A História do Instituto Superior Prisional: O Substituto da Área de Graduação (2/5)

Autoria: Ângela Rodrigues (LEFT) e João Dinis Álvares (MEFT)

Acordo com uma sensação estranha, Será que continuo nesta espécie de sonho febril?, ao fundo ouço o que me parece ser um motim, devo ter avançado no tempo enquanto estava desmaiada. Levanto-me e reparo que continuo à frente da Torre Sul, que ainda há pouco era a torre dos macacos, e decido avançar na procura de respostas no que a voz diz ser o antigo Pavilhão Central; à medida que me aproximo, começo a ouvir um incessante cacarejar, Já não me lembrava que este edifício era dominado por galinhas… Prestes a desistir de entrar noutro pavilhão dominado pelo caos, vejo uma placa, na qual leio “Área de Graduação do Instituto Superior Técnico, atualmente a tratar de pedidos de 2023, apesar do Instituto ter fechado em 2039 sem data de reabertura”. Que placa tão grande, penso, enquanto entro no pavilhão.

Decidi ir ver onde era essa tão afamada Área de Graduação, tentei falar com um segurança que ajeitava o cinto mesmo à entrada do dito Pavilhão Central, cumprimentei-o, mas ele não reparou, talvez me estivesse a ignorar por ser mulher, repeti a minha pergunta e nada. “Continua”, disse-me a voz do jornalista, “por ali”, e assim fui, guiada sem saber para onde, entrei num edifício cujas colunas cinzentas eram opressivas e ao mesmo tempo imponentes e senti o chão tremer com a quantidade enorme de galinhas que estavam debaixo de mim. Viam-se penas a sair de pequenas rachas e, de um dos cantos do edifício, vinham gritos de pessoas, portas a bater, vidros estilhaçados, sons de alguém a ser atirado ao chão, tenho quase a sensação de que ouvi dois dentes a cair. Dirigi-me para lá, com cuidado, virei a esquina e não sei bem o que vi: era tudo e nada, parecia estática, havia de tudo a acontecer, pareciam memórias de alguém, desfasadas, incoerentes, uma mistura de momentos ao longo de anos. Aproximei-me e, à medida que dava cada passo, as coisas iam-se atenuando, as pessoas desaparecendo, o caos desaparecendo. Quando cheguei à porta onde dizia Área de Graduação, estiquei a mão, abri-a e, por trás da porta, era só parede, fria, austera. Em baixo, havia um graffiti: “Ticket Resolvido”.

Assim, torna-se difícil descobrir o que quer que seja, achava que agora ia finalmente entender o que se passava com este local. “Cucu, quer um requerimento livre?”, viro-me para a esquerda e vejo quem proferiu tal pergunta, um macaco com uma coroa feita de penas de galinha, “Eu sou o responsável por estas bandas. Antes trabalhavam aqui umas pessoas, mas como eram pouco eficientes, decidiram substituí-las por mim, o grande Ticket 294834. Requerimento livre?”, estica-me um papel que assumi ser um requerimento livre, Acho que já nada vindo deste local tem a capacidade de me surpreender, penso ao aceitar o papel. Perguntei-lhe o que ele sabia sobre a relação entre o alojamento local do Taguspark e o Instituto Superior Prisional e fiquei a saber que ambos tinham feito parte do antigo IST, antes da Revolução dos Macacos. Antes do Ticket desaparecer aos saltos pelo corredor, disse ainda, “Como gostei muito de si, dou-lhe mais uma coisinha. Considere um presente de boas vindas, pode ser útil para a sua investigação.”, e atirou-me um ovo; apanho-o, parto-o, que mais poderia fazer com um ovo? e retiro um panfleto em que está escrito, “Queres saber mais sobre como podes contribuir para tornar o Técnico num lugar mais feliz, junta-te a nós por volta das 19h40. Participação mediante a apresentação deste convite e das palavras chave”. Reparo que é de 2023, parece que tenho de recuar ainda mais no tempo.

