Autoria: Alexandre Ferreira (MECD)
São vários os desafios de financiamento do Ensino Superior em Portugal, que depende fortemente do Orçamento de Estado (OE). Apesar de tentativas de diversificação promovidas por algumas Instituições de Ensino Superior (IES), a inflexibilidade na definição do valor das propinas e a dependência do financiamento europeu continuam a ser predominantes. É assim urgente desenvolver estratégias de financiamento mais independentes e sustentáveis para as universidades e politécnicos.
Ao longo das últimas décadas, temos assistido a uma transformação progressiva das IES em Portugal, na qual se incluem universidades e politécnicos, tanto públicos como privados. Um dos maiores desafios das IES é o modo de financiamento da sua atividade, nomeadamente, a promoção na academia da inovação e a produção de conhecimento com recursos bastante limitados. Num país com educação preferencialmente pública como Portugal, a principal componente desta receita vem naturalmente do OE. Apesar de gozarem de autonomia administrativa, financeira e patrimonial face ao Estado, as IES são auditadas pelo Ministério das Finanças, o Ministério da Educação, Ciência e Inovação, bem como o Tribunal de Contas.
Entre as diferentes fontes de financiamento das IES em Portugal, estas podem ser distinguidas em quatro proveniências. A primeira constitui as transferências da administração central, o que usualmente corresponde à já referida verba alocada no OE. A segunda é composta pelas propinas, taxas e emolumentos pagos pelos estudantes. A terceira resulta das transferências do resto do mundo, ou seja, o financiamento proveniente de organizações internacionais e onde se encontram plasmados os fundos europeus e outras receitas comunitárias. Por fim, e com menos expressão nas contas, estão as vendas de bens e serviços, no qual podem estar contidas as mais variadas rubricas, desde merchandising a parcerias com empresas privadas.
Ano | Orçamento total das IES (em milhões de euros) |
---|---|
2018 | 2100 |
2019 | 2200 |
2020 | 2200 |
2021 | 2300 |
2022 | 2400 |
Entre 2007 e 2020, houve uma tentativa de diversificação do financiamento das IES, o que resultou numa queda em percentagem total do financiamento das universidades das transferências da administração central. É evidente o momento de queda do peso da administração central de mais de 70% para menos de 65% nas contas das IES, que coincide com os anos após a crise das dívidas soberanas de 2011, e com as fortes restrições à despesa do Estado. Gonçalo Leite Velho, doutorado em Governação, Conhecimento e Inovação e autor de investigação no tema de Universidade em mudança: organizações, finanças e contratos, classifica mesmo as mudanças no financiamento do ensino superior como uma tentativa de “liberalização” do setor, com vista ao aumento da receita proveniente das vendas de bens e serviços. Essa tentativa de diversificação resultou num falhanço, conclui ainda a investigação.
Ao ter em conta exclusivamente os valores de financiamento do programa orçamental para a Educação, Ciência e Inovação, o peso relativo do financiamento estatal continua a baixar. Em 2023, as transferências do OE representaram 58,3% no financiamento deste programa. É assim notório o enraizamento da diversificação de financiamento das IES, imposta pelos imperativos de redução da despesa durante os anos da Troika. Verifica-se ainda através da tabela apresentada que mesmo nos últimos anos a despesa em termos absolutos no ensino superior tem aumentos quase negligenciáveis no conjunto global das instituições. A adaptação a este paradigma não foi contudo idêntica em todas as instituições, com casos de uma mudança mais forçada e outros em que a tentativa de diversificação da receita é anterior ao período de assistência financeira, segundo o investigador Gonçalo Leite Velho.
Numa tentativa de balancear o financiamento das IES por parte do estado foi este ano implementada uma nova fórmula de cálculo do financiamento das instituições. Esta necessidade resulta de uma desadequação da antiga fórmula. O objetivo é o de reequilibrar o montante que cada instituição recebe,assim como reforçar o aumento do orçamento global das IES. O OE de 2024 previu mesmo um aumento de 10,7% nas transferências do estado central para 2.904,4 milhões de euros, sendo que os números relativos a 2025 ainda não são claros e poderão sofrer alterações após discussão na especialidade. A nova fórmula de distribuição de verbas procura corrigir assimetrias e compensar as universidades e politécnicos localizados em regiões ultraperiféricas ou de baixa pressão demográfica. No caso limite do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, o aumento da dotação orçamental face ao ano anterior foi de 82,6%, enquanto o Instituto Politécnico de Beja, segunda instituição mais beneficiada, viu este valor aumentar em 39,4%.
