Taxa de Endogamia do Técnico mantém-se nos 73%, acima da média nacional

Autoria: Tomás Vieira (LEMec)

Um estudo da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) referente ao ano letivo 21/22 revela que 68% dos docentes a nível nacional foram contratados pela mesma Instituição de Ensino Superior (IES) que lhes atribuiu o grau. Já no Instituto Superior Técnico (IST) esta figura está nos 73%.

Dos 642 docentes de carreira do IST, 468 obtiveram o seu doutoramento pela Universidade de Lisboa. De notar que só 3% destes se doutorou numa instituição de ensino superior portuguesa alheia, número relativamente baixo quando comparado com os 24% de doutorados no estrangeiro. 

Entende-se por endogamia académica a contratação de docentes doutorados pelas próprias IES que lhes conferiram o grau. Segundo o Núcleo de Estatística e Prospectiva do IST (NEP), 51% dos docentes do IST concluiu o doutoramento na própria faculdade: já a fração que efetuou o seu percurso académico superior, na totalidade, no Técnico situa-se nos 38%. Globalmente, apesar de o IST estar dois pontos percentuais abaixo da média na Universidade de Lisboa (75%), pouco se tem feito acerca deste assunto, já que um estudo análogo referente ao ano letivo de 2015/2016 revela que não existiram quaisquer mudanças neste indicador em 6 anos.

Dentro da UL, há exceções à regra, tais como o ISEG com 43% de endogamia. No entanto, tanto a Faculdade de Direito como a Faculdade de Motricidade Humana, situam-se em 99% de endogamia académica. Em alguns destes casos é importante ter em mente que fenómenos exteriores à simples frequência daquela faculdade estão em conta. É informação pública a multiplicidade de certos apelidos e relações pessoais entre os contratados, pintando a ideia de uma entreajuda familiar – nepotismo. Contudo, à escala a que falamos, quando encaramos a Universidade de Lisboa, será possível extrapolar que todos estes casos se devem a tráfico de influências e violações da contratação meritocrática?

Num artigo de opinião no Diário de Notícias, Luís Vilar, docente na NOVA-SBE, invoca que o poder corrompe, exemplificando que dada a necessidade que há para que docentes tenham artigos publicados, estes concedem lugares a quem prosseguir a publicar consigo, em coautoria, deste modo criando uma rede “amigável”, que nunca ameace o seu estatuto. Para tal, a endogamia académica pode tomar a forma de concursos moldados, com um elevado grau de especificidade, que, segundo João Gabriel Silva, ex-reitor da Universidade de Coimbra, reforça “o sistema de compadrio que corrói a administração pública portuguesa”. Há também quem argumente com base na matriz cultural. Estudar, viver e trabalhar no mesmo sítio talvez seja inerente ao português.

João Cunha Serra, professor jubilado do IST e diretor sindical, em declarações ao Diferencial surge com uma última hipótese. Elabora que o período sucessor ao 25 de Abril e a consequente crescente democratização do acesso ao ensino superior resultou na necessidade de um recrutar massivo de recém-formados na própria IES, acabando estes por obter doutoramento e trabalhar em ligação direta à sua escola de origem. No entanto, comenta que, em 2009, “o mecanismo foi interrompido” mas que tal não resolveu o assunto, já que “se iniciou uma tendência de estagnação da procura do ensino superior” e “o travão orçamental à abertura de concursos em que possam ingressar professores externos refreou o papel que os concursos poderiam ter tido no combate à endogamia e promoveu a precariedade e o uso de mão de obra barata e até gratuita para a lecionação”.

Por que razão é a endogamia algo problemático? Nos casos de alegados concursos internos com favorecimentos, as implicações são mais óbvias: configura um crime de corrupção, além de erodir a imagem da instituição e a sua qualidade, já que esse cargo podia ter sido preenchido por alguém melhor qualificado. 

No caso mais geral, a preferência sistémica pela imobilidade académica tem as suas linhas cinzentas, especialmente quando encaramos estas instituições como os motores de inovação e formação das próximas gerações. Corroborando, as análises conduzidas por Hugo Horta, doutorado no IST e atualmente docente na Universidade de Hong Kong, mostram que, em Portugal, os académicos endogâmicos publicam 11% menos resultados orientados para literatura internacional – são menos produtivos ao exterior, dado o foco no conhecimento produzido dentro da própria universidade. Por oposição, o academic inbreeding não tem necessariamente de ser visto a estas cores, dado que pode ser um aliado à estabilidade e identidade organizacional de uma instituição – quando não praticado imoralmente.

Numa faculdade onde todos os presidentes dos Órgãos de Escola cá obtiveram o seu doutoramento, procurou-se saber o posicionamento de Rogério Colaço, o presidente do IST. Em declarações ao Diferencial, afasta quaisquer alarmes: “O Técnico não está particularmente mal posicionado, é um valor que não me preocupa”. Argumenta que não é uma questão binária: “[hipoteticamente] para a melhor escola do mundo na sua área, 100% de endogamia é o valor ideal. Quer dizer que os seus estudantes são excelentes, são os melhores. Como são os melhores, só é justo que eu os recrute”. Em contraponto, adiciona: ”Uma escola que tem 100% de endogamia pode não ser uma boa escola, não se alimenta de outras experiências, de outras vivências”. Contudo, assegura não haver qualquer enviesamento nos concursos: “Digo sempre aos membros do júri que ajudem o Técnico a recrutar os melhores possíveis de forma aberta e transparente”. O presidente do IST admite estar à procura do “número justo” e que tudo se trata de mérito e talento absoluto a avaliar pelos jurados. 

Referências:

[1] – “Indicadores de endogamia académica nas instituições públicas de ensino universitário” – DGEEC,  Março 2023.

[2] – “A (resiliente) endogamia académica portuguesa”. Luís Vilar, 26 de Março 2023 Diário de Notícias

[3] – Capítulo IV dos crimes cometidos no exercício de funções públicas – DL n.º 48/95, de 15 de Março, Diário da República

[4] – “Understanding the pros and cons of academic inbreeding

[5] – “Como se reforça a endogamia no Ensino Superior”. João Gabriel Silva, 8 de Julho de 2019. Público.

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