Reitor da ULisboa sobre OE2025 e RJIES: Mais Financiamento, Mais Autonomia

Autoria: Catarina Curado (LMAC), João Dinis Álvares (MEFT)

Com a recente aprovação do Orçamento de Estado para 2025 e a formação do novo Ministério da Educação, Ciência e Inovação, o subfinanciamento e a relevância do Ensino Superior são uma vez mais foco de atenção por parte da Academia. Fomos saber a opinião do Reitor da Universidade de Lisboa, Dr. Luís Ferreira.

Orçamento de Estado para 2025 (OE2025)

Em 2025, prevê-se que a Universidade de Lisboa receba um aumento orçamental de 3% em relação ao ano anterior, totalizando cerca de 256 milhões de euros. Quando questionado sobre esta proposta, Luís Ferreira confessou que o orçamento global necessário para o funcionamento da Universidade ultrapassa significativamente o montante proposto pelo governo, situando-se na ordem dos 450 milhões de euros. 

“Há muitos anos que a proposta do Orçamento do Estado para a Universidade de Lisboa é deficitária. É sempre um valor baixo, não paga sequer os vencimentos, o que faz com que nós tenhamos muita necessidade de procurar receitas próprias.”

Na perspetiva do Reitor, este orçamento é insuficiente para alcançar um dos seus principais objetivos: posicionar a Universidade de Lisboa ao nível das grandes universidades europeias e americanas. Ainda assim, relembra que a ULisboa figura frequentemente nos rankings em posições comparáveis a ou “muitas vezes acima” de instituições que dispõem de orçamentos três a cinco vezes superiores, considerando isso um sucesso. Não deu exemplos concretos, no entanto.

O Reitor esclarece ainda que a mais recente fórmula utilizada pelo Governo para determinar a percentagem do OE2025 atribuída a cada Instituição de Ensino Superior (IES) está diretamente relacionada com o número de alunos, ponderado conforme o curso em que cada aluno está matriculado. A razão para esta ponderação assenta, entre outros fatores, nos gastos específicos de cada curso. No entanto, Luís Ferreira defende que os fatores que aferem a qualidade, como a competência do corpo docente, a investigação realizada e a eficiência pedagógica, deveriam ser também considerados na fórmula.

Enquanto que, em anos anteriores, a fórmula usada resultava num genérico aumento de orçamento para cada universidade, com esta nova fórmula a Universidade de Lisboa passará “a receber menos”. A transição entre os dois modelos de financiamento será suave, ou seja, para já, o orçamento da ULisboa irá aumentar, mas prevê-se que nos próximos anos diminua. O Reitor explica que isto se deve ao facto de que “há muitos anos que [a ULisboa] está proibida de aumentar o número de alunos”, fator central da nova fórmula. A transição do antigo modelo para o novo modelo de financiamento das IES ainda está a decorrer, pelo que as diferenças introduzidas pela fórmula começar-se-ão a sentir mais ao longo dos próximos anos.

Luís Ferreira afirma que a posição do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas em relação ao OE2025 passou despercebida, destacando que os membros do Conselho nem ligaram”. Ressalta ainda que os interesses das universidades são bastante diferentes: enquanto algumas lutam pela sobrevivência, outras, como a Universidade de Lisboa, concentram-se em preservar a qualidade dos cursos que oferecem.

Quanto ao corte de 68 milhões de euros no orçamento destinado à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), o Reitor da Universidade de Lisboa esclarece que esse montante correspondia a fundos provenientes da União Europeia. Estes transitavam pela Fundação antes de serem imediatamente transferidos para as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional, sem poderem ser utilizados ou geridos pela própria instituição. Esse valor funcionava apenas como um mecanismo para contornar as burocracias europeias, nunca estando realmente disponível para a FCT.

Com o chumbo do aumento orçamental da FCT, proposto pelo partido Livre, o Governo entretanto explicou que irá haver um corte de cerca de 3 milhões de euros ao orçamento da FCT.

Serviços de Ação Social

No que diz respeito à ação social, Luís Ferreira defende que é essencial assegurar boas condições para que os alunos, independentemente da sua condição socioeconómica, possam vir estudar para a Universidade de Lisboa. Aponta também que os recursos destinados à ação social acabam por ser menos direcionados para bolsas de estudo para cursos como Medicina e Engenharias, já que se tratam de cursos geralmente com maior percentagem de estudantes provenientes de famílias mais favorecidas, onde nasceram numa casa que já tinha livros”.

“Eu não sei se devo ficar muito contente em saber que os médicos que vão tratar os meus filhos e os meus netos são aqueles que vieram todos de sítios onde não sabem o que é passar mal, não ter condições de salubridade e de não terem de trabalhar à noite para pagar os estudos. Era bom ter médicos que vieram de todas as classes sociais e eu não sei se nós temos isso hoje.”

Adiciona que, do OE, “não vem dinheiro para a ação social”, e lamenta que a Universidade de Lisboa seja particularmente prejudicada por ter sempre investido nesse tipo de serviços: “Há instituições de ensino superior que recebem por aluno tal como nós recebemos e não têm ação social: não têm cantinas nem têm residências. Têm mais dinheiro para fazer outras coisas. A nossa residência, cada cama, é um custo para nós. Aquilo que os estudantes pagam não cobra os custos do quarto. Mas nós achamos que isso é importante. Se não houver isso, os estudantes mais pobres não vêm estudar.”