Se o Estado perdeu espaço relativo no financiamento das IES, uma possível consequência terá sido o aumento de receitas através da segunda maior fonte de financiamento das universidades e politécnicos: as propinas. Este fenómeno ter-se-á verificado de forma ligeira em termos de peso no valor global nos anos da Troika com o recuo geral nas verbas disponíveis. No entanto, não se verificou um aumento significativo das propinas, em particular nos estabelecimentos públicos onde o valor máximo definido por lei limita oscilações significativas nos valores praticados. Nos últimos anos, a tendência é aliás de descida do valor máximo das propinas no caso das licenciaturas.
De modo a responder à problemática da legitimidade das propinas no financiamento do ensino superior, foi proposta uma solução pela OCDE num estudo de 2022 pedido pelo governo português. A proposta presente no estudo é a de aplicação de critérios socioeconómicos na definição de valores das propinas, resultando no aumento no valor da propina para estudantes inseridos em agregados familiares com maiores rendimentos. Este método visa aumentar as receitas das instituições sem ferir a equidade no acesso dos estudantes ao ensino superior. Sugestão que foi, contudo, rejeitada pelo governo de então, com o Partido Socialista (e em particular a juventude Socialista) a mobilizar-se na defesa de propinas limitadas ou mesmo da propina zero (seja através da redução de propinas ou dos programas já existentes de devolução de montantes equivalentes). Esta visão tem em vista a dotação orçamental do Estado como suporte principal das necessidades de receita das universidades e politécnicos e a existência de um ensino superior tendencialmente gratuito.
A terceira maior fatia no financiamento do ensino superior é também aquela que mais cresceu nos últimos 15 anos. O financiamento estrangeiro, obtido maioritariamente na forma de financiamento Europeu, tornou-se no balão de oxigénio do investimento no ensino superior. Estes fundos são desenhados com objetivos específicos de aumento da coesão no espaço Europeu, de fomento da inovação e da criação de tecnologia. No caso português, os fundos europeus são hoje o próprio motor do investimento público no ensino superior, fenómeno que não é exclusivo deste setor. Sob o desígnio nacional de redução da dívida pública, são múltiplos os casos de desinvestimento crónico ao longo dos últimos anos em várias vertentes da administração pública.
A inversão das fontes de financiamento da academia é um fenómeno preocupante pelas consequências visíveis no modo como operam os ramos de investigação e produção de conhecimento. A multiplicação de programas de financiamento com critérios e objetivos divergentes leva os investigadores a adaptarem o seu trabalho e dirigirem esforços para a produção de burocracia. A necessidade imperativa de proteger dinheiro público do aproveitamento indevido e a corrupção criou uma teia também ela considerável de procedimentos dúbios na sua eficácia, tais como a elaboração de relatórios extensos e detalhados. Atualmente existe um grande número de empresas de consultoria dedicadas precisamente a gerir candidaturas e projetos candidatos a fundos comunitários, libertando os investigadores para o exercício de atividades ligadas à sua investigação. O resultado final é a perda de uma percentagem não negligenciável de financiamento para a burocracia, presente em todas as peças das engrenagens do financiamento comunitário.
O país encontra-se neste momento sob o desígnio nacional que é a corrida pelo financiamento no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR). Perante a incapacidade de sucessivos governos fomentarem a sua autonomia financeira, e na ausência de alternativas de investimento, as IES candidataram variados projetos a uma verba considerável de mais uma ronda de fundos europeus. No Técnico existem várias melhorias dependentes de tais fundos, numa altura em que surgem espaços como o Técnico Innovation Center (TIC), ainda financiado pelo anterior programa Europeu, cuja conclusão era devida em 2020, se não fosse a pandemia.
Perante estes factos, ficam as seguintes questões: devem as universidades continuar dependentes da bondade que por agora se aparenta infinita da União Europeia? Deve o Estado voltar a assumir a garantia de um financiamento robusto e estável do ensino superior para que este possa realmente fomentar a inovação e a investigação em território nacional? Ou será que estar à mercê das vontades e objetivos políticos dos governantes não é verdadeiramente uma estratégia de financiamento? Revela-se urgente que tanto instituições como poder político criem uma estratégia séria e eficaz de financiamento das instituições. Deve-se discutir e pôr em prática estratégias mais eficazes que garantam sustentabilidade e equidade na atribuição de verbas. Para além da iniciativa anterior de liberalização do financiamento já referida, bem como a criterização baseada no mérito do financiamento, são necessárias mais soluções que confiram autonomia e independência na atuação das universidades e politécnicos.