Reforma do ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e agora?

Autoria: David Pestana (LEFT)

Após divulgadas as novas estruturas ministeriais do XXIV governo constitucional português, a eliminação do ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior foi recebida com consternação por grande parte dos universitários e das federações e associações académicas, nomeadamente pela FENPROF e SNESUP.

No atual governo de Luís Montenegro, a fusão do anterior ministério no já chamado “superministério” une integralmente as exigentes pastas de Educação, Ciência e Inovação. Surgem, pois, dúvidas face à eficiência e eficácia da governabilidade destes três setores, com particular perda da representatividade do Ensino Superior, na inédita ausência de uma sua secretaria de estado.

Sob tutela do ministro Fernando Alexandre, economista e ex-secretário Adjunto da Administração Interna, a ‘mastodôntica’ organização inclui agora, a par de todos os ciclos de ensino, a logística das pastas da Ciência e Inovação, o que a meu ver constitui um natural desafio à força negocial dos secretários de estado, mormente perante as especificidades não isoladamente retratadas de cada secretaria, tal qual a do Ensino Superior, independentemente  das suas capacidades e experiência profissionais.

Isto porque, em soma ao facto de somente quatro indivíduos responsabilizarem-se insólita e ousadamente pelos planos de reforma e manutenção de fundamentais setores que o são: a Ciência, que avança a sua luz sobre as sombras da ignorância humana e tem de entre muitos frutos a útil e extraordinária ‘Tecnologia’; a Educação, motor das consciencialização e sapiência amplas e democráticas de um país, e já comprovado assíduo determinante da qualidade de vida; e a Inovação, contemplativa de uma orquestra de possíveis medidas – algo ambíguas conquanto vastas – e que só acrescem à dificuldade do estudo adequado destas matérias, terão também estes profissionais, à mesa do Conselho de Ministros, menos tempo, voz e poder contratual para cada um destes extensos setores. Ora, sendo assim, menos ainda para os seus ramos interiores que perdem peso político e simbólico – e potenciais orçamentos. 

Destes realço o investimento muito precário e quase imóvel na ciência e investigação portuguesas (em 2023 a níveis semelhantes aos de 1991); e, na Educação Superior, a debilidade das bolsas estatais face ao preço das propinas universitárias e habitação para os imensos estudantes deslocados, pondo em risco as promessas, citando: do aumento da despesa em Inovação & Desenvolvimento para 3% do PIB; da presença de 60% dos jovens com 20 anos no Ensino Superior; de 50% de diplomados com qualificações superiores na faixa etária dos 30-34; e, finalmente, da obtenção de um lugar de liderança europeia em matéria de competências digitais. A formação superior e a investigação científica não podem ser luxos.

Ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, e Secretários de Estado em reunião, Lisboa, 13 maio 2023.
Fonte: https://www.portugal.gov.pt/pt/gc24/comunicacao/noticia?i=governo-propoe-recuperacao-do-tempo-de-servico-dos-professores-de-50-ate-1-de-setembro-de-2025-

Fernando Alexandre realça a “maior autonomia das instituições de ensino” face ao passado recente, constatação sob a qual defende a conservação da atual estrutura governativa. No meu entender, embora sendo viável conjetura, não invalida a particularidade decisória e administrativa que merecem o Ensino Superior e os demais ciclos de ensino, visto que, a respeito sobretudo das instituições de ensino públicas, há financiamentos – que decorrem de situações e problemas únicos – para cada uma das múltiplas (imensas) escolas e liceus…

Há duas esferas simbióticas que merecem proporcional atenção de ambas as partes: a intra-administração (hierarquizada interior e, se quisermos, privada) e a inter- (ou supra-) administração de cada instituição pública; um perfeito e natural equilíbrio de responsabilidades que visa a manutenção e o progresso do fundamental desejado: uma competente, rica, e democrática educação que se reflete diretamente – a longo, e mesmo curto prazo – no próprio País que a alimenta. 

Creio que se levantam possíveis e desnecessários riscos a que não se pode Portugal submeter – mais ainda no século da “hiper exigência” global. Embora o ministro afirme que “com esta fusão procuramos transmitir que a educação e o investimento em ciência são elementos fundamentais para a transformação (…) e formação integral das pessoas”, creio eu que triunfa em virtuosismo, mas erra em estratégia. Dignificar-se-ia melhor e mais significativamente as vitais Educação, Ensino Superior e Ciência se divididas nos seus próprios ministérios: como filhos de nascimentos não contíguos que recebem paternal e individual atenção nas suas respectivas fases sensíveis. Poupar dinheiro público para a contenção de tão necessários e focalizados investimentos é perda de dinheiro à mesma, dado que não há retorno financeiro do que se evitara, e diminuição do lucro (financeiro e imaterial – como o conhecimento, bem-estar e cultura públicas) do que em não criteriosamente se investiu.

“Não existir secretário de Estado do Ensino Superior é uma falsa questão e penso que nós mostraremos que não é (…) retirar importância às instituições de Ensino Superior”. 

Todos creiamos, por quanto não maior evidência…
Até lá, reitero: com boas intenções não se fazem revoluções.

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