Na verdade foi assim: O retrato de Napoleão

Autoria: Francisco Simões (MEFT) e Manuel Carvalho (MEAer)

“Estudos acadêmicos aprofundados sobre seu início de vida concluem que até aos 2 anos de idade ele tinha uma ‘disposição gentil’” [1]. Não restam dúvidas que esta citação da Wikipédia se refere ao maior símbolo de poder do século XIX: Napoleão Bonaparte, o bebé gentil. 

Poderoso, porém inseguro, Napoleão, imperador e aristocrata de gema, tinha como hábito disfarçar-se de um reles burguês e infiltrar-se na confusão da azáfama parisiense para aferir a sua popularidade junto dos seus conterrâneos.

Era costume juntar-se às quartas-feiras na taberna Triomphe com um grupo de amigos burgueses, que não o conheciam por outro nome que não Pierre LaBrègue. Napoleão trazia sempre à conversa o tema da política nacional francesa, mesmo quando os companheiros não queriam. Decorria o ano 1802, quando, numa noite de quarta-feira, como em todas essas vezes, levantou-se de forma insolente e foi para o balcão interpelar desconhecidos, que entre o pedido e o momento do pagamento, eram sempre atingidos pelas mesmas declarações: “Então pah, viste o que é que o Napoleão fez esta semana? Aquilo é que é um homem, hein!”. Ao que respondiam: “Vai chatear outro! É um meia-leca como tu. Todos o acham um meia-leca”.

Irritado, Napoleão abandonou impetuosamente a taberna e apanhou um táxi-coche diretamente para o palácio Imperial. A noite já ia longa, contudo o Imperador não conseguia largar a imagem daquele taberneiro a desdenhar da sua imagem. Por isso, acordou todos os seus assessores e convocou uma reunião de emergência para anunciar a próxima medida a tomar pelo governo francês: pintar um novo retrato de Napoleão e, assim, pintar de novo a sua imagem junto do povo francês.

No dia seguinte, pelas 7h da manhã já estavam todos os intervenientes a postos no salão nobre do palácio. Todos menos Napoleão, que ainda estava a dormir. “Senhor, estão todos à sua espera” disse o Machado, simultaneamente pajem de Napoleão e o primeiro avec. “Veja se não quer um bufardo nas ventas! Que merde, pá! Não ouvi o galo!”, insistiu Napoleão.

Apressado, Napoleão deixa o quarto desarrumado e a cama por fazer e irrompe no salão nobre do Grand Palais, deparando-se com tudo aquilo que tinha pedido ao Machado na véspera: um cavalo, um sombrero, umas leggings, uma capa de super-homem, umas botas de cowboy e uma espada. Assim ia parecer um homem viril e robusto, certamente! Estava também presente um dos mais importantes pintores do século XIX, de seu nome Jacques-Louis David, que já tinha explicado a sua metodologia de trabalho ao Machado.

“Sr. Napoleão, não quero levar nenhum bufardo nas ventas, mas ‘Jáques’ diz que não desenha nada que não esteja nesta sala. Eu já lhe disse que o Monsieur queria um desenho com as montanhas lá por trás, mas o homem diz que só desenha se as montanhas estiverem aqui”. Napoleão respondeu com um bufardo nas ventas do Machado, que apenas virou os olhos submisso, e ordenou que todo aquele aparato fosse mudado para a varanda do seu quarto, com vista para os Alpes Franceses.

Napoleão mandou trazer o cavalo para a varanda. No entanto, quando o avistou pela primeira vez disse indignado: “Eu queria uma égua branca!”. “Mas que diferença faz meu senhor?”. “Eu quero que daqui a 200 anos a adivinha mais popular do mundo seja ‘De que cor era o cavalo branco de Napoleão?’”. “Mas meu senhor, este cavalo negro é elegante, forte e bem vistoso!”. “Mas é preto! Não gosto, não combina! Tragam a puta da égua!”, disse enervado Napoleão com a “disposição gentil” que o caracterizava… até aos 2 anos.

A comitiva ia entrando no quarto de Napoleão, enquanto este se justificava gaguejando: “Que vergonha! Não liguem a esta confusão, está tudo desarrumado!”. Segredando com os dentes cerrados, Napoleão pediu esclarecimentos a Machado: “A Marine não devia ter já passado aqui para limpar isto?”. Machado, constrangido, respondeu: “Monsieur, ela acabou de sair do quarto cheia de vergonha, ainda de soutien na mão.”

Era preciso montar o cenário todo de novo, mas o Imperador só resmungava: “Vá, tudo a andar! Toca a trabalhar! Anda tudo a mamar subsídios e trabalhar nada! Antigamente é que era bom! Foi uma estupidez terem acabado com a escravatura, bem que me fazia falta… Já sei! Machado! Anda cá! Vamos promulgar outra vez a legalização da escravatura, temos que

proteger os direitos dos imperadores. Nós somos a verdadeira minoria! Tens 2 minutos e meio para lançar o comunicado, se não quiseres levar com um bufardo nas ventas!”

