frequência da semana seguinte”.

Diogo decidiu recorrer a serviços de psicologia quando entrou na nova licenciatura. “A minha psicóloga tinha muitos estudantes de Coimbra que tinham problemas parecidos com o meu, o que me ajudou a perceber que não estava sozinho no mundo.” O que o levou a regressar ao Técnico foi sentir “uma estagnação absoluta. [Na Universidade de Coimbra] não há núcleos e o ambiente é muito menos dinâmico.” Notou que, em Coimbra, “os professores, que eram excelentes pessoas e profissionais, focam-se mais em explicar a teoria, não há aulas práticas. Quase não fui ao laboratório.” Frisa ainda a importância de ter passatempos para além dos estudos, e a devoção dos alunos do IST aos projetos técnicos por eles fundados foi um dos principais pontos a favor do retorno à faculdade: “as pessoas aqui têm mais «andamento»”. 

Quando questionado sobre a cultura de exigência do Técnico, Diogo lembra que a faculdade está a perder estudantes muito talentosos, que “sempre tiveram sucesso na escola e depois chegam aqui e não aguentam”. Lança o desafio: “a faculdade devia querer saber o porquê, especialmente se perderem esses alunos para outras faculdades. Uma pessoa que chega aqui com média de 19 não é inútil e não está acabada aos 18 anos se não conseguir aguentar a pressão do primeiro ano. Devíamos preocupar-nos mais em habituar as pessoas ao primeiro ano do Ensino Superior”.

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