“Porque estamos em 2015”, respondeu inequivocamente o primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau quando questionado publicamente sobre o porquê de se considerar um feminista. Em condições semelhantes e desprovido de incertezas, também David Cameron, primeiro-ministro britânico, afirmou ser um feminista, se tal significa ser um defensor da igualdade de direitos, alheia ao género. Ambos os parlamentos presididos por estas figuras, de importante relevo no panorama político internacional, apresentam uma assembleia considerada equilibrada no que toca à proporção de homens e mulheres presentes, reflexo provável das suas crenças. Perante novas indagações sobre as suas afirmações, Trudeau confessou mesmo não compreender todo o debate em torno desta temática, que para si não apresenta qualquer complexidade.
As muitas barreiras derrubadas por diversas figuras femininas que se dedicaram à luta por uma sociedade igualitária, onde homens e mulheres pudessem usufruir dos mesmos direitos, não terão sido suficientes para dissipar a nuvem de incerteza que resiste e teima em pairar sobre o conceito do feminismo propriamente dito. Decerto, a maioria de nós associa-o a essa mesma luta protagonizada pela mulher. Ainda assim, o que define de facto o feminismo? Qual a conduta que doutrina, se é que pressupõe algum código de comportamento específico? Na tentativa de aniquilar a dúvida o mais rapidamente possível, podemos sempre recorrer à fonte de elucidação para toda e qualquer questão existencial que o cidadão moderno possa experienciar – a Wikipedia. Esta esclarece-nos alegando tratar-se de um “movimento social, filosófico e político”, que “envolve movimentos, teorias e filosofias que advogam pela igualdade entre homens e mulheres”.
Termos como “teorias” e “filosofias” talvez alimentem devaneios e suposições, quanto ao propósito deste “movimento”, que ultrapassam a mera questão da semântica, quando a definição não poderia ser mais simples.
Por entre devaneios e suposições ergue-se, primeiramente, o preconceito de que o feminismo está direcionado, precisamente, para o sexo feminino. Surge então a questão fulcral que provavelmente terá suscitado o alvoroço relativamente às afirmações de Trudeau e Cameron: Porquê que um homem se haveria de afirmar um feminista se essa não é a sua luta? Não deveria privilegiar outras batalhas, já que o seu papel neste mundo ficou à partida definido desde o seu primeiro fôlego?
O que frequentemente o ruído distorce na transmissão da mensagem é que o feminismo deve ser encarado como um sinónimo de igualdade e não como uma tentativa cega de alcançar uma idílica supremacia feminina, assente na eventual presunção de que a merecemos, visto que a história já nos terá castigado duramente ao longo dos séculos. Pelo contrário, o(a) feminista anseia eliminar o distanciamento entre o homem e a mulher enquanto cidadãos. E porque 2015 já lá vai, e já se faz tarde, é tempo de nos habituarmos ao facto de a mulher feminista não ser necessariamente solteira ou renegar a sua feminilidade. Tão pouco despreza o homem ou venera a emasculação na tentativa de alcançar a auto-realização, enquanto jura não voltar a usar um soutien. É tempo de o tabu dar lugar à abertura, para que nos foquemos em questões que de facto gozam de alguma complexidade, ao invés de parafrasearmos conceitos cuja essência não incita a busca por novas interpretações.
*Este artigo foi escrito ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico.
Texto: Beatriz Silveira