Entretanto, a mercadoria chegou. Enquanto esperava que os escravos montassem o cenário, Napoleão foi discutir com Jacques alguns pormenores da pintura. “Estava a pensar que umas rajadas de vento encaixariam muito bem aqui, para dar a ideia de bons ventos para o país; digo isto porque queria que isto tivesse uma daquelas metáforas que os políticos usam cheias de clichês”. “Monsieur, já sabe que eu só pinto o que vejo! Se quer vento, tem de existir vento.”, disse Jacques. Napoleão virou as costas enervado e bradou “Chamem 200 escravos com bons pulmões. Já sei! Chamem aquelas gordas que cantam no coro!”.

As escravas chegaram rapidamente e dispuseram-se diante de Napoleão, encavalitadas, umas em cima das outras, de modo a que ficassem fora do plano do retrato. O Imperador, dono de umas boas maneiras invejáveis, fez um pequeno discurso de boas-vindas para agradecer a ‘disponibilidade’ das escravas: “Portanto, obrigado por terem vindo! Espero que se divirtam, acima de tudo. Aproveitem esta oportunidade única de estar tão perto de mim, ouviram?”. Vendo a reação das suas interlocutoras, Napoleão revirou os olhos e berrou: “Vá lá, estejam mais alegres! A ideia é estar aqui bem dispostos a passar o serão comigo. Não estou para passar o dia com pessoas contrariadas!”. E prosseguiu com o briefing, retornando a um tom de voz sereno, dizendo: “O plano é bufar com intensidade durante o tempo que Jacques precisar para me pintar. Vamos ensaiar.” As escravas começaram a soprar que nem lobos maus à porta de porquinhos empreiteiros. No mesmo instante, Napoleão fez uma cara de nojo. Não conseguia suportar o hálito imundo das escravas mal lavadas. Ordenou, então, que elas trocassem de lado imediatamente. Jacques argumentou que, dessa forma, o vento não estaria na direção correta. “Estou me borrifando, o hálito é insuportável, quero é despachar isto!”, retorquiu o Imperador.

Entretanto, a égua tinha chegado. Vinha com a crina escovada e o pelo liso e reluzente. Napoleão considerou, contudo, que, se esta tivesse a crina encaracolada, o retrato teria um impacto estrondoso. E lá se encaracolou a crina da bicha. Da égua, entenda-se, já que Napoleão já tinha o seu cabelo penteado e composto pelo chapéu.

Estava tudo pronto para, finalmente, Jacques começar a tão desejada pintura. Napoleão montou a égua, mas achou que, se ela estivesse com as quatro patas no solo, seria pouco interessante. Sonhava com algo glorioso e ousado, nunca antes feito. Para que ficasse com as duas patas dianteiras levantadas, a posição da égua alternava ao mesmo ritmo que Jacques olhava para a tela e para o cenário enquanto pintava. Quase como se estivessem a jogar ao macaquinho do chinês com a égua do francês. Napoleão ficou com o dedo no ar no retrato. Tinha uma coisa a dizer, faltava-lhe a luva da mão direita. Mas assim que Jacques começou a pintar, não poderia ser interrompido.

Consumado o retrato, Jacques olhava embevecido para o trabalho que acabara de realizar. “É pura arte. Napoleão, venha ver esta obra de arte!”. O Imperador acercou-se do conceituado pintor e, pasmado, disse: “As minhas pernas ficaram gordíssimas. Quero repetir tudo já!”. O reboliço instalava-se no quarto do Napoleão: os escravos revoltavam-se, o Machado bufava e Jacques tinha levado um bufardo nas ventas como recompensa do trabalho mísero que concluíra. Todavia, um pombo correio entra no quarto com um bigode, um palito no bico com restos de bacalhau à brás e uma bandeira de Portugal atada à pata. O Machado era o destinatário da carta e começou a lê-la em voz alta: “Querido filho, os soldados franceses chegaram agora, mas estão meio atarantados porque acho que o teu patrão se esqueceu de vir. Eles estão fartos de lhes mandar pombos correio, mas ele não lhes responde. Eheh, ganda otário, assim fica fácil 😉 beijinhos e quando vieres cá no natal, traz um souvenirzinho para a gente.”

“PORRA!!”, gritou Napoleão. “Esqueci-me completamente! Caguem nisto, eu tenho de ir para Portugal rápido. Agendei a 1ª invasão a Portugal para começar daqui a 2 horas e estou aqui de leggings. Vou ter de sair e levo o cavalo. O retrato… olha, fica o primeiro, que se lixe, é o que há. Machado, lança o retrato já hoje para distrair a comunicação social do escândalo da batalha. Que merde, pá!”

E assim foi. Napoleão foi para Portugal (e perdeu) e o Machado lançou o retrato tal como o patrão pedira. Mas não sem antes levar um bufardo nas ventas.

FIM.

Referências:

[1] Página de Napoleão Bonaparte na Wikipedia

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