Autoria: Ângela Rodrigues (LEFT)
Um ano após a queda da ditadura, a 25 de Abril de 1975, realizavam-se as primeiras eleições livres da história da democracia portuguesa, onde, pela primeira vez, todos os portugueses maiores de 18 anos puderam exercer o seu direito de sufrágio. Durante mais de 40 anos, Portugal viveu “orgulhosamente só”, mergulhado no mais longo regime autoritário da Europa Ocidental no século XX: um conjunto de anos formado pela Ditadura Nacional (1926-1933) e o Estado Novo de Salazar e Marcello Caetano (1933-1974).
5 décadas após as eleições mais participadas de sempre (as eleições para a Assembleia Constituinte Portuguesa de 1975 contaram com uma taxa de participação de cerca de 91,66% dos eleitores), estamos perante um cenário em nada semelhante. A menos de um mês das eleições de 18 de maio, 91,66% de participação nas legislativas parece impensável, quando as taxas de participação não superam os 60% desde 2005 (64,26%), chegando ao caso ridículo de uma taxa de participação de 48.60% em 2019. Teremos dado a nossa liberdade como adquirida, não vendo necessidade em escolher os nossos representantes?
Infelizmente, este não é o único problema que tem afetado a democracia. Um pouco por toda a Europa, (nem vou falar do loiro oxigenado que passa demasiadas horas no solário, que aplica tarifas a ilhas habitadas por pinguins, que quer transformar a faixa de Gaza num luxuoso empreendimento imobiliário e que, qualquer dia, se lembrará de reclamar a ilha Terceira) têm crescido movimentos de extrema direita, e Portugal não é exceção, já que desde 2019 há um partido com representação parlamentar, que nega partilhar desta ideologia, mas que se apresenta com um discurso assumidamente racista e anti-imigração. Se dúvidas houvesse a este respeito, recentemente, nos debates para as eleições legislativas, para além da retórica digna de recreio da primária e das habituais táticas de vitimização, não têm faltado as associações entre criminalidade e imigração. Perceba-se o seguinte: isto são factos, não opiniões minhas.
Se o voto neste grupo parlamentar, que em 2024 passou a ser a terceira força política, é um voto de protesto, estaremos dispostos a ter um primeiro-ministro cuja principal arma política é “falar mais alto” e desrespeitar os restantes membros da Assembleia da República?
Para os que pedem uma oportunidade, afirmando que outros falharam durante 50 anos, deixo alguns marcos importantes e diferenças do último meio século [1]:
- Em 1979, foi criado o SNS que “gerou ganhos em saúde que colocaram Portugal num lugar cimeiro no que se refere à qualidade de vida de milhões de cidadãos e reduziu muitas das desigualdades na sociedade portuguesa”.
- Em 50 anos, a esperança média de vida aumentou 7 anos.
- Em 1975, por cada 100 mil habitantes, existiam 119 médicos e 200 enfermeiros; já em 2021, por cada 100 mil habitantes, existiam 564 médicos e 770 enfermeiros.
- Entre 1970 e 2021, o número de casas duplicou.
- A escolarização tornou-se universal.
- De 1978 para 2024, verificou-se um aumento de cinco vezes mais alunos no Ensino Superior.
Não nos esqueçamos também que a revolução se fez com os estudantes, com movimentos académicos e revoltas estudantis, nos quais o Instituto Superior Técnico também esteve envolvido; com estudantes que foram presos e com Associações de Estudantes que foram fechadas pela PIDE por terem opiniões diferentes das do regime; com estudantes que impulsionam movimentos feministas, numa época fortemente marcada pela separação dos papéis do homem e da mulher; com estudantes que sabiam que contestação pública era sinónimo de violência policial e repressão. Com estudantes que, mesmo sabendo que estariam sujeitos a represálias pelos seus atos de contestação, lutaram pelo fim da ditadura.
Enquanto estudantes, temos o dever de não esquecer o papel que tivemos no passado e não ter receio de enfrentar as nossas Primaveras Estudantis, se nos virmos confrontados com a necessidade.
O 25 de Abril trouxe também o fim da censura prévia, que impedia a imprensa e outros meios de difusão de mensagens, como a arte (escrita, teatro, música, cinema…) que pudesse colocar em causa a ideologia do Estado Novo, riscando a azul qualquer tipo de elemento que fomentasse a consciencialização para uma revolta contra o regime. É graças à Revolução de 25 de Abril de 1974 que podemos, enquanto jornal, escrever sem temer que os nossos artigos sejam alterados para favorecer determinado poder político, sem comprometer a verdade, expressando livremente a nossa opinião, como a seguinte:
A solução não está (nem nunca estará) no ódio pelo próximo, na mentira, na manipulação da população, na opressão e num populismo mesquinho. 25 de Abril sempre, fascismo nunca mais.
Nota: Este jornal preza sempre pela igualdade de representação de opiniões por parte de todos os partidos e esclareça-se de vez o seguinte: nunca este partido respondeu ao nosso apelo.
Referências:
[1] – Cinco décadas de democracia