Virei a mão direita com cuidado, alguns dias recuaram enquanto ia andando pelo Pavilhão, macacos que andavam por todo o lado, passaram por mim pessoas vestidas de fato, aproximei-me por trás deles e vi numa folha escrita “Instituto Superior Prisional”, deve ter sido aqui que começaram a preparar a reabilitação do edifício; curiosa por ver como é que eles reagiam, estiquei a mão para o papel, mas esta passou por ele como se tal não existisse, “Não se esqueça de onde está”, disse-me a voz. Continuei a recuar no tempo até chegar a uma altura que, pelas decorações que estavam a ser montadas, parecia ser o Natal: vi uma equipa de macacos a pintar o interior de vermelho e branco, imagino o trabalho que deve ter sido tirar tudo depois, uma azáfama com árvores de natal a ir de um lado para o outro, colunas de som já montadas a passar as mesmas músicas há séculos. Andei um pouco para a frente no tempo e, num dia à noite, em letras grandes dizia: “Baile de Natal” e no meio do Pavilhão estavam os mesmos macacos, com o cabelo frisado, a dançar com as suas respetivas contrapartes, várias galinhas amontoadas, ligadas por fios, de forma a poderem dançar elas também.

Talvez este evento esteja de algum modo relacionado com a criação do Instituto Superior Prisional, alguma coisa se deve ter passado aqui. Estava eu muito bem a observar este ambiente simultaneamente caótico e organizado, quando entram três homens de fato acompanhados pelo segurança que me tinha ignorado. “É como lhes digo, andam nestas brincadeiras há dias. Sempre achei que o protocolo com o Jardim Zoológico iria dar mau resultado, depois ainda se meteram a inventar e a fazer experiências com os macacos… Ah e tal, as capacidades cognitivas foram melhoradas e mais não sei o quê da economia, agora podemos poupar dinheiro da contratação de TAs. Balelas”, conta o segurança nos seus modos labregos. Nisto, um macaco todo aperaltado salta para uma das colunas, solta um grito que só consigo descrever como um grito de guerra, os restantes símios agarram-se às decorações natalícias e aparecem uns jovens com um ar esgrouviado, “Longa vida à aliança Torre dos Macacos – Antigos TA’s”, gritam. Os macacos começam a atirar grinaldas e bolas contra os quatro homens, as galinhas aproveitam o facto de estarem ligadas para se enrodilharem à volta das pernas dos homens e fazerem com que estes caiam, enquanto os jovens, que assumo fossem ser estes tais TA’s, tentam amarrá-los com as luzes, Bom esquema de cores, penso, ao ver todo o tipo de enfeites a voar. Não sei como, mas os agredidos conseguem levantar-se, “Isto não pode ficar assim, alguém tem de vos controlar”, ameaça um dos homens de fato ao dirigir-se para a saída do Pavilhão. Terei acabado de assistir ao que levou à criação do ISP? E o que é que são TA’s? 

Foi então que o chão começou a tremer e tanto seguranças quanto os jovens e até as galinhas pararam, só os símios gritavam, já de lanças na mão, vindas do piso superior, rachas espalharam-se pelas paredes, havia algo a acontecer, algo grande: o chão partiu-se, rebentou, estilhaços por todo o lado, eram jovens montados em monstros feitos de galinhas, com armas de fogo em cada mão, por trás de mim os seguranças falavam pelo walkie-talkie a chamar reforços, enquanto à minha frente se multiplicavam os animais e as pessoas. Tentei espreitar o que havia por baixo do chão partido e vi centenas, milhares, talvez centenas de milhares de penas a correr de um lado para o outro a uma velocidade que não é suposto galinhas conseguirem atingir; pela entrada principal, vi várias fileiras de seguranças que se espalharam por todo o lado, uns iam sendo atingidos no caminho e lá ficavam, outros eram feridos, outros escapavam, uns gritavam que não havia esperança, que era melhor recuar, outros diziam para continuar, as galinhas faziam um escudo para proteger os TA’s enquanto os macacos se equipavam com chapas de metal arrancadas dos painéis solares por cima do telhado.

É demasiado, penso, a partir daqui a história não deve mudar muito. 

Olho para a mão direita, rodo-a e deixo que a voz me leve ao próximo instante de tempo.

Referências:

[1] Restos de Coleção, Instituto Superior Técnico

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