O Reitor explica ainda que, mal o orçamento chega à Universidade, esta última divide-o logo em várias componentes: uma parte é destinada à Reitoria, outra aos Serviços de Ação Social, e o restante é distribuído pelas escolas de acordo com o mesmo modelo utilizado pelo Ministério. Luís Ferreira mencionou que os Serviços de Ação Social das várias universidades, no ano passado, excecionalmente, receberam um apoio extra do Governo de 1€ por refeição vendida.

Questionado sobre se os Serviços de Ação Social deveriam ter uma dotação separada do orçamento das universidades, Luís Ferreira defende que não. No seu entender, essa separação seria irrelevante, porque o reitor de uma IES poderia continuar a “desviar as verbas da Ação Social para outro lado, chamando-lhe outra coisa qualquer”. O Reitor enfatiza que esses serviços representam “um extraordinário instrumento político” e reforça o seu compromisso em investir na qualidade de todas as iniciativas oferecidas pela Universidade.

Ministério da Educação, Ciência e Inovação

Após as eleições legislativas, o novo governo dissolveu o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e incorporou-o no recém criado Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI). Na perspetiva do Reitor, a equipa que está a liderar este novo Ministério é pouco robusta, apontando como exemplo o facto de haver apenas um secretário de Estado responsável pela Ciência e pela Inovação. Além disso, o facto de partilhar o mesmo ministério com a educação pré-universitária, que enfrenta muitos problemas gritantes de momento, faz com que a atenção seja desviada mais para esse setor. 

Apesar destas críticas, o Reitor considera muito positivo o objetivo central do novo Ministério, que consiste em eliminar as barreiras do Ensino Superior, dando-lhes mais liberdade e melhores condições para desempenhar a sua missão de inovar e manter a excelência académica. O Reitor defende que o Ensino Superior deve ser encarado como um sistema maduro que necessita de mais autonomia para crescer, solicitando apoio do Estado apenas em projetos extraordinários. O maior entrave à autonomia das IES não tem que ver com o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), mas sim com a Lei de Execução Orçamental. É esta última que tem vindo a impor cada vez mais constrangimentos às universidades e que regula a maneira como estas últimas podem gastar o seu dinheiro.

Diminuir Taxa de Abandono Universitário

Ao longo dos últimos anos, a taxa de abandono universitário tem vindo a aumentar, chegando mesmo a atingir recordes no passado ano letivo. O novo governo tem como plano continuar a combater este abandono, mas o Reitor comentou que já tem havido um esforço nesse sentido por parte da ULisboa: “[o programa] passa por quatro pilares: formação de docentes; reforço dos serviços de saúde física e mental; continuar a dar as melhores condições do ponto de vista desportivo e estamos a pensar em implementar alguma coisa de inteligência artificial”. Em relação a este último, elabora dizendo que seria algo plantado no Fénix que pudesse “ajudar a sinalizar casos de estudantes que possam precisar de ajuda.” 

Referiu também que tem havido formação de docentes, abrangendo todos os níveis de carreira, debruçando-se no facto de que a maioria dos professores com muita experiência nunca tiveram a hipótese de aprender pedagogia – haviam sido contratados pelo reconhecimento da sua investigação. Todas as formações têm esgotado, apesar da sua frequência semanal, mas o Reitor reitera o convite a todos os docentes para se inscreverem nas mesmas.

Problemas do RJIES

Em vigor desde 2007, o RJIES é o documento que regula o funcionamento geral das IES. Apesar de ter estado prevista uma revisão do documento em 2012, esta continua por realizar. O anterior governo organizou em 2023 uma Comissão de Avaliação Independente do RJIES, tendo esta produzido um relatório criticado por ser apenas uma coleção de factos (inclusive pelo ex-presidente da AEIST, no Jornal de Notícias), em vez de apresentar propostas de alteração ao próprio regulamento. Com a queda do governo, esta revisão foi interrompida, mas o Reitor afirma que o novo governo já deu indicação de pretender retomá-la.

Para Luís Ferreira, o problema principal que o RJIES tem de resolver é o do Conselho Geral (CG), uma vez que não considera que este órgão cumpre a sua qualidade fiscalizadora. Para colmatar esta falha, sugeriu que a própria eleição do reitor seja sufragada pelo Senado da Universidade, por exemplo, em vez de ser apenas pelo CG, já que o Senado tem uma maior representatividade de todas as escolas e de estudantes.

De acordo com o previsto no RJIES, a composição do CG é de 50% de professores, 15% de estudantes e o resto por personalidades externas, havendo uma pequena margem de manobra no que toca às percentagens. Para Luís Ferreira, o maior problema é a subrepresentação dos trabalhadores técnicos e administrativos. “Esta gente tem de ter uma palavra e são relegados assim para um número reduzidíssimo.”

Revelou, por último, haver ainda uma dificuldade em escolher as pessoas externas, uma vez que é complicado prever a frequência da sua participação nas reuniões do CG. Porém, considera a sua existência importante “porque a universidade não se pode fechar ao mundo”.

Apelo ao Ministério

Por fim, o Reitor deixa ainda a seguinte mensagem:

A única coisa que eu quero é autonomia e este crescimento da autonomia que este Ministro nos prometeu, eu continuo à espera de que seja efetivo. E, com isso, nós conseguiremos ter mais liberdade para realizar a nossa função. É evidente que algum financiamento suplementar seria importante, portanto eu direi: com autonomia e mais financiamento, eu estaria muito mais feliz